sexta-feira, 29 de outubro de 2010

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Diálogo na métropole

Esbarro num corpo.
Os papéis caem.
Ajudo a recolhê-los.
Reconheço as faces
rubras.
- Joana! Por onde andavas?
- Desculpe, não estou te
reconhecendo.
Meu olhar era de espanto
com incredualidade.
Esperava que ela dissesse
que era alguma brincadeira,
não foi.
- Sou eu. Mário, estudei
com você.
- Mário, Mário, desculpe
não consigo recordar.
Seu semblante era vago,
como se tentasse buscar
um passado distante.
- Estud... - comecei
mas fui interrompido.
- Hei Joana, consegui um
táxi - um homem distante
acenava.
- Preciso ir, fique com
meu cartão, nos falamos
depois.
Ela correu para o carro.
Beijou o rapaz, e o
veículo partiu.
Partiu no veloz
correr da cidade
agitada e nervosa.
Andei com passos
tímidos, caducos
de tempo.
Olhei o cartão.
Advogada.
Ela queria ser
engenheira.
Caminhei mais,
amassei o cartão
e o joguei no lixo.
Cruel tempo de passar,
nem tudo será como antes.
O fim, às vezes, não se
evita.
Como o meu rosto que
Joana esqueceu, como
o muro que agora se
ergue na construção
a frente. Para trazer
novos prédios ao rugir
da metrópole selvagem.

Caio A. Leite - 28/10/10

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Música: Viagem

Como não concordar? "Viagem" é realmente uma utópica viagem pelas asas da mãe poesia. Depois da chegada da lírica presença é hora de partir e deixar a tristeza para trás, "tô de malas prontas, hoje a poesia veio ao meu encontro, vamos viajar". Sigamos as trilhas de Sol, que de tantas trevas e desamores pensamos que nem existiam mais. Porém elas sempre estiveram ali, escondidas querendo brincar, querendo nos acompanhar em nossa longa jornada. Valsemos com as aves trovas de poesia que são embaladas por nossos versos pequeninos. Colhamos as mais belas folhas do jardim, com uma redenção a nós mesmo pelos tempos de medo.
Mas não chorais poesia, nós vamos voltar num luzir de lua serenizado. No alazão da noite. Raio!
Na voz de Marisa Gata Mansa entendo sua versão mais que definitiva e intransponível, a doce voz-flauta de Gata Mansa atravessa todas a gerações por mais de 40 anos. Essa música resiste no imaginário e na alma das pessoas. Com a leveza das sua interpretação a cantora consegue purificar ainda mais as palavras cristalinas escrita por um jovem rapaz de 14 anos a sua época, Paulo César Pinheiro, que em toda sua imaturidade, maturou em umas das mais inspiradas e poéticas músicas de que já ouvi falar.
Não há análises que definam a letra de Paulo César, nem a voz de Marisa e nem a melodia reconfortante de João de Aquino. Só nos resta ouvirmos, apreciar até a última notinha que pudermos captar. Como um dos últimos bálsamos a toda correria, toda individualidade, todo estresse. Vamos viajar nas asas poéticas da luz, da arte, da imortal poesia-cantada: a música!

Marisa Gata Mansa - Viagem


terça-feira, 12 de outubro de 2010

Dia paulista

O sol surge naquele horizonte matinal. Os pássaros começam suas canções iletradas, as tocas esvaziam-se, a cidade acorda, mesmo sem nunca haver descanso. Já vem o ruído das máquinas ferozes, que penetram a terra ilustre.
Os raios solares vão sendo encobertos, pelas nuvens plúmbeas, e já caem as gotas como balas de revólver, castigando o pedestre distraído. Enche-se o transportador dos desfavorecidos, represam-se os caminhos de ida e volta. Como espetáculo circense a caixa mágica anuncia as tormentas. Enquanto a chuva cessa, o bafo do gigante aquece e incomoda.
Os olhos úmidos não por lágrimas, a casa chega como que por martírio. O sol se esconde infame e sem cor. E nessa ciranda complexa giram as auroras de Anchieta.

domingo, 10 de outubro de 2010

Divagações ao tempo

Hoje é primavera, as flores.
Amanhã verão, amores.
Outono já bate na porta, senhores.
O inverno é meu adeus, sem dores.

O inverno é meu adeus.
O que era jovem, peso
de vida, velhice.

O que era chuva, senão
agora seca e mesmice.
O dia já entardece.

O sol chamusca as
últimas folhas da vida.
É lua no céu.

Agora era o mar,
agora era calmaria?
Não!
Ainda era amor.

Ainda tinha cor.
Era primavera
e tenho vida,
mas logo é outono.
Logo é adeus.

Caio A. Leite - 10/10/10

Eu e você: o Tempo

Éramos crianças. Éramos facilmente enganados
Acreditamos que cada estrela, era aquela tia que morreu
Que cada noite, era o descanso inevitável ao Sol.
Nós éramos crianças e pensávamos que a vida
era só aquele monte de cores em tom pastel
que criava em mim e em você, aquela sensação
de segurança. Que vida foi essa, acho que fomos
crianças demais, mas quem dera, voltar pra esses
antigos tempos. Tão felizes e puros, tão serenos.
Que mal há em querer vislumbrar por trás da
cortina da idade? Querer encontrar a verdadeira essência
da nossas existências? Creio que crescemos rápidos demais,
para nós que dói tudo em dor inteira. Era melhor que nem
tivéssemos chegado até aqui. Tivéssemos voltado correndo
para o abraço da nossa vó, enquanto ainda tinhamos tempo
mas que tempo? O tempo me levou, e te levou, por correntezas
aflitas, inteiras adultas. Tão adultas, tão maduras que nos fez
esquecer como é bela e natural a sinceridade e os sorrisos
das pequenas crianças.
Que doce inverno me desfolha em folhas de luz, luzes,acordes,som, cores.
Ah que bêbadas miragens que rodopiam por entre meus pensamentos lúcidos.
Por que os outros ainda não cresceram? Eles que ainda eternizam as pequenas
lembranças, os pequenos gestos. Nesse mundo não há entidade completa, só há olhos e lábios. Olhos para te estranhar e lábios pra te criticar. O que fazer? Me esconder atrás da cortina e me calar? Ou encarar de frente todos esses rótulos? Sei que ao me alevantar e protestar, será como me jogar a frente de um punhal, de uma adaga afiada. Que fazer então? O que?
Eu quero só a liberdade de uma manhã de primavera, de uma borboleta tentando vencer a ventania com suas asas de seda, tão frágeis e determinadas.
Vem que a aurora desmonta e novo dia cai. E eu não sei o que fazer pra aproveitar,
por que cada dia que passa é como se nem o tivesse? Onde estão aqueles dias da infância?
Das risadas, do lazer e da família? Ficaram perdidos numa realidade utópica em algum canto
do universo, atrás de uma nebulosa, de uma estrela ou há milhares de anos-luz.
Fechem os olhos e não vejam mais as guerras, a paz, o amor e nem o ódio. Deixe todos os
sentimentos, todos ressentimentos. Suba num carro ao fim da noite, fuja para o campo.
Corra por cenários infinitos, pare na encosta mais alta que encontrar. Deite ao chão. Sinta o cheiro da relva molhada, respire fundo, e antes que tudo possa acabar. Olhe para o firmamento e deixe que tudo ao redor se acabe. Deixe cidades ruírem, deixe amores findarem, deixe a voz falar. Deixe tudo, sinta a luz etérea que baixa limpa e única.
Ao passar da estrela cadente, em rumo decadente, deseje nada. Nunca peça o todo. O todo é infeliz e finito, queira sempre o nada que vai se moldar a sua personalidade, mesmo que dela saia o infinito, mesmo que dela saia nada. Ou de nada seja tudo, e seu tudo seja nada.
Caio A. Leite

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

De Luigi Tenco

Música apresentada no Festival de San Remo de 1967 pela cantora Dalida, Ciao amore ciao, traz um ideal de partida. Um adeus para reflexão, não uma ida eterna mas um vagar de auto-conhecimento. De se compreender nesse mundo cheio de luzes, em que somos nada, em que não temos nada. Com a consciência de que por mais que andemos, por mais que digamos adeus (ciao), sempre voltaremos. Mesmo que não tenhamos mais dinheiro para voltar.
Mesmo com a desclassificação da canção, e do possível suicídio de Tenco devido a má colocação, a música de Luigi resistiu ao próprio tempo e as pessoas que não compreenderam a mensagem que queria ser posta no Festival, mostrando como nem todos os julgamentos são definitivos.

CIAO AMORE CIAO

Composição: Luigi Tenco

Ciao Amore Ciao
La solita strada, bianca come il sale
Il grano da crescere, i campi da arare
Guardare ogni giorno
Se piove o c'è il sole,
Per saper se domani
Si vive o si muore
E un bel giorno dire basta e andare via
Ciao amore,
Ciao amore, ciao amore ciao
Andare via lontano
A cercare un altro mondo
Dire adio al cortile,
Andarsene sognando.
E poi mille strade
Grigie come il fumo
In un mondo di luci
Sentirsi nessuno.
Saltare cent'anni
In un giorno solo
Dai carri dei campi
Agli aeri nel cielo
E non capirci niente
E aver voglia di tornare da te
Ciao amore,
Ciao amore, ciao amore ciao
Non saper fare niente
In un mondo che sa tutto
E non avere un soldo
Memmemo per tornare.
Ciao amore,
Ciao amore, ciao amore ciao
Ciao amore,
Ciao amore, ciao amore ciao

TRADUÇÃO

Tchau Amor, Tchau

A sólita estrada branca como o sal,
o grão para crescer os campos para arar.
Olhar cada dia
se chove ou faz sol,
para saber se amanhã
se vive ou se morre.
E um belo dia para dizer basta ... e ir embora.
Tchau amor,
tchau amor, tchau amor tchau.
Ir embora, longe
buscar um outro mundo,
dizer adeus ao pátio
se ir embora sonhando.
E após mil estradas
cinzentas como a fumaça,
num mundo de luzes
sentir-se ninguém.
Saltar cem anos
num só dia,
dos carros nos campos
aos aviões no céu.
E não entender nada
e ter vontade de voltar para ti.
Tchau amor,
tchau amor, tchau amor tchau.
Não saber fazer nada
num mundo que sabe tudo,
e não ter um dinheiro
nem mesmo para voltar.
Tchau amor,
tchau amor, tchau amor tchau.
Tchau amor,
tchau amor, tchau amor tchau.


Luigi Tenco - Ciao, amore, ciao

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Após o pleito

É a manhã seguinte de um dia importante, seria mesmo? Depois de tanta movimentação, tanto vai-e-vem, agora era o silêncio da madrugada. Sem urnas, sem vencedor, sem emoção. Sempre tenso, chato e tedioso o  domingo de pleito.
Do finzinho do horizonte via-se claridade, o velhinho sentado no degrau de cimento batido furtava do chão os últimos instantes de sossego, enquanto um cãozinho passeava pronto para aliviar-se numa árvore próxima. Na calçada não via-se a cor do cimento, um mosaico estranho, como um tapete amassado de figuras disformes e distantes.
Centenas, milhares de pequenos papéis de sonhos e promessas, numerados por um código único que usaríamos para conceder poderes num ciclo de mais quatro anos. "Que sujeira", pensava o senhor alheio ao movimento dos primeiros ônibus da manhã. "Que maravilha" pensava o cão enquanto limpava as patinhas no mais apático deputado caracterizado nos pequenos folhetos sagrados.
O senhor levantou-se, iria até a padaria, desgastado com a sujeira em sua calçada, com a política e com a dor no joelho esquerdo. Saltitando feliz ao seu encalço ia o cãozinho, com a patinhas limpas, com as orelhas empinadas e com os olhos brilhantes ao roubar para si os aromas matinais da panificadora. Seria tão bom ser um vira-lata.



Caio A. Leite - 07/10/10

sábado, 2 de outubro de 2010

Onda verde

Ouvir a voz da natureza foi algo que sempre me interessou. Não acredito num mundo cinza, material e devastado. Creio num lugar anil, verde, laranja, com a predominancia do mais belo matiz da nossa terra. Não quero um futuro duvidoso, escuro e incoerente com as nossas diversidades naturais. Preciso de um grito de alerta pra tanto descaso que vem se seguindo desde que os europeus chegaram por aqui, com fome de poder, de metal, de ganância. Levaram muito do que já foi, agora mais se perde.
Quero uma aliança pensada e estratégica para uma confluência próspera e sadia para os dois lados entre cidade e natureza, entre prédios e árvores, entre o criar e o proteger. Quero poder ter orgulho de ser de um país que estuda as possibilidades como um todo. De ser um país mais verde.

Caio A. Leite - 02/10/2010