sexta-feira, 30 de setembro de 2011

O poeta que não viu o mar

Nunca que vi o mar,
nunca que o mar me viu.
Nunca que desaguei no mar
nunca que o amor senti.

Já confundo as coisas,
eu que não sei do mar.
As letras tão já aparecem
e logo não sei amar.

Eu nunca morri nas águas,
mas seria doce afundar.
Doce morrer de amor
nas águas fundas do mar.

Eu que nunca vi mar
só sonho com peixes e ondas.
Eu que nunca senti amor,
só penso em beijos e bocas.

Seria doce morrer no mar.
Seria doce morrer de amar.


- Caio Augusto Leite

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Estático na janela

Fico à janela como que aguardando.
E nem sei o que espero,
pois nada tive de meu que partiu
para que voltasse.

É só um ritual diário.
Uma esperança habitual.
E se der sorte o futuro me agracia
com um beijo perfumado.

E ali da janela espio
e tantos passam.
São quase borrões, apressados
pela cidade motorizada.

De repente um gato cruza minha visão.
E ele na sua animalidade produz vida.
Vida alaranjada e macia.
Vida de criança que jamais virou gente grande.

O gato passa...

E pelo resto do dia
nada mais me atrai.
Nem gato. Nem sapo.
Nem príncipe.

Passei a vida espiando pela janela!

- Caio Augusto Leite

domingo, 25 de setembro de 2011

Meu eu girassol

Eu sou dia na essência,
não me imponham a noite
fria, deserta e morta.

Eu sou solar - gosto de luz.
Vou no máximo até o arrebol.
Não gosto do azul da madrugada.

Eu sou como o jornal,
que costura todas as palavras de noite
para lançá-las como brisa na manhã de sol.

Eu sou do vento - brisa diurna,
eu sou carinho - da mão no tambor.
Eu sou sorriso - a pétala da flor.

Sou girassol e ponto final.

- Caio Augusto Leite

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Vaso novo, vaso velho: flores reticentes.


O rapaz jovem tentava se concentrar no texto que lia na tela luminosa de seu computador. A barba por fazer e os olhos atentos refletiam na luzinha que a máquina emitia para o leitor. A boca fechada e quase seca – passou a língua em volta dos lábios rosados, ajeitou o cabelo e franziu as sobrancelhas. Um barulho de tempestade anunciando-se atrapalhava a leitura. De repente – apenas por uso de expressão – a eletricidade acabou. E no breu imenso ficou o rapaz atônito.
Sem ter nada o que fazer decidiu ir observar da janela a chuva grossa que estava começando. Do décimo segundo andar do prédio ele avistava a grande cidade padecendo ante a força da natureza. Grandes enxurradas levavam o lixo acumulado nas calçadas e entupiam as boca de lobo. Algumas pessoas de guarda-chuva andavam menos apressadas, outras sem nada corriam para procurar abrigo. Uns enfiaram-se nas marquises próximas, outras se apinharam nos botecos que havia na região.
Um helicóptero rondava a enchente que se desenhava leve e pulsante no asfalto “deve ser o Datena” pensou o rapaz ao lembrar-se do programa que era exibido na televisão “será que ainda passa o programa dele?” se deu conta o rapaz que fazia muito tempo que não ligava a televisão do pequeno apartamento: a internet supria todas as suas necessidades e quando estava com tempo livre ia até um dos bares que nesse momento estava perigando encher-se da água barrenta da chuva.
Desviou o olhar da vidraça e percebeu a escuridão que se abatera dentro da habitação – foi atrás de lanternas, velas ou qualquer coisa que o ajudasse a caminhar sem bater os joelhos nas quinas dos móveis. Chegou com algum custo à cozinha e abrindo as gavetas achou um pacote de velas de parafina. Tirou do bolso um isqueiro que carregava por hábito – o fumo já não fazia mais parte dos seus vícios. Foi aos poucos iluminando o ambiente e a luz trêmula da chama dava uma sensação estranha ao dono do apartamento.
E ao piscar os olhos para discernir o que as velas iluminavam foi percebendo coisas que jamais havia visto por ali. Misteriosamente as coisas começaram a mudar – as cadeiras e a mesa de ferro foram ganhando uma cor amarronzada e sem mais nem menos eram feitas de madeira. A geladeira foi ficando menor e azulada, o micro-ondas era uma torradeira. Até um vaso de cristal apareceu em lugar do de plástico, com flores grandes e perfumadas em oposição as artificiais que ali estavam. Correu com a vela na mão – sem entender o risco do fogo em suas mãos – chegou à sala e a Televisão era diferente, com botões grandes e tela arredondada, o computador era uma máquina de escrever e o aparelho de som uma vitrola (os CDs viraram LPs). Não entendia o que estava acontecendo, correu ao quarto a cama era de casal e os móveis ficaram mais antigos também.
Em desespero e já muito aflito corria o moço, corria como que tentando escapar dessa ilusão – um medo percorria o corpo. Sentia frio, sentia sede, sentia o rosto arder - por isso dirigiu-se até o banheiro para poder lavar a face em fogo. Quando seu rosto mirou o espelho sujo, sob a luz da chama, viu no reflexo a moldura exata do olhar paterno: era ele agora a própria imagem do seu genitor. Assustado esmurrou o reflexo e os cacos de vidro afundaram em sua mão – que carregava uma aliança de casamento (aquela que seu pai recebera de sua mãe no altar). Em vertigem entrou na banheira e quando ligou o chuveiro o ralo parecia engoli-lo...
Um trovão mais forte e o rapaz acordou “foi um pesadelo!” pensou quando despertou e viu que a chuva estava mais fraca e a rua completamente alagada. E ao lembrar-se do que se passara foi aos poucos entendendo. A vida passando e levando tantas coisas não conseguia destruir a essência intrínseca a tudo que existe. Tal qual o CD carregava dentro de si a imagem espectral do LP de outrora, o seu corpo (como o de todos os seres) carregava também uma marca interna de sua própria descendência. Passado não poderia ser modificado, por mais que nós tentemos camuflar com plástico, metal e roupas novas – “ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais” o que mudou foi o discurso da máquina, o cheiro da flor e o pote da geleia. Disso ele – tal qual uma mulher há tantos anos – também soube, no primário da noite.

- Caio Augusto Leite

O que será?

O que mais dá. O que Deus dará?
Não é com as palavras que vou enricar,
mas posso me divertir e até cantar.

Qual mais feliz será? O que eu posso, tu poderá?
Quente é o sorriso de quem ama
e frio o de quem vive pela grana.

O gosto da vida - açúcar ou sal será?
Para quem toca com a carne, tão salgado.
Aos poetas, seresteiros e namorados - tudo açucarado.

- Caio Augusto Leite

Carnavalizando

Lancei cinzas pela quarta
e fiz meu Carnaval.
Fiz dos medos confetes
e das tristezas serpentina.

Nas negras noites dancei ciranda,
nas manhãs frias abracei o mundo.
Pus roupas leves de chuva
e chovi, chovi, inundei a morte.

Depois de cheia a morte foi-se.
Caiu vida nas minhas mãos
e com ela flori as ruas.

No píncaro dos sorrisos
fiz festa, fiz dança, fiz amor.
Nós dois na santa quarta lançamos cinzas.

Juntos, juntos Carnavalizamos a tristeza.

- Caio Augusto Leite

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Pequeno esclarecimento

Sou o escritor das meias palavras.
De curtos textos, de pouco léxico.
Sou autor em conta gotas.

Se falo demais, me perco.
Preciso falar menos
e acerto o discurso.

Sou qualquer coisa que escreve.
Se bem ou mal - isso é o de menos,
pois não vivo de escrever, escrevo pra viver.

Não me elogiem - pois meu ego infla.
Não façam críticas severas - eu deprimo.
Apenas leiam - e vão embora - tirem suas conclusões em casa.

O texto agora é de vocês,
as palavras, os versos, as rimas.
Me desfaço de tudo e assim consigo viver em paz.

- Caio Augusto Leite

Conformação

Permaneço, mas o tempo não.
Vão-se as flores, fica meu sonhar.
Permanece o tempo, mas eu não.
Ficam os troncos frondosos, vai-se o coração.

Enganei-me. O tempo é infinito.
Eu é que sou parco e pequeno.
E todos os meus compromissos são inadiáveis,
pois posso expirar na bruma da manhã qualquer.

- Caio Augusto Leite

domingo, 18 de setembro de 2011

À ti a aridez

Em desertos sentimentais te aprisiono.
Te amaldiçoo com a sede da alma aflita.
Não me persiga, não voltarei.
Não diga nada, não ouvirei.

Da minha boca a seiva doce
não beberás.
E dos meus olhos as íris ébrias
não mais verás.

É assim mesmo meu (ex)amor,
tudo passa, os navios queimam.
Tudo vai em ondas, em sondas
em ônibus espaciais.

Te deixo no mais profundo deserto.
Não aquele de dunas, nem o de calotas,
mas o mais inóspito dos lugares:
cumprirá a penitência em amarga solidão.

- Caio Augusto Leite

sábado, 17 de setembro de 2011

Poema das 7 horas da manhã

Não houve tempo para reações
o pivete da R. São Bento rápido surgiu.
Pegou a bolsa da senhora de verde abacate
e correu o máximo que pôde.
Dentro nada de muito útil:
Um celular antigo, um batom gasto,
lenços de papel, a foto de um homem
(no verso - Gerson meu amor).
Havia ali outras pequenezas - tudo lixo...

- Aquela vagaba não tinha porra nenhuma nessa cart..
nessa bolsa.

Um olhar e lá a dona passando novamente:
Um correr, uma lâmina afiada o sangue em jatos.
E lá, lá no longe tão perto de nós morria a frágil mulher.
O crime era não ter crime e julgada pois não pagara a fiança.

Em algum lugar o telefone tocou...
- Alô quem fala? - Gerson atendeu
[...]
- Minha Rita, morta?

E desferida a notícia como uma bala,
a realidade caiu como uma bomba de revolta.
Deu na TV, deu no rádio, deu no jornal.
(A dor só persistiu em quem a conhecia.)
Pouco importou - depois de uma semana
era outra a senhora que morria naquela mesma rua
com seu vestido de chita - não era organdi...


... e eu mesmo não mais lembro, pois a rapidez dos outros fatos já me fizeram esquecer...


- Caio Augusto Leite

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Angústia em dia de festa

Não tem muita coisa sobre a mesa, uns salgados, uns sanduíches, refrigerantes baratos e um bolo com duas modestas velinhas azuis. É dia de festa, não festança. É dia de festa por força do hábito da data, mas festa mesmo não é – não por causa das poucas coisas ou das poucas pessoas – não é dia de festa, pois não há motivo para se sentir contente. De repente tudo ficou em câmera lenta – tão lento que parece que estou numa fotografia. Daqui a pouco a luz se apagará, as pessoas baterão palmas, cantarão a canção de sempre – nunca mudam o disco. Vão fazer umas brincadeiras sem graça, eu cortarei o bolo de baixo para cima, como reza a tradição.
Mas nesse momento de suspensão temporal comecei a ver cenas de meu passado com nitidez – ali estava eu brincando na grama verde, depois indo para o primeiro dia de aula, os primeiros colegas, o primeiro beijo, a primeira tentativa de fugir de casa, o primeiro porre. Tudo passando pela minha visão como imagens penduradas num varal, rápidas, cada vez mais rápidas. E eu me perguntando, valeu a pena? Valeu a pena? E só me veio Pessoa na cabeça. Vai saber se valeu a pena ou não, se fiz está feito. Passavam agora cenas mais recentes, mais recentes, mais recentes, eram agora cenas desconhecidas. Cenas de futuro? Ótimo futuro – faculdade, carro novo, apartamento, emprego, mulher, casamento, filhos...
Neste instante temi pelo que iria ver, e se por acaso chegasse ao fim? E se eu visse o meu fim? Eu não quero, desespero, queria sair logo daqui. Tento fechar os olhos, mas as imagens não são físicas e continuam a passar pela minha mente. Agora não eram coisas agradáveis de ver – brigas, assalto, mais brigas, divórcio, guarda dos filhos, velório de algum parente, perda do emprego, choro, álcool, praia deserta, vertigem. Passado, presente e futuro tudo passando muito rápido, um carro, uma avenida, 120 km/h, um cachorro na pista, um poste, uma batida, um clarão – a luz se apagando uma canção de aniversário.
São meus 18 anos e desgraçadamente sei tudo que vai acontecer, não quero, não posso. Num ímpeto de raiva viro a mesa, voa tudo para todos os lados. Olhares espantados, abro a porta e corro para a rua. Ligo o carro recém-comprado - uma avenida, 120 km/h, um cachorro na pista, um poste, uma batida, um clarão. A ordem estava invertida – o momento final era o momento próximo e nada estava acabado, pois o futuro era agora. E por incrível que pareça não lembro mais nada do dia do meu aniversário – o que virá permanecia oculto por uma cortina pesada e a morte é ainda o meu maior mistério.

- Caio Augusto Leite

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Solidão acompanhada


Num canto qualquer, de uma grande cidade, um jovem cansado de nada ser. Talvez não fosse o cansaço exclusivo do rapaz, mas marca essencial da juventude do mundo. Mundo tão grande, coração apertado. O jovem cansado gritava, berrava, chorava – sempre em silêncio. Quem o ouvia? Ninguém o ouvia. Tudo era saudade – de pião, bola na rua, de baile de formatura. Saudade do simples da vida, do vento no rosto, do beijo gostoso da primeira namorada.
Num canto qualquer, um quarto cheio – cheio de vazio, e um silêncio cheio de significado. Um jovem qualquer, uma agonia invisível, uma vontade de ir. De ir para onde? Para longe dali, do quarto, da cidade, dos contatos frios. Seria loucura? É certo que sim, mas não é de loucuras que se vive o homem? Precisa coragem – queimar seus navios. Desbravar novas terras, novos olhares, novas pessoas que se falem de perto, que se deem as mãos, que se cheirem e se ouçam – se sabe da voz.
Num canto qualquer, um coração tristonho – querendo ter paz, querendo salvar o pobre rapaz da dor que em si se instalou. Precisa de outros, não mais os que batem tão ao lado. Não compreendem esses corações a luta que o seu trava, pois talvez sejam apenas órgãos humanos e não mais figura poética absoluta de amor. Se acaso encontrasse ou a ti lhe chegasse um peito irmão que nas veias e artérias de tanto amor – maior confusão – a dor lhe tiraria em sorrisos tão vãos.
Num canto qualquer um escritor pensando, pensando demais, rachando mesmo a cabeça para unir as pontas do começo com o fim de um texto. Numa cidade tão grande o escritor tão cansado de nada ser. Saudade de nada. Esperança de tudo – frases feitas e tão vazias. Um mundo tão grande e tudo tão perto – um mundo encolhido e a gente sozinho. Sozinho? Quem, onde?
Num canto qualquer - eu ou você, homem – mulher. Tristes, felizes, juntos, cansados. Buscando a paz – paz que não é pra quem quer. Seguir, seguir, seguir, será que vão conseguir? Creio que sim, a vida arruma seu jeito até para nós que vivemos num canto qualquer, de uma cidade qualquer, em um texto qualquer.

- Caio Augusto Leite

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Meu filho vai ser doutor

Motivado por uma dor de cabeça lá estava eu no posto de saúde do bairro. Aguardava minha vez com paciência – esperar era a única coisa que poderia fazer naquele momento. Via as pessoas passando de um lado para outro – crianças, idosos, pais desesperados e por vezes algum médico ou enfermeiro, não saberia precisar já que todos vestiam branco. Num dado momento uma menina passou chorando, pois levara uma injeção – achei graça e lembrei-me dos tempos de eu menino em que uma simples agulha era o maior dos meus temores. O tempo passou depressa e em meu rosto cansado a barba por fazer – puro desleixo – e as roupas amassadas pela falta de tempo para passa-las com esmero. Estava aos cacos ultimamente, acho que isso que motivou minha dor de cabeça. “Você não se alimenta direito” a voz de mamãe ecoou na minha mente, ela sempre dizia isso quando me via. Para ela eu sempre estava mais magro do que de costume. Coisas de mãe, a gente aceita.
Continuei observando a rotina do pequeno posto, a fila diminuindo, eu ia me arrastando pelo banco cada vez que alguém era atendido. Minha dor aumentava, queria sair dali logo, receber um analgésico qualquer e ir embora. Eu bem que poderia tomar sozinho o remédio, podem pensar os leitores, mas eu morro de medo de me automedicar – sabe essa coisa toda de efeitos colaterais, talvez seja um pouco de pânico. Eu sou meio covarde, desde criança sempre era o primeiro a me esconder quando um barulho estranho vinha da cozinha. Sempre fui mais sensível aos acontecimentos, talvez isso tenha feito com que esse meu lado escritor se colocasse acima do lado matemático que toda pessoa tem.
Enfim comecei a prestar atenção nas pessoas do meu lado na fila, atrás de mim havia um senhor bem corpulento de modo que eu não conseguia ver além. Talvez a fila estivesse enorme. Prestei atenção nas senhoras que conversavam do meu outro lado. Elas deveriam ter a idade da minha mãe, conversavam sobre trivialidades quando um dos assuntos chamou minha atenção.
- Me conta Maria como anda a família? – uma delas perguntou.
- Muito bem, meu filho mais velho, o Cícero está estudando medicina.
- Mas que maravilha minha amiga, que orgulho, os meus lá em casa não querem saber de nada...
- Com o tempo eles se aprumam na vida. Mas sabe, é muito orgulho pra uma mãe ter um filho doutor, eu encho a boca pra falar – “meu filho vai ser doutor. “
- Ah amiga é orgulho mesmo. Se fosse o meu também estaria feliz da vida. Mas me conta como é mesmo a receita daquele bolo de cenoura....
A conversa continuou mas eu não dei mais bola, fiquei só com aquelas palavras na cabeça. Perdido em devaneios chegou a minha vez, fui atendido. O médico fez algumas perguntas e concluiu algum diagnóstico que não prestei tanta atenção para transcrever aqui. O que importa é que peguei a receita e iria para a farmácia mais próxima resolver esse problema. Enquanto saía, vi as duas senhoras de antes no ponto de ônibus. As palavras emergiram na minha cabeça “meu filho vai ser doutor...” Eu ia caminhando com isso em mente, acendi meu cigarro e a voz de minha mãe dizendo “você devia parar de fumar filho, faz mal...”. As vozes das duas mulheres no meu cérebro me pegaram de surpresa: uma com tanto orgulho do filho que fazia medicina, a outra (a de minha mãe) me alertando sobre essa minha vida desregrada e cheia de nuances – vida de artista, ou de alguém que tentava e acreditava ser artista. Talvez eu não fosse nada. Mas sabia de uma coisa, fácil, fácil de concluir, mas que me atingiu como uma verdade triste. Murmurei baixinho enquanto baforava a fumaça do cigarro: “Minha mãe não vai ter filho doutor....”


- Caio Augusto Leite

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Da mata a canção noturna

Ururu-ururu
Ururu-ururu

Canta longe o vento
pia longe ave
ou será o medo?

Ururu-ururu
Ururu-ururu

Meia-noite, canto turvo.
Meio agouro, meia lua.
Ou será a morte?

Ururu-ururu
Ururu-ururu

Parece um apelo
será imaginação
ou de um corpo o frêmito?

Ururu-ururu
Ururu-ururu

Voa a ave, voa o canto
entre um uru, um ururá
canta a mata, canta lá.

Uru-ururá
uru-ururá

Dois cantos unindo-se
como dois corpos em comunhão
ou como a alma em disjunção.

Uru-ururá
Foi-se a noite
fez-se o dia

Uru-ururá
não sei se fez-se a morte
ou se da dor fez-se mais vida.

- Caio Augusto Leite