quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Texto da não-prosa

As frutas começavam a apodrecer na fruteira de metal barato, e o poeta não sabia como escrever um texto que não fosse poesia. Era difícil para ele mirar a folha em branco à espera de uma prosa verdadeira, tinha que abrir mão da lírica para provar que além de poeta poderia definitivamente ser chamado de escritor. Mas essa tal volatilidade não parecia habitar seu coração e nem suas mãos conseguiam escrever e fracassando permanecia com as sobrancelhas franzidas em direção à alva folha de papel que o provocava irritantemente.
Sabiamente o nosso amigo decidiu escrever sobre sua própria estranheza em contar histórias. Em suas linhas espertas colocou o fato de que tinha pouca imaginação para criar situações e lugares apropriados, tudo sempre lhe parecia tão clichê e óbvio. Invejava quando lia um texto com tanta perfeição logística. Perguntava-se se chegaria a ser um engenheiro das palavras. E pudesse construir blocos concretos que não fossem versos e estrofes, mas sim orações e parágrafos. Outro martírio eram as personagens – não queria colocar sua personalidade ali, não era uma autobiografia – mas no final das contas sempre surgiam tipos problemáticos amorosamente, com crises de solidão, feios e apáticos.
Pois bem, se mesmo assim conseguisse começar a tão planejada prosa, vinha mais uma dificuldade e essa era quase intransponível. Criar diálogos não era com ele, não sabia, não conseguia. Ficava sempre naquele esquema infantil de dois pontos e travessão com uma fala muito básica e sem construção psicológica alguma. Havia outras pedrinhas em seu caminho, mas acho que já deixei claro o problema que o assolava.
Ao final de justificar-se por sua incompetência prosaica o poeta conclui que deveria dar tempo ao tempo. Não haveria de brotar-lhe uma inspiração narrativa assim como se fosse uma abiogênese-redativa. Tinha certeza que só uma leitura mais voraz poderia lhe conferir tal habilidade e não envergonharia mais os grandes prosadores de sua terra: Machado que o perdoasse agora. Não pode o poeta em nenhum minuto e em nenhuma frase alcançar o Olimpo em que vive o pai de Capitu.
Ficou o bardo muito zangado por sua inutilidade, não mostraria aquele texto a ninguém. Abriu a gaveta e esqueceu-o ali. Só a abriria quando um dia pudesse mostrar que aquilo que fora redigido num momento de escassez criativa já fora superado com um conto fantástico ou na mais utópica das possibilidades num belo romance de mais de vinte capítulos. Em homenagem àquele poeta também fechei minha gaveta.

~Caio Augusto Leite

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