sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Carta ao tempo

São Paulo, 26 de novembro de 2010

Ao tempo,

Agora que passastes, encontro no futuro a esperança de encontrar a felicidade. Ando atordoado para o fim.
Deixo a ti todos os meus sonhos moídos, aqueles pequenos desejos infiltrados no inconsciente impossível de querer. Deixo também alguns cabelos brancos que surgiram do desespero, da angústia e das preocupações que me trouxe.
Sr. das Eras não me mates antes que possa rever os olhos gris que se perderam na poeira das ruas. Que eu me despeça dos bons amigos e que eu possa dizer a eles mais que um "como vai você?".
Da antiga casa, que passei a infância, não envelheça a nem se perca em teias de aranha. Nessa manhã que inspira vida, a morte é irônica ao calejar essas mãos cansadas, em fragilizar esses ossos velhos e em escurecer a visão míope de leitor assíduo.
Meu Deus Tempo, carinhoso feitor, devora-me a alma. Devora-me o corpo pouco-a-pouco. Não dê margens para arrependimentos. A chuvinha molha os vidrinhos escoando vitalidade ao redor, mas não em mim. Chove, chove, chove e fim. Morte!


Até quem sabe
O filhos das horas

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* - atividade proposta na aula de literatura

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

A casa do monte

Da alta colina vejo o borrão estático e sem voz da cidade morta. Como um tumor em meio a natureza estonteante de matas, rios, aves e arco-íris. O barulho do ir vir dos carros é atroz como a sinfonia fúnebre da morte inesperada. Os enormes prédios encobrem o miosótis do céu, e os fios de eletricidade matam as altaneiras árvores de século que passou.
As crianças crescem sem saber do puro ar que desprende das damas da noite no findar do dia. Do espetáculo que o arrebol imprime nas nuvens, no firmamento. Enquanto lentamente as estrelas ponteiam na presença espiritual da lua. Ah! os cometas, ninguém os vêem lá de baixo e nem o som das cigarras ouviriam completamente.
Aqui posso andar descalço e transladar energia com a terra roxa, terra fértil geradora de vida. Meus abraços encobrem os troncos rugosos da mangueira. Minha boca sente o gosto da carambola nova, do pé, vinda do próprio ventre desvirginado das folhas. Parindo vida em frutos e sementes.
Ainda visito a metrópole onde, por vezes, preciso realizar tarefas que a vida natural não me permite. Fico logo irritado com tanta poeira, tanto asfalto, tanta dor. Subo na minha casinha encarapitada no fim do tempo, como um Olimpo particular. Onde ainda posso sentir a mão de Deus criando cada abelha a zunir, cada gota de orvalho. Como se as divindades usassem aquele último espacinho para jorrar toda sua criatividade de aquarela mística.
Sempre a acompanhar a cidade da pedra mais alta da encosta. Quando me canso e a noite traz os pirilampos, desço para o meu lar. Fecho as cortinas e durmo com as janelas abertas, como se fizesse parte de algo maior. Compactuando meu viver com a própria energia selvagem ao redor. Como se não houvesse mais medo, só a paz e alegria de recolher do dia a mais pura forma de existir.


Caio Augusto Leite - 18/11/2010

domingo, 14 de novembro de 2010

Poema dos olhos tristes

"Às vezes precisamos esquecer a dor. Não devemos deixar que ela apague a chama da vida. Precisamos nos amar mais."


Das esferas oculares
já não vejo cor,
dos relâmpagos
não me imprime cor.
O cinzento das tuas
íris calam qualquer
sopro de amor.

A face tarde ao
findar celeste.
A boca torpe
como fatigada
em guerra.

O peito ruge
na carência
aberta.
Ferida florida
em constante
inércia.

Daria eu todos
os meus sorrisos.
Para abrir-te
os lábios em
ingênuo riso.

Daria eu minhas
buscas tolas,
pra encontrar
quem te feriste.

Como um pássaro
que agoniza nos
últimos instantes,
sou vento de vida
e ladrão da morte.

Roubo-te as tristezas
para ver-te bem,
roubo-te as angústias
e o chorar também.

Não sei se posso
te salvar da treva,
nem se da minha
dor saberá na ida.
Mas das alvas
peles que se tocam
já não se entendem
como eu vira.

Dos olhos o torpor
é claro. Da esperança
a espera é morta.
E do amanhã a partida
é farsa. Adeus.


Caio A. Leite

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

A última morte

Era Natal. Mas sua árvore não havia presentes, sua árvore era um galho seco com uma fita de cetim amarelo. Seu prazer era ver o vai e vem de transeuntes com seus presentes embaixo do braço para levar para seus filhos. Seus parentes eram as paredes do beco, sujas, frias e úmidas demais para ela. Via as garotas com seus vestidos novos, de mil cores, mil variedades. Sua roupa era uma calça puída de moletom velho, uma camiseta e uma blusa tão ou mais esfarrapada que a calça. Via as pessoas saindo da igreja, impressionadas com o teto ornamentado de peças Renascentistas, ficava feliz em lembrar que a abóbada de seu lar, eram as estrelas, e eram tantas.
Já batia aquele frio de fim de tarde, ela se enrolava em suas cobertas, e olhava as faces daquelas mesmas pessoas, com seus presentes, suas árvores e seus vestidos. Por mais que elas tivessem tudo que queriam, a impressão de tristeza era eterna, as pessoas eram velhas sempre. Ela sorria, e na face confundia com a fuligem da rua, um sorriso se espelhava e transbordava para todos os lados.
Ela dormiu atenta ao barulho dos carros, para que quando desse meia-noite, pudesse ouvir o ressonar dos sinos, e poder dividir junto com seu pequeno irmão, a fatia de pão que recebera de esmola, uma esmola a quem tem tanto de alma e nada de físico. Ela dormiu antes do sino, antes da árvore, antes do irmão, ela dormia solta, voou para nuvens além. E das estrelas que enfeitam o seu teto, ela vigiará seu pobre irmão, sozinho agora. Os sinos badalam fortemente, o garoto acorda assustado, tenta acordá-la, não consegue. Desespero. Fina lágrima corta o rosto do pequenino, cai no rosto dela, ela está fria, o pão está ali, ele come um pedaço e oferece o restante para o corpo inerte, ele recusa, mas ele sabe que uma hora ela comerá. Ela não acordou naquela noite, e nem na outra, o corpo em estado de putrefação chamou a atenção, recolheram-na. Foi enterrada num cemitério católico, indigentes são católicos? Ninguém sabe, mas de que adianta não há como indagar. O triste pesar, mais um que parte sem árvore e sem presente. Agonia das cinzas noites de Natal que jamais foram vistas, nubladas pela felicidade ou pela cegueira opcional. Em sua lápide, apenas o seu nome e o epitáfio:

Esperança.

A última finada, não resta mais nada
Abracem o caos, agora jaz seus sonhos
Suas lutas e suas glórias.
Não há mais, há só uma densa nuvem de calamidade
Chorem e se despeçam, acabou a felicidade.


Caio A. Leite

terça-feira, 9 de novembro de 2010

A voz do Brasil


Qual é a maior cantora do país? Podem perguntar, re-perguntar, gritar, procurar em todos os lugares. Não adianta, essa - aparente - simples pergunta, não possui resposta.
Delegar esse título a apenas uma voz seria como mostar apenas uma parte verde da colcha de retalhos, e setenciar que a colcha é toda verde. Quero dizer que temos vozes demais para entregar um cetro e uma coroa.
Muitos diriam categoricamente: Elis! Claro, não se nega a importância da Pimentinha e sua voz de trovão. Do seu jeito único e eclético, indo de Adoniran para Rita Lee.
Outros diriam Dalva de Oliveira, sem dúvidas o rouxinol também tem seus créditos, seus agudos impressionaram Villa Lobos e a bem longe da terra de origem, a própria Rainha da Inglaterra tremeu ante sua voz de ouro.
Poderia eu dizer, como admirador incondicional, que a maior foi Maysa. A mesma que possuía os dois enorme olhos verdes e que encantou os cinco continentes por onde passou.
Muitos pensariam nas irreverentes Rita Lee e Elza Soares, na passional Ângela Maria. A meiga Nana Caymmi.
Outros lembrariam com carinho de Dolores Duran a sensivel compositora de "A noite do meu bem" e que morreu precocemente aos 29 anos.
Outros trariam a tropical Gal, a sublime Bethânia, a doce Nara.
Uns mais apegados as raízes, lembrariam de Clara Nunes e todo seu molejo de sereia dos rios - levando em conta que Minas não possui praias. Seu samba é um ícone de toda uma geração. A Portela agradece.
Teria outros ainda mais nostálgico que dirão: Elizete Cardoso (A divina!), Linda Batista, Dircinha Batista, Marisa Gata Mansa, Nora Ney, a luso-brasileira Carmen Miranda ou então sua irmã Aurora.
Alguns modernos arriscariam algo como Paula Toller, Ivete Sangalo, Ângela Roro e outras contemporâneas.
Mas ainda nego! Nego todos, não há essa classificação.
Unindo todas essas maravilhas, enlaçamos emoções que Elis não transpassava mas que em Dalva sobrava. Constituindo um firmamento de cantantes.
A voz do Brasil é de Maysa, é de Elis, de Dalva é de todas aquelas que conseguiram passar com sua arte a verdade impregnada em cada poro suado ao expelir a alma a cantar pelo mundo afora. A voz do Brasil é um jogral, é um prisma multifacetado. A voz do Brasil é nossa!!


Caio A. Leite - 09/11/2010

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Música: Serenata do Adeus


"A lua aqui no céu surgiu. Não foi a mesma que te viu." Parecia o poetinha estar inspiradíssimo - talvez com o luar, talvez com uma paixão - ao começar com esses versos "Serenata do Adeus". Já nas primeiras notas é possível entender que a letra discorrida pela veia poética de Vinícius traria - sem nenhuma surpresa - mais uma bela, emocionada e saudosista canção.
Há um pesar imenso de separação, uma dor de amor que terminou. Nem mesmo a Lua, e sua divina inspiração eram a mesma para os dois, tudo os distanciava agora. Só restava o temido adeus. Clama o eu-lírico por uma vontade de ficar. Mas tendo, a contragosto, que partir. E ir morrendo pelas feridas que esse amor lhe trás. Ao fim implora que essa mulher o mate de uma vez, para que não sofra mais, que se esvaia toda dor e desilusão. Compara-se a estrela pura que morreu na triste tarde, assim como ele que morre pelo adeus. Pelo eterno adeus imortalizado na serenata final da separação. Sem mais chorar, sofrer. Apenas tentar seguir em frente. E nada mais.