sexta-feira, 30 de setembro de 2011
O poeta que não viu o mar
terça-feira, 27 de setembro de 2011
Estático na janela
domingo, 25 de setembro de 2011
Meu eu girassol
quarta-feira, 21 de setembro de 2011
Vaso novo, vaso velho: flores reticentes.
O rapaz jovem tentava se concentrar no texto que lia na tela luminosa de seu computador. A barba por fazer e os olhos atentos refletiam na luzinha que a máquina emitia para o leitor. A boca fechada e quase seca – passou a língua em volta dos lábios rosados, ajeitou o cabelo e franziu as sobrancelhas. Um barulho de tempestade anunciando-se atrapalhava a leitura. De repente – apenas por uso de expressão – a eletricidade acabou. E no breu imenso ficou o rapaz atônito.
Sem ter nada o que fazer decidiu ir observar da janela a chuva grossa que estava começando. Do décimo segundo andar do prédio ele avistava a grande cidade padecendo ante a força da natureza. Grandes enxurradas levavam o lixo acumulado nas calçadas e entupiam as boca de lobo. Algumas pessoas de guarda-chuva andavam menos apressadas, outras sem nada corriam para procurar abrigo. Uns enfiaram-se nas marquises próximas, outras se apinharam nos botecos que havia na região.
Um helicóptero rondava a enchente que se desenhava leve e pulsante no asfalto “deve ser o Datena” pensou o rapaz ao lembrar-se do programa que era exibido na televisão “será que ainda passa o programa dele?” se deu conta o rapaz que fazia muito tempo que não ligava a televisão do pequeno apartamento: a internet supria todas as suas necessidades e quando estava com tempo livre ia até um dos bares que nesse momento estava perigando encher-se da água barrenta da chuva.
Desviou o olhar da vidraça e percebeu a escuridão que se abatera dentro da habitação – foi atrás de lanternas, velas ou qualquer coisa que o ajudasse a caminhar sem bater os joelhos nas quinas dos móveis. Chegou com algum custo à cozinha e abrindo as gavetas achou um pacote de velas de parafina. Tirou do bolso um isqueiro que carregava por hábito – o fumo já não fazia mais parte dos seus vícios. Foi aos poucos iluminando o ambiente e a luz trêmula da chama dava uma sensação estranha ao dono do apartamento.
E ao piscar os olhos para discernir o que as velas iluminavam foi percebendo coisas que jamais havia visto por ali. Misteriosamente as coisas começaram a mudar – as cadeiras e a mesa de ferro foram ganhando uma cor amarronzada e sem mais nem menos eram feitas de madeira. A geladeira foi ficando menor e azulada, o micro-ondas era uma torradeira. Até um vaso de cristal apareceu em lugar do de plástico, com flores grandes e perfumadas em oposição as artificiais que ali estavam. Correu com a vela na mão – sem entender o risco do fogo em suas mãos – chegou à sala e a Televisão era diferente, com botões grandes e tela arredondada, o computador era uma máquina de escrever e o aparelho de som uma vitrola (os CDs viraram LPs). Não entendia o que estava acontecendo, correu ao quarto a cama era de casal e os móveis ficaram mais antigos também.
Em desespero e já muito aflito corria o moço, corria como que tentando escapar dessa ilusão – um medo percorria o corpo. Sentia frio, sentia sede, sentia o rosto arder - por isso dirigiu-se até o banheiro para poder lavar a face em fogo. Quando seu rosto mirou o espelho sujo, sob a luz da chama, viu no reflexo a moldura exata do olhar paterno: era ele agora a própria imagem do seu genitor. Assustado esmurrou o reflexo e os cacos de vidro afundaram em sua mão – que carregava uma aliança de casamento (aquela que seu pai recebera de sua mãe no altar). Em vertigem entrou na banheira e quando ligou o chuveiro o ralo parecia engoli-lo...
Um trovão mais forte e o rapaz acordou “foi um pesadelo!” pensou quando despertou e viu que a chuva estava mais fraca e a rua completamente alagada. E ao lembrar-se do que se passara foi aos poucos entendendo. A vida passando e levando tantas coisas não conseguia destruir a essência intrínseca a tudo que existe. Tal qual o CD carregava dentro de si a imagem espectral do LP de outrora, o seu corpo (como o de todos os seres) carregava também uma marca interna de sua própria descendência. Passado não poderia ser modificado, por mais que nós tentemos camuflar com plástico, metal e roupas novas – “ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais” o que mudou foi o discurso da máquina, o cheiro da flor e o pote da geleia. Disso ele – tal qual uma mulher há tantos anos – também soube, no primário da noite.
- Caio Augusto Leite
O que será?
Carnavalizando
terça-feira, 20 de setembro de 2011
Pequeno esclarecimento
Conformação
domingo, 18 de setembro de 2011
À ti a aridez
sábado, 17 de setembro de 2011
Poema das 7 horas da manhã
o pivete da R. São Bento rápido surgiu.
Pegou a bolsa da senhora de verde abacate
e correu o máximo que pôde.
Dentro nada de muito útil:
Um celular antigo, um batom gasto,
lenços de papel, a foto de um homem
(no verso - Gerson meu amor).
Havia ali outras pequenezas - tudo lixo...
- Aquela vagaba não tinha porra nenhuma nessa cart..
nessa bolsa.
Um olhar e lá a dona passando novamente:
Um correr, uma lâmina afiada o sangue em jatos.
E lá, lá no longe tão perto de nós morria a frágil mulher.
O crime era não ter crime e julgada pois não pagara a fiança.
Em algum lugar o telefone tocou...
- Alô quem fala? - Gerson atendeu
[...]
- Minha Rita, morta?
E desferida a notícia como uma bala,
a realidade caiu como uma bomba de revolta.
Deu na TV, deu no rádio, deu no jornal.
(A dor só persistiu em quem a conhecia.)
Pouco importou - depois de uma semana
era outra a senhora que morria naquela mesma rua
com seu vestido de chita - não era organdi...
... e eu mesmo não mais lembro, pois a rapidez dos outros fatos já me fizeram esquecer...
sexta-feira, 16 de setembro de 2011
Angústia em dia de festa
Mas nesse momento de suspensão temporal comecei a ver cenas de meu passado com nitidez – ali estava eu brincando na grama verde, depois indo para o primeiro dia de aula, os primeiros colegas, o primeiro beijo, a primeira tentativa de fugir de casa, o primeiro porre. Tudo passando pela minha visão como imagens penduradas num varal, rápidas, cada vez mais rápidas. E eu me perguntando, valeu a pena? Valeu a pena? E só me veio Pessoa na cabeça. Vai saber se valeu a pena ou não, se fiz está feito. Passavam agora cenas mais recentes, mais recentes, mais recentes, eram agora cenas desconhecidas. Cenas de futuro? Ótimo futuro – faculdade, carro novo, apartamento, emprego, mulher, casamento, filhos...
Neste instante temi pelo que iria ver, e se por acaso chegasse ao fim? E se eu visse o meu fim? Eu não quero, desespero, queria sair logo daqui. Tento fechar os olhos, mas as imagens não são físicas e continuam a passar pela minha mente. Agora não eram coisas agradáveis de ver – brigas, assalto, mais brigas, divórcio, guarda dos filhos, velório de algum parente, perda do emprego, choro, álcool, praia deserta, vertigem. Passado, presente e futuro tudo passando muito rápido, um carro, uma avenida, 120 km/h, um cachorro na pista, um poste, uma batida, um clarão – a luz se apagando uma canção de aniversário.
São meus 18 anos e desgraçadamente sei tudo que vai acontecer, não quero, não posso. Num ímpeto de raiva viro a mesa, voa tudo para todos os lados. Olhares espantados, abro a porta e corro para a rua. Ligo o carro recém-comprado - uma avenida, 120 km/h, um cachorro na pista, um poste, uma batida, um clarão. A ordem estava invertida – o momento final era o momento próximo e nada estava acabado, pois o futuro era agora. E por incrível que pareça não lembro mais nada do dia do meu aniversário – o que virá permanecia oculto por uma cortina pesada e a morte é ainda o meu maior mistério.
segunda-feira, 12 de setembro de 2011
Solidão acompanhada
Num canto qualquer, um quarto cheio – cheio de vazio, e um silêncio cheio de significado. Um jovem qualquer, uma agonia invisível, uma vontade de ir. De ir para onde? Para longe dali, do quarto, da cidade, dos contatos frios. Seria loucura? É certo que sim, mas não é de loucuras que se vive o homem? Precisa coragem – queimar seus navios. Desbravar novas terras, novos olhares, novas pessoas que se falem de perto, que se deem as mãos, que se cheirem e se ouçam – se sabe da voz.
Num canto qualquer, um coração tristonho – querendo ter paz, querendo salvar o pobre rapaz da dor que em si se instalou. Precisa de outros, não mais os que batem tão ao lado. Não compreendem esses corações a luta que o seu trava, pois talvez sejam apenas órgãos humanos e não mais figura poética absoluta de amor. Se acaso encontrasse ou a ti lhe chegasse um peito irmão que nas veias e artérias de tanto amor – maior confusão – a dor lhe tiraria em sorrisos tão vãos.
Num canto qualquer um escritor pensando, pensando demais, rachando mesmo a cabeça para unir as pontas do começo com o fim de um texto. Numa cidade tão grande o escritor tão cansado de nada ser. Saudade de nada. Esperança de tudo – frases feitas e tão vazias. Um mundo tão grande e tudo tão perto – um mundo encolhido e a gente sozinho. Sozinho? Quem, onde?
Num canto qualquer - eu ou você, homem – mulher. Tristes, felizes, juntos, cansados. Buscando a paz – paz que não é pra quem quer. Seguir, seguir, seguir, será que vão conseguir? Creio que sim, a vida arruma seu jeito até para nós que vivemos num canto qualquer, de uma cidade qualquer, em um texto qualquer.
sexta-feira, 9 de setembro de 2011
Meu filho vai ser doutor
terça-feira, 6 de setembro de 2011
Da mata a canção noturna
Ururu-ururu
Canta longe o vento
pia longe ave
ou será o medo?
Ururu-ururu
Ururu-ururu
Meia-noite, canto turvo.
Meio agouro, meia lua.
Ou será a morte?
Ururu-ururu
Ururu-ururu
Parece um apelo
será imaginação
ou de um corpo o frêmito?
Ururu-ururu
Ururu-ururu
Voa a ave, voa o canto
entre um uru, um ururá
canta a mata, canta lá.
Uru-ururá
uru-ururá
Dois cantos unindo-se
como dois corpos em comunhão
ou como a alma em disjunção.
Uru-ururá
Foi-se a noite
fez-se o dia
Uru-ururá
não sei se fez-se a morte
ou se da dor fez-se mais vida.
- Caio Augusto Leite