segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Triste jardim

Tristes Violetas,
apanham de Cravos
tão fortes, tão machos.

Pobres Rosas,
são desfolhadas
e retalhadas.

Jasmim sofrendo,
tapas, cortes
a dor sem fim.

Como acreditar na paz
se nossas flores
são deixadas para trás?

Resista Margarida,
foge, divorcia.
Não seja Amélia nessa vida.

- Caio Augusto Leite

domingo, 29 de janeiro de 2012

Beijando o mar

Caminho sozinho
na orla da praia
as vagas rolam
e enrolam na areia.

O rosto da moça
em cada quebra.
O som do vento
voz de sereia.

O frio da quase noite,
o tremor no corpo nu.
Pois estou nu e vou pro mar.

Veias azuis beijam o sal molhado.
Meu corpo se desfaz da dor
e ela assina o nome em papel sagrado.

Caio Augusto Leite

Palavras

Vagam mansas, que preguiça.
As palavras saem de minha mente
para o poema sem sentido.
Quase dançam, quase choram,
quase pingam no papel amarelado.

Repousam fartas, tão usadas sem motivo.
As palavras estão morrendo.
Eu tenho dó dessas letrinhas tão juntinhas,
que faziam as mais belas cantorias
nas janelas das mocinhas de família.

Vão valsando as palavrinhas
em cada placa de avenida,
em cada fachada de pizzaria
nas ruas, nas muitas ruas
em todos trópicos
em tantos tópicos
tantas palavras
tantos caminhos.

Vão com acentos, vão sem acentos.
Em vãos momentos, em casamentos.
Em monumentos de cimento,
em tatuagens na pele pelo sentimento.

Meia palavra, que às vezes basta.
Palavra grande e também pequena.
Que seria de nós sem a palavra?
Sem a voz, sem a comunicação.
Palavra bomba atômica, palavra tiro.
Palavra carinho, palavra amor, declaração.

- Caio Augusto Leite

sábado, 28 de janeiro de 2012

É noite agora

Passarada, sol miúdo.
Lua vermelha, estrelas.
Céu em negro mar.
Cigarras cantam.

O beijo do silêncio
na boca do som.
Lâmpadas, lamparinas,
lampiões, mariposas.

Salpica o sereno
sobre a relva.
E a relva exala seu mistério
para que todos saibam: a noite chegou.

- Caio Augusto Leite

Ressoa

Água, mar.
Luz do sol.
Mato alto.
Cor no céu.
A ecologia e sua beleza.

Belo horizonte.
Sombra de ipê.
Vento de brisa.
Canta tiê.
Tanto amor, tanta leveza.

Assim foi um dia.
Não tem mais tatu,
não corre riacho,
não corre cotia.
Que azar, que tristeza.

O assum nega
a voz maviosa.
A nuvem macia
no cinza navega.
Só ecos de natureza.

- Caio Augusto Leite

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

End of Affair

Salvei todas canções
num pendrive de 10 Gigas.
As conversas deletei.
As fotos vendi pra mídia.

Pro nosso caso não deram fé,
isso que dá amar tão rápido.
Se enlaçou com um qualquer
que só quer sair do anonimato.

Eu não enganei, só pulei do barco.
Pulei antes que afundasse
e sobrasse pro mais fraco.

Aproveito o brilho agora.
Amanhã, você ainda estrela
e eu o Zé Ninguém de outrora.

- Caio Augusto Leite

A luz de Marina

Esperava a primeira estrela
deitado sobre a grama da colina.
O negro manchava o teto da vida.
Animais noturnos despertavam,
um vento macio corria,
o aroma da noite se expandia.

Esperava a primeira estrela,
faria um desejo cheio de fé.
Em um dos bolsos o retrato,
o retrato de Marina.
Que a luz da estrela traga sua pele,
seu corpo esguio de bailarina.

Esperava a primeira estrela
e de repente nada mais via.
Alguém repousara as mãos
naquelas íris tão abatidas.
Tocou a pele fria e sorriu por dentro.
Reconheceu aquela maciez, a maciez de Marina.

Beijava a boca da menina,
os minutos passaram ligeiros.
O amor sem querer nascia.
Não havia mais espera
e no céu, triste e sozinha,
a primeira estrela então surgia.

- Caio Augusto Leite

Sobre a verdadeira dor

A chuva não quer parar,
a melancolia em tristes gotas.
A umidade, o gélido, o tremor.
Tudo inspira a doença.
Um mal-estar no corpo,
talvez seja gripe.

Na tela, na janela, na favela
a chuva cai, a chuva derruba.
Sei que lá fora a mãe de alguém chora.
Que o rio transborda e o barranco cede.
A gripe aumenta, me dá sede.

Em mim a dor ordinária,
dor sem motivo, dor dose menor.
Lá fora o grande mar,
a grande dor, a grande verdade.

E quem vem ao mundo no leito dessa dor,
tenta não se afogar.
Nada de peito, peito forte, nada a temer.

A minha dor que é poça, não ensina nada
e se caio no mar posso morrer.

Os meus braços são fracos, não aprendi a nadar.

- Caio Augusto Leite

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Visagem

É, você não veio
e o sol caiu.
A noite negra
envolveu o ar.

Estrelas brilham,
mas que saudade.
O frio no vento,
a dor no peito.

Corre, corre relógio.
Anda tempo, gira ponteiro.
Fiquei te esperando
e você não veio.

A treva cegou-me os olhos,
o nada me abraçou de jeito.
Um sussurro de amor
quase esquizofrênico.

Vejo coisas, vejo o mar.
Vejo o mar nas Gerais.
Vejo meu bem chegando,
mas sei que não virá jamais.

- Caio Augusto Leite

domingo, 22 de janeiro de 2012

Essa mulher


É um dia quente de primavera, tudo corre bem pelos quatro cantos da cidade. Os carros engarrafam-se pelas avenidas largas, os senhores de terno fecham negócios, as senhoras de avental limpam as janelas, as vovós regam plantas e no décimo segundo andar do prédio Rita acaba de chegar, foi levar os filhos pra escola. Tranca a porta e fica paralisada no meio da sala, pensa no próximo passo que deve dar, às vezes tinha esses lapsos de memória, como se a vida por instantes perdesse o sentido ou precisasse de um pequeno empurrão para que a engrenagem da rotina voltasse a girar. Dá um pequeno passo e sente a dor ao pisar em algo irregular, algo que não pertence àquele espaço. Olha para o chão e ali um boneco de plástico verde aponta-lhe a arminha mínima, é só um dos brinquedos de guerra que se perdeu do pelotão. Esse soldadinho com certeza é do Antônio - pensa a mãe. Antônio é seu filho do meio. Dentre os três ele é o que menos me dá trabalho. Antônio é forte, decidido, cheio de opinião. E é sempre ele quem comanda as brincadeiras, ele quem coloca Ricardinho na cama quando não estou aqui. Antônio é o que mais se parece com o falecido pai militar. A mulher sorri, pois sabe que Antônio vai ser um verdadeiro homem. Essa certeza faz o peito de Rita se animar, sua missão de mãe não está de todo perdida.
Abana então essas ideias de futuro da cabeça, pega uma vassoura e vai tirando o pó que se acumulou atrás dos móveis de madeira antiga. Limpa com muito esmero cada cantinho, uma casa de família tinha que estar sempre brilhando, sempre perfumada, as flores nos vasos sempre vívidas. Ela como mãe e pai ao mesmo tempo deve cuidar de tudo – do sabão em pó, da conta do condomínio e das lâmpadas que precisavam ser trocadas. É mais do que uma simples dona de casa, é a governanta suprema de um lar. Vive da pensão do marido que morreu antes mesmo do nascimento do último filho. Não era muito, mas com uma boa administração, tudo se resolve. Rita é doce, mas fechada, nunca mais se apaixonou por outro rapaz, vive para a criação e educação dos seus pequenos tesouros. No seu coração ainda mora um luto grande e indestrutível, ela é como aquelas mulheres que amam uma vez só e quando perdem esse amor passam a viver apenas das lembranças felizes. Felicidade, palavra tão esquecida naquele rosto cansado, se alguém pergunta ela diz que gosta de viver assim, mas sabe, no fundo do seu ser ela admite que é triste, que é só, que apenas vive – sobrevive num mundo frio de pedra. Ela gosta mesmo é da pequena cidade do interior onde nasceu, onde viveu grande parte da vida, onde amou com toda a delicadeza e ferocidade o primeiro e único homem da sua pequena, e talvez insignificante, existência. Sente uma falta constante do cheiro de mato molhado, do leite tirado na hora, do cantar do galo no meio da madrugada - como ela é bucólica, seu corpo alto e magro é uma composição árcade – poema de flor ao som do zunzum das abelhas. Mas ela continua seus trabalhos domésticos e às vezes algum passarinho canta no beiral da janela e esse breve acontecimento é suficiente para apaziguar a saudade da distante natureza.
As horas correm. Rita adiantou o almoço e está agora ao lado da máquina de lavar na espera que ela termine de limpar as roupas. De repente o aparelho para suas funções, Rita abre a tampa e vai tirando as roupas, pega uma camisa de Roberto – seu filho maior – e percebe como são estreitos os ombros do jovem rapaz. Ah, Roberto é tão fraco, tão frágil – divaga a mãe – sempre só, sempre tímido, sempre com medo de sair pro mundo. Como ele sofre nessa sociedade cruel, como ele tem dificuldade em manter laços de amizade, como ele é pequeno perto de toda animosidade das pessoas que tentam a todo custo passar a perna nele. A culpa não é dele, ninguém tem culpa de nascer com um coração maior que o peito, um coração que quer abrigar a tudo e a todos, não há dúvidas que o resultado de tanto amor pra dar e sem ninguém pra receber é essa angústia que vive estampada nos olhos tão aflitos do meu primogênito. Rita sabe ler os olhos de Roberto, é fácil, pois é o mesmo que está inscrito nos olhos dela. Meu filho, sem querer, nasceu igual a mim – nos olhos e nas palavras doces e bem escolhidas. No fim das contas a culpada sou eu por passar para seus genes essa herança maldita e falha. Com Roberto eu fracasso a cada dia, como fracassei comigo mesma. A Rita se irrita e mais uma vez tenta abanar esses pensamentos de sua mente. Agora ela estende as roupas e por enquanto livra-se dessas ideias estranhas. Então o silêncio é rompido pelo telefone, é sua sogra, diz que vai buscar as crianças para almoçar com ela – Rita concorda, faz menos comida e almoça sozinha.
Entardece e o sol quase toca o horizonte e a mulher deixa o ócio dominar seu corpo, senta no sofá e assiste a novela que não acompanha, de modo que não entende nada do que se passa na vida daquelas personagens ocas e vazias. Até pensa em mudar de canal, mas o controle remoto está longe do seu alcance e ela quer pecar a preguiça, está bem acomodada ali. E nos seus devaneios Ricardo emerge com grande energia e vitalidade. Ricardo não é parecido comigo e nem com o pai – o menino ainda é tão pequeno, mas em seus poucos anos de vida já expõe seu gênio forte, sua espetacular opinião sobre as coisas e suas mil perguntas sobre tudo. E não era só isso, Ricardo me traz a novidade, a vitalidade, o que não cabe nem em Antônio ou Roberto – pensa a mulher largada no sofá.
E anoitece, os meninos chegam e postos cada qual na sua cadeira esperam o jantar. A comida é servida. Antônio aguarda, Roberto de cabeça baixa e Ricardo não espera ordem alguma, logo começa a comer. Rita observa com atenção seus três filhos, seus três tempos de existência: Antônio, Roberto e Ricardo – seu passado, presente e futuro. E como se soubesse que Antônio seria feliz e que Roberto sofreria, já de Ricardo nada sabia. Põe os meninos para dormir, arruma agora a cozinha e a noite avançada traz maiores reflexões, na rádio de sucessos populares Elis canta e enquanto Rita se prepara para dormir, finalmente entende que aquele menino de aparência tão frágil e de riso contido é tudo o que ela precisa pra continuar vivendo. Ricardo é seu grande e único mistério. A lua surge, Rita dorme e alguma voz etérea paira sobre o ar dizendo: as mães sempre sabem, mesmo quando nada sabem. Talvez fosse Deus, talvez fosse só o vento na janela do décimo segundo andar dessa mulher.


- Caio Augusto Leite

Cozinhando um poema

Cansei do bolo feito em fôrma quadrada,
quero bolo estrela.
Bolo bolacha.
Bolo bolha de sabão.

Eu não quero mais recheio de chocolate
e nem cobertura de primeira frase.

Agora só calda do que cair bem
e recheio de raras frutinhas.

Enjoei da velinha queimando sem dó,
derramando parafina suja no que é divino.
Eu quero a ilusão vibrante da coisa subjetiva.

Fatiem o bolo, mas não o talhem com o desleixo dos arrogantes.

Apreciem o gosto e não o devore
com a brutalidade dos bárbaros.

Deixem um pedaço, mesmo que pequeno, para mim.
Pois até quem faz o bolo deve comê-lo,
para não esquecer seu gosto
e não repeti-lo em mais nenhum momento.

- Caio Augusto Leite

sábado, 21 de janeiro de 2012

Nunca perene

Coração, coração,
sei que me engano.
Sei que as rosas morrem
antes do fim do ano.

Rosas, rosas,
perfumem esse novo amor.
Coloquem vida onde paira morte,
antes que tudo perca a cor.

Estrelas, estrelas,
eu não as ouço, só o tic-tac.
O tempo passando mata a paixão
ja não sou como Bilac.

Outono, outono,
passe logo, longa sazão.
Parece até que sou obrigado
a rimar aqui o meu verão.

Meu bem, meu bem,
como te queria eterno.
Mas aproveito o beijo agora,
pois logo será inverno.

- Caio Augusto Leite

Mais um casal

A aurora nascendo clara e quente,

ainda havia preguiça de se amar

e tudo era feito na base da rotina:

o café, as torradas, o jornal de sempre.


A manhã firme dava vontade de tocar,

as mãos, qualquer abraço.

Toques ainda tímidos, a tarde veio

e agora a chuva caía no telhado


Um véu de gotas translúcidas,

a luz do sol em ângulo perfeito,

a coloração do espectro no ar

e o beijo veio no clímax do dia.


O ocaso, ocasião perfeita para o amor,

a lua clara se despindo do paetê de estrelas.

As bocas tocam partes outras,

as mãos mais atrevidas.


Alta madrugada, o corpo treme.

A cama treme, a casa treme.

Consumação e o corpo pede descanso,

o sono vem, a aurora vem, o jornal de sempre.


- Caio Augusto Leite

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Anoitece

A mata sussurra,
qualquer coruja
pia.

A lua transpira,
a garoa cai
fria.

A noite cresce,
no negro imenso
chia.

O barulho cessa,
nada se move, até a dor
mingua.

Fecho meus olhos
e logo a natureza
silencia.

Nada mais ouve-se,
o tempo calado
espia.

- Caio Augusto Leite

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Poemar

Pra lá, pra cá.
A onda no mar.
Pra cá, pra lá.
O barco vai acompanhar.

O ritmo, a sonoridade
e tudo parece rimar.
O barco, o mar, as ondas.
Pra cá, pra lá.

O assovio do vento na vela.
O casco na rocha, a rocha velha.
O mar grande poeta,
um poema pra lá, outro pra cá.

- Caio Augusto Leite

O avesso

Minto meu tédio,
a verdade é que sou feliz.
Amo a vida e tristeza quase nunca.

Solidão não me pega, amor não me ilude.
Sou o sorriso mais sincero da avenida,
sou a dor mais macia do planeta.

Meu bem, meu coração nem sangrou.
Minhas noites nem foram frias
e minhas lágrimas nem caíram.

Ah como eu sou eu feliz,
enquanto posso fazer o que faço:
mentir o meu poema.

- Caio Augusto Leite

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Brasilidade

Misturou batata com palmeira,
Arara com gralha azul.
Carmem Miranda com Zé Carioca,
Acre com Rio Grande do sul.

Misturou Europa com África, católico com judeu.
Pantanal com prédio dez andares
Caymmi com guitarra elétrica,
Iracema com Érico de Antares.

Misturou Pelé com mil coristas,
Bossa com fossa, com rock com funk.
Revolução com ócio, chuva com seca.
Políticos com sub-artistas.

Misturou o Cinema novo com Roque Santeiro.
A censura com despudor.
O palavrão com o mínimo vocábulo.
O telejornal com o Velho guerreiro.

Misturou Alegria, alegria com Tristeza.
Por favor vá embora com Digo que fico.
A lua do sertão com o Sol de Ipanema.
O não sei de nada com o com certeza.

Misturou toda beleza
e dessa mistura de extremos
nasceu o pássaro azul
que voa alto na imensidão.

Dessa mistura de tudo e de nada
surgiu o amor, a paz,
a luz, o corte, a sorte.
O canto de Gal, a imaginação.

Nasceu a mãe gentil.
Grande, bela, fera.
Nosso ipê amarelo
nossa nação - Brasil.

- Caio Augusto Leite

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

O passarinho voou

Não tem mais foto amarelada.
Não tem mais dedicatória com caneta Bic,
não tem mais álbum com capa da Kodak.

Não tem mais meditação pra pose.
Não tem mais o "X" do sorriso.
Nem sorriso existe.

Não tem mais a foto falhada,
cabeças talhadas, foto sem foco.
A luz é sobreposta, a ruga é deposta.

Não tem mais foto de tia comendo,
de pai dormindo, de cachorro passando.
Não tem mais fatos cotidianos.

É só um flash de nada.
Agora tudo é momentâneo,
o que outrora queria ser eterno.

- Caio Augusto Leite

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Grande flor

Nessa terra pobre, nessa lama toda,
nesses calosos dedos, nessa dor aguda.
Num canto esquecido e escurecido da cidade,
alguma poesia nasce, de medos nua.

Equanto houver pétalas de versos,
haverá ainda qualquer sombra de eperança.
É que das estrofes nascem o entendimento
e quando entendemos podemos virar futuro.

E no futuro reside a flor maior,
a grande rosa-dos-ventos.
E pelos ventos da rosa eu sigo meu norte
e corro o meu destino com todos seus tormentos.

- Caio Augusto Leite

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Recanto Escuro

Eu venho de um recanto escuro
O sol, luz perpendicular
Do outro lado azul do muro
Não vou saltar

Eu chego às portas da cidade
E nada procuro fazer
Espero, nem feliz nem gaia
Acontecer

Não salto mas sou carregada
Por asas que a gente não tem
A luz não me fulmina os olhos
Nem vejo bem

Em breve só saio de noite
A lua não me rasga o peito
Cool jazz me faz feliz e só
Não tenho jeito

O álcool só me faz chorar
Convidam-me a mudar o mundo
É fácil: nem tem que pensar
Nem ver o fundo

O chão da prisão militar
Meu coração um fogareiro
Foi só fazer pose e cantar
Presa ao dinheiro

Mas é sempre o recanto escuro
Só Deus sabe o duro que eu dei
Mulher, aos prazeres, futuro
Eu me guardei

Coisas sagradas permanecem
Nem o Demo as pode abalar
Espírito é o que enfim resulta
De corpo, alma, feitos: cantar

- Caetano Veloso

Escute aqui:

domingo, 1 de janeiro de 2012

Velhice

O bom-bom que sobrava era dele,
hoje a caixa é farta demais.
A cama era macia e fofa,
hoje sobra espaço.
Os cômodos eram pequenos,
hoje tão arejados.

Ontem ele lia com dificuldade,
hoje lê Dostoiévski.
Antes ele chorava com o fim da novela,
agora ele nem sabe em que ano estamos.

É, ele não saiu pro mundo,
mas o mundo saiu dele.
E em alguma gaveta do peito
ele ainda guarda o cheiro da mamãe.

- Caio Augusto Leite