sábado, 31 de março de 2012

Cruzes, crises, crases

- Te amo.
- Cruzes!

- A vida vai mal.
- Crises!

- Vou à Roma.
- Crases! Não sei usá-las...

- Cruzes! Eu também não.
- Te amo.

- Que crise! Só agora fala?
- Pois é, vamos à Roma?

- Com crase ou sem?
- Sei lá. Vou com você, nada mais preciso.

- Caio Augusto Leite

O internauta solitário

Sob um banho de radiações estelares
vindo de satélites distantes...

As palavras viajando em ondas,
o amor contido em cento e quarenta caracteres...

Vejo beijos e sorrisos virtuais,
arremedos de afeto...

Vejo sonhos grandiosos:
fama e dinheiro...

Vejo ideologias prensadas e enviadas,
morais mastigadas e compartilhadas...

Mas eu queria era ver o sol se pôr,
deixar de lado a solidão.

Deixar de lado o computador.
Preciso sair de casa, vai ser bom...

- Às vezes para amar, precisamos abrir mão.

- Caio Augusto Leite

Defenestre

A saudade,
a tristeza
o egoísmo.

As lágrimas,
o tédio
e o amor antigo.

Ah, se tudo for difícil,
vá você também.
Quem sabe alguém te pegar no ar...

... se tens medo, então fecha a janela
e morra aos poucos com a dúvida de nunca se lançar.

- Caio Augusto Leite

Das opiniões

Há as de cimento, as de mar
e as de cimento-fresco.

Que as tuas não sejam duras
como o concreto.

Que não sejam moldáveis
como as ondas.

Pule no cimento-fresco:
Nem cabeça dura e nem cabeça vazia.

- Serás cabeça aberta.

- Caio Augusto Leite

sexta-feira, 30 de março de 2012

Diagnóstico final

Artérias entupidas
inflamação no ouvido esquerdo
congestionamento nasal
crise asmática
sangramento bucal
pés inchados
coluna desviada...

- Mas isso está no corpo ou só no atestado de óbito?

- Caio Augusto Leite

A casa

A casa abondonada da rua era nosso mistério.
Ali ninguém entrava - ninguém saía.
Nunca vi aquelas janelas abertas,
nunca soube como era por dentro.

Os meninos da rua inventavam histórias
que botavam um medo de tremer pernas.

O telhadinho era todo carente de telhas,
os meninos costumavam jogar pedras
para espantar os pombos que ali pousavam.

A casa deveria ser úmida,
pois baratas, ratos e outra pragas
ali encontravam abrigo.

O mato ficava alto e encobria a casa.
Os homens da vila pulavam o muro
para carpir... as crianças espiavam de longe.

As coisas de minha infância giravam entorno dessa casa...

...

Mas ontem passei na antiga rua
e não havia nada.
No lugar da casa, outra casa.
Não dava mais medo.

Uma menininha brincava no quintal...
um sabiá cantava na árvore...
uma senhora olhava da janela...

Não era a mesma coisa.

E eu fiquei ali: estúpido e paralisado diante do passado que não encontrei.
Do futuro que não terei.
Do presente que não tem sentido.

Casa demolida. Sonhos demolidos. Saudades bem erguidas.

- Caio Augusto Leite

quinta-feira, 29 de março de 2012

Poema perdido

Vocês já tentaram escrever um poema no ônibus?
Pois eu já e não deu certo.

A folha bamba sobre o joelho,
um único lápis, eu sem borracha.

Em cada curva mais versos caíam,
não podia recolher as rimas
as figuras passavam pela janela...

Uma brecada e saí do ritmo.
O lápis quebrou, perdi o poema.

- Caio Augusto Leite

As cores não definem destino

O dia branco, um gato negro
e nada aconteceu.
Volta pra casa:
A noite roxa, um gato branco.
O romper de artérias, a morte preta.

*

O dia azul, um gato branco
nada acontece...
A noite cinza, um gato preto
outro infarte fulminante.

- Quanto amor as pessoas trazem no peito!
No peito nu, no coração que nem precisa ser vermelho.

- Caio Augusto Leite

quarta-feira, 28 de março de 2012

O peso dessas letras

Escrita: tolo acidente
que o ser humano sofreu.

Sem ela não haveria livros:
ainda assim as histórias e as poesias vivas.

Voando no vento,
de boca em boca,
lendas de fogueira...

Existe um código escrito,
mas o sentimento não depende dele:

- Pois até o menino de menor idade,
que desconhece as leis gramaticais,
já sabe o quanto pesa as letras da saudade.

- Caio Augusto Leite

Namoro

Casa
caminho
trabalho.

Trabalho
caminho
casa.

Os fatos da vida em tristes fotos.
Era assim que me sentia...

Mas um dia por vontades desconhecidas,
a minha vida ganhou cenas, cenas, lindas cenas...

Vinte e quatro quadros por segundo
o amor num beijo de cinema.

Seus braços, seu sexo, seu clima.
Seu jeito, seus gestos, minha sina.

Agora é o fluxo do rio na noite, refletindo estrelas,
levando peixes e abraçando o mar.

Não existe dúvida, o amor no estado puro
é a coisa mais linda desse mundo.

Casa, caminho, ligações, trabalho, jantares, amor, abraço, carinho, boa noite, dormir juntinho...

- Se melhorar estraga.
...Suspiro...

- Caio Augusto Leite

terça-feira, 27 de março de 2012

Nostálgico diante da chuva

Tombavam gotas de farinha e sal
sobre o óleo na panela antiga.
Hoje tombam gotas de água pura
sobre a relva na secura.

Antes a chuva em feitio de doce,
salpicada de canela e açúcar
que mamãe fazia nos dias
que o céu caía em pedras duras.

Hoje a saudade me faz visita
quando chove as gotas frias.
Hoje a chuva ressoa só,
só a lembrança dos bons dias.

Não tem mamãe, não tem canela.
Não tem amor em lugar nenhum.
Só há a chuva que em louca dança
traz com tristeza a distante infância.

- Caio Augusto Leite

segunda-feira, 26 de março de 2012

1/4

Um quarto de mim é sala,
- fazendo sala.
outro quarto é cozinha
- cozinhando a paciência.

A outra metade é particular...

Um quarto é banheiro
- lavar a alma, síntese do dia.
O último quarto é quarto
- que é o espaço do coração, poucos entram.

Aqui só entra quem viveu nos outros quartos.
Quem abre suas portas sem medo
- sem meias palavras -
se mostra por inteiro.

- Caio Augusto Leite

Insolação

Sol quente: perigo iminente.

Sob o asfalto a luz maior:
sua, arde, cai a pressão.

O sol amarelo: grande inferno.

Na cidade cheia de cinza:
evapora água, seca grama, a sede.

O sol alienante:

A cabeça gira, roda, tomba:
mil imagens delirantes...

... sem razão, o sol me faz cair.

Desmaio na calçada...

... tomo soro e acordo.

Ainda dói o corpo,
a mente,
a ideia.

Mas saindo do hospital pobre,
a chuva vem pra redimir
toda a dor e toda burrice.

Chuva d'água reaviva as plantas,
chuva de letras mata o vazio...

... deixa chover, que faz bem.

"... chuva, chove, chuá..."

- Caio Augusto Leite

domingo, 25 de março de 2012

Sambando em confetes

Mas será que existe alguma instituição burocrática
para lavrar os títulos artísticos?
- Você é pintor expressionista, você é surrealista.
- Você não é poeta, não gostei desse verso.

Se existir eu não quero nem passar em frente...

E se um dia me mandaram uma carta
- de aprovação ou rejeição -
eu a faço em mil pedaços
e sambo nos frangalhos dessa crítica vazia.

- Caio Augusto Leite

Vidro

Contrariando todas as especulações comuns,
sobre a minha geladeira não mora pinguim.
O que vejo é um cavalinho de vidro:
Poderia ser diamante, não fosse o lascado na pata.

Altivo, poderoso, marchante.
Mas o mesmo lascado sugeria fragilidade.

Deixo ali o cavalo, para que mão estúpida
não faça o mesmo que fez com aquela outra estátua
- aquela de gesso, lembra?

Meu cavalinho já aprendeu a viver,
o tempo, o tempo passou pela sua pele vítrea.

Eterna marcha a do cavalinho,
indo para o futuro...

Minha geladeira não seria tão minha,
se ali houvesse um pinguim frio e morto.

Amo mais meu cavalinho de vidro,
do que a muita carne de gente.

- Caio Augusto Leite

sábado, 24 de março de 2012

Chá de sumiço

Você que nunca mais abriu a janela.

Passo e lá está você,
laço no cabelo louro,
olhos quase tristes.

Espia o mundo,
espera alguém?
Não sei, não sei.

Todo dia, toda hora,
só há você na janela.
Quadro íntimo e vivo
que aprecio no caminho.

Mas um dia a janela cerrada
me deu um profundo mal-estar.
Onde estão seus olhos curiosos
e seu embaraço tímido?

Saudade de você, de você que nunca mais abriu a janela...

- Caio Augusto Leite

Reforma

Tudo em desordem:
mesas, cadeiras, armários.
Os corações parodiam a casa.

Os corpos rolam na bagunça,
se amam sem amanhã.
A pele suada absorve a caliça...

... o calor e o cansaço,
descançam. As pernas em ângulos estranhos.
Tudo fora de esquadro.

E a marreta precisa do pedreiro,
quebrando pedras duras na parede,
o único ritmo verdadeiro
nesse cenário de amor decadente.

- Ah, mas até ele errou o compasso...

- Caio Augusto Leite

De estação em estação

Paixão anônima dentro do trem.
Que euforia, as pernas se roçam,
o hálito perto. Os braços se atraem.
Mas se repelem pois nem se sabem.

Paixão anônima que acaba
quando do trem desço.
Mas por algum tempo
o coração ainda acelerado.

Depois...
Lentamente...
Sossega...

Nem lembro mais daquele rosto.

- Caio Augusto Leite

sexta-feira, 23 de março de 2012

A moça verde

Te vejo abacate, no pote ao longe.
Sempre tão longe o cerne da fruta.
Sei que debaixo dessa pele verde
há um caroço repleto de futuro.

Mas me falha o coração quando penso
que jogarei fora essa semente.
Não nascerá novo abacateiro,

Eu não sei abacate,
você é só mistério.
Sempre verde, quando maduro?

Te vejo longe abacate,
como vejo a bela moça que passa
e que também é verde...

- Será que carrega um caroço
ou é oca como o fruto devorado?

- Caio Augusto Leite

Nenhuma saudade dos oito anos

Não sinto falta de infância,
do inverno da minha vida
que gelava os ribeirões
e na pele mil feridas.

A dor que tinha na ânsia
de viver mil emoções.
Já não tenho mais saudade
daquelas recordações.

Ah, mas que vida maldita
que eu tinha quando pequeno.
Meus olhos plenos de dor
na névoa e no sereno.

Mas o tempo soube passar...

E que dia lindo que faz agora,
O sol batendo no rosto
o vento vindo gostoso
deixando-me feliz, feliz de dar inveja.

- Caio Augusto Leite

No caminho da volta

Senta alguém do meu lado,
o ônibus segue seu passeio.
Que desconforto,
a janela parece interessante.

Não temos assunto,
ilustres desconhecidos.
Frio na barriga,
a língua quer quebrar o silêncio.

Mas logo o banco fica vazio,
outra pessoa senta
e tudo recomeça nesse meu caminho...

- Caio Augusto Leite

quinta-feira, 22 de março de 2012

Sobre a mesa

De um lado livros, pura imitação.
Do outro frutas, doce essência.
As letras, as frases, a sintaxe.
Os gomos, as cascas, os cachos.

De um lado o texto,
a gramática normativa.

E do outro laranjas,
variando no gosto e na cor.

O signo e a coisa:
livro e laranja.

Se as laranjas fossem de livro,
todas teriam um gosto igual...

Se os livros fossem de laranja,
ler seria bem mais suculento...

Mas é o livro ao lado da fruta
- cada qual coisa em si -
e isso eu não posso e nem devo questionar.

- Caio Augusto Leite

Depois de cinco anos

É dia de lustro poético,
muitos versos nasceram depois daqueles.
Versos tímidos de água corrente.

Versos que germinaram
e aprenderam a sê-los.

É dia de lustro...
Viva minha lírica pequena,
mesmo que só eu a queira.

- Caio Augusto Leite

Depende da palavra

Mas existe cada palavrinha ingrata.
Que me perdoem, mas elas matam o poema.
Quem por exemplo ousaria colocar num verso
a palavra "outorgar"?

Ou então, "execrar"!?
Quanto formalismo.
Diz que doa, diz que odeia...

E há outras tão macias
que o poema até flutua.
Num sopro de brisa
voa a leve pluma...

- Caio Augusto Leite

terça-feira, 20 de março de 2012

Apesar do atraso

Hoje perdi a hora, me prendi no trânsito.
Tantos carros, e sempre o sol nascendo plácido.

A vida aqui é bem difícil, cidade áspera.
Cinza macio que devora toda a luz cósmica.

Avanço dez metros, engarrafamento épico.
Mas pra que tanta roda meu Deus, tanta fábrica.

Um avião cruzou as nuvens rindo cínico.
Carro parado já virou desenho clássico.

Anda, para, anda, para, já sinto náuseas.
Está tudo no horizonte, presente cáustico.

O tempo passa e a calma vai trazendo a prática.
Espero, e o caminho vai se abrindo em árvores.

E toda a beleza exala quando chego.
O mundo celebra a libertação do carro.

Uma gota cai no meu cabelo e logo outras.
A chuva à toa veio abrir o meu sorriso e me dizer:

- Apesar de tudo a vida é boa.

- Caio Augusto Leite

Baile noturno

Do rádio antigo a valsa louca,
a valsa da vida
e da sua ânsia febril
de existir.

Pijama de festa,
toco tua mão.
Abraço teu corpo
e juntos rodamos.

E teu perfume,
e tua pele lisa.
E o laço no cabelo...

Essa coisa toda me deixa disposto,
teu beijo no meu pescoço
os passos tímidos numa dança imaginária.

Baila vida, a vida baila.
Vida que baila, baila que é vida.
- Dancemos!


- Caio Augusto Leite

domingo, 18 de março de 2012

Apegado

Eu preso nesses quatrocentos anos de história,
nessas avenidas de concreto, nesse oceano de carros.
Nunca saí desse seio de mármore,
a dita civilização do meu Brasil.

- Se isso é civilização...

Eu e as mesmas paisagens,
o eu cansado das tolices de sempre.
Cansado da garoa fina e do sol do meio-dia.

Mas se um dia eu sair daqui,
talvez me bata uma saudade...

Quando a gente se acostuma com um amor,
quando a gente se acostuma com uma cidade
não tem como abandonar assim.

- Caio Augusto Leite

Sobre verso


Ontem vi versos dentro de uma gaiola. Tristes, sem penas, bicos quebradiços. Pareciam doentes. Fiquei com dó dos versinhos. Achei o cúmulo da ignorância, não merece ser lido o poeta que faz versos exclusivos. Quem tranca poesia merece a morte, ou um pouco mais de sofrimento.
-Sai dessa! Liberta esses versos daí! Verso quer sexo, precisa procriar, verso é bichinho em extinção. De raro em raro vejo um bando voando pro Sul de alguma prosa:

Pois já não encontram poemas para morar,
nem de amor, nem de guerra e nem de paz.
O verso está morrendo, mas eu não quero!
Viva o verso que explica a vida no universo:

- Gênesis, Pasteur, Panspermia!


- Caio Augusto Leite


sábado, 17 de março de 2012

Quando morre um coração

Escutava uma música dançante quando ela chegou toda cheia de amor. A boca rubra, o peito em brasa. Abraçou, amou, beijou meu rosto e deixou uma marca. Tocava a tez macia e os olhos dela pareciam tão verdadeiros naquele ato de consumação. Mas chegou a manhã do outro dia, o triste outro dia. A luz acordou meu corpo e ao lado o vazio da cama afinava-se com o samba-canção que o rádio tocava agora “... ai a solidão vai acabar comigo...”.Enfiei-me debaixo dos lençóis, preciso repensar a vida e renascer o coração. Acho que é domingo de Páscoa...

- Caio Augusto Leite

sexta-feira, 16 de março de 2012

Buscando orientação

A palavra varia na boca e na gíria. Tudo vai rolando no próprio tempo. Eu também preciso mudar. Nem toda poesia é verso e nem todo verso é poesia. Pôr uma régua na folha e escrever é muito fácil, difícil é atingir o coração com arte.
Ainda escrevo versos, ainda tenho muito o que dizer. Nada de novo, mas coisas que não disse. É que eu não posso começar pelo fim: quem quer chegar na poesia de agora, tem que passar pelas redondilhas, pelos versos, pelos metros e pelas paredes concretas de outrora. Por isso escrevo mantendo certas formas ultrapassadas, é que sou feto. Sou um poeta em gestação, no meio do fogo cruzado entre a mente e o coração.

- Caio Augusto Leite

Nem é triste

Triste é pra gente que fica...

Não chore a morte e nem desdenhe a vida,
faça uma festa
com grande alegria,
chuva de confete e serpentina.

Triste é pra quem não entende...

Tem gente que morre, mas permanece vivendo
outros tantos passam a vida se morrendo.

Se eu morrer amanhã,
não lamentem como Álvares
e nem ergam falsos epitáfios.

Se eu morrer amanhã,
beije sua namorada,
abrace seu filho
e siga a vida...

Triste mesmo é pra quem fica sem saber ficar...

- Caio Augusto Leite

Morreu de quê?

Cruzou o cabo da Boa Esperança,
tava no bico do corvo,
com o pé na cova,
bateu as botas...

Tantos eufemismos para a morte
que eu nem sei se morrer é ruim.

Larga mão das palavras macias
nessa hora de verdade absoluta.

Apenas responda a pergunta:
- Morreu de morte morrida
ou de morte matada?

- Caio Augusto Leite

Numa estação

Depois de tantas queixas
já não querem me ouvir.
Até o trem passando é mais interessante...

Vagão, vagão, vagão...
vagam pensamentos.

Fico meio que calado,
esperando a vida que já passou.
Querendo pegar um navio nessa estação.

Espiando os rostos que não conheço
e imaginando como seria
se a morte me encontrasse agora.

O trem desgovernar,
um raio cair,
o coração infartar...

E nada!

É só o tédio aqui parado,
e o trem numa curva pro futuro.

- Caio Augusto Leite

quinta-feira, 15 de março de 2012

Atravessando o passado

Canto o amor em nobre forma.
Como a rosa mais formosa,
que no galho da roseira
traz poema, mata prosa.

Teus olhos de caramelo
refletem o meu sorriso,
que renasce belo e jovem
quando os vejo no caminho.

Faltam flores pra lhe dar,
só espinhos no meu peito.
Que ilusão é esse amor,
só me traz o sofrimento.

Canto o amor em nobre forma,
mas não ganharei resposta.
Do que adianta esses versos
se o meu carinho ignoras?

Onde está meu bem antigo?
Em que vales, em que céus?
Mas será que vive em paz
ou está pleno em perigo?

Que me importa esse amor falido,
que me prendia em estética passada
e não deixava derramar o meu lirismo.

Não sei de rima, não sei de métrica.
Não sei mais daquele amor.
Ainda bem que partiu.

Agora meu verso é mais brando,
meu coração mais feliz.
Meus poemas mais alegres,
e meus olhos...

Ah meus olhos estão a cantar um samba.
Minha tarde está azul, mas a felicidade não me engana.


- Caio Augusto Leite

Lua

Ninguém mais olha a Lua,
virou entrada de dicionário.
Virou notícia de jornal,
virou a Não-lua.

É minha gente, aquela bola luzindo é a Lua.
Lua raiada de sol.
Acho que o sol ainda é lembrado, ele queima.

Lua pairando, ninguém sabe.
Parece parada, que parece estátua.
A Lua, para muitos, é só mais uma lâmpada na noite.

E ela fica Nova e some.
Temo que esqueçam dela de vez.
Mas de repente ela surge na boca do céu,
clara e alegre num sorriso crescente.

- Caio Augusto Leite

quarta-feira, 14 de março de 2012

Vida em trânsito

Ria pois não tinha lágrimas.
Sentada sozinha num barzinho,
a fumaça espiralada dum cigarro.

Os carros passando tranquilamente...

O gelo nas bebidas,
o beijo dos casais.
Uma partida de futebol na TV.

Os carros se apressam...

O batom no guardanapo.
Alguma cantada barata.

Carros mais rápidos...

O replay de um gol,
a solidão no olhos ébrios.

Rápidos mais carros...

O vento, o vento!
A garoa da madrugada.

Carros caros, carros caros, caros carinhos...

Solidão, peito ardente.
Mão trêmula, a chuva, a chuva!

Carro, carro, carrrrrrrrrro...

Uma curva mal feita,
um corpo em propulsão.

O carro parado e amassado.

E ela ainda sorria,
pois não tinha lágrimas e nem vida.

Polícia, ambulância, bombeiros...

O asfalto agitado foi se acalmando.
Longe a aurora canta suas primeiras notas.

E os carrros passam, passam, passam...

- Caio Augusto Leite

Escalação

1 - Bandeira,
2 - Cecília,
3 - De Andrade,
4 - De Lima,
5 - De Melo Neto,
6 - De Moraes.
7 - Murilo,
8 - Mário,
9 - Olavo,
10 - Cora.
11 - Ferreira

Poema nulo de sentido,
poema seleção-brasileira.
Os craques da bola-palavra.
A boa palavra: coração.

Voem os versos no chute lírico,
rolem na grama e atinjam o gol.
Penetrem nas traves da memória

E que a torcida vibre na mesma rima,
no mesmo tom do amor, na mesma emoção.
Nesse jogo estranho ninguém perde,
pois até o gol do outro vira poesia.


- Caio Augusto Leite

Outras rosas

Ninguém sente o acre cheiro da urina no sol quente,
todos acostumaram-se com o que é podre na terra.

As pulgas, as moscas e as fezes,
todas elas estão limpas.

São cheirosas como rosas,
quando ficam lado a lado com a mente humana.

- Caio Augusto Leite

Quaresmeiras

Invejo as quaresmas
que nascem tantas.
Roxas e unidas.
Lindas flores.

E elas zombam de mim,
eu que ando sozinho
pisando em folhas secas.

Eu e a estrada.
Longa estrada de cinza e fel.
Noite fora, noite em mim.
Não existe ser mais só que eu.

Falta aroma,
falta rosa.
Falta amor,
falta prosa.

... mas logo é Páscoa,
grande coisa.

- Caio Augusto Leite

domingo, 11 de março de 2012

Palíndromo

Ao dormir

Vamos dormir sem pensar em felicidades.
Nem em noites mais alegres,
nem em beijos mais ardentes.

Vamos dormir juntos, unos.
Encontros astrais no plano das estrelas,
mas estrelas alcançáveis.

Vamos dormir e sonhar somente
com sementes reais e com frutos verdadeiros.
Com árvores que vão crescer.

Seguir pela vida longe de imperativos.
Ter só o que puder, sofrer só pelo que há.
Vamos dormir só quando o sono nos levar.

- Caio Augusto Leite

Livre ao vento

Plenas nuvens, pisar em nuvens,
pescar o sol, plantar a luz.
A paz nas coisas mais banais.

A solidão de se entender,
o encontro de se completar.
O amor depois da dor.

A devastação, o refazer.
Tormentas que já passaram.
A ela, a primeira flor da primavera.

A neve derrete, que belo verão.
A alma fofa e cheia de branco.
Renascer e reconstituir a vida.

Depois da luz daquele sol,
o abraço de nenhum Deus.
A crença, a descrença, sobrevivência.

A vida é aqui, grande templo.
Talvez não sobre tempo,
mas queria dizer.

Dizer, só por dizer. A voz.
Matar os duplos sentidos. A coisa em si.
Nascer, evoluir, morrer. A vida é assim.

Sem dogmas, sem maçãs,
sem tábuas, sem véus.
Livre folha ao vento
- matéria vento.

- Caio Augusto Leite

sábado, 10 de março de 2012

Poeminha da fome

Ovos, sardinha,
milho, ervilha.
Tomate, salsinha.
Azeitona preta ou verde.
Pimentão, cebola, azeite.
Especiarias variadas a gosto.
Farinha de milho até dar liga.
Todos juntos num mesmo cuscuz.

- Que fome! - nem todos vão matá-la...

Caio Augusto Leite

Plantem flores!

Jardim, primitiva sociedade.
Lírios, rosas e violetas
convivem na plena diferença da cor.
Na experiência do contato estranho.

Abelhas, borboletas, pássaros:
sabem cada qual o seu lugar.
Formigas, folhas e pólen
a natureza se articula bem.

Parece que faltam jardins no mundo,
pois as pessoas esqueceram
que gerânios, camélias e jasmins,
no fundo das essências, têm um mesmo nome: flor.

- Caio Augusto Leite

sexta-feira, 9 de março de 2012

O colchão

Na esquina de minha casa largaram um colchão

todo furado, espuma caindo, imundo de tudo.

Achei o lixo muito inusitado

e pensei:


Quantos sonhos nasceram naquele colchão?

Quanta noite mal dormida, quanto sexo,

quanto amor e quanta saudade.


Quanta febre,

quanto café de bom dia.

A vida inteira naquelas molas,

que se impregnaram da coisa íntima.


Quem joga fora um colchão,

das duas uma:

ou realizou os sonhos

ou eles viraram bruma.


Ah mas se aquele colchão falasse,

ninguém o teria largado assim

de forma impune, tão sem pudor

na minha esquina.


- Caio Augusto Leite

quinta-feira, 8 de março de 2012

Sou insuportável

De todos os poemas,
os meus são os que menos gosto.
Não gosto de me ler,
antes o poema ruim!

Me ler é como me ouvir,
sussurrando coisas que já sei.
Quero o poema novo, a voz nova.
Quero a lírica que me é estranha.

De todos os poemas,
os meus são os piores.
Pois nunca sei se é poesia
ou se é só vertigem minha.

Antes o mais reles poema,
antes tudo do que eu.
Eu que não me suporto,
só suporto os outros insuportáveis.

Caio Augusto Leite

Encontro casual com o reflexo

Sei que estranha meu novo jeito,
sei que se espanta com meus óculos
e com minha face navalhada de ponteiros.

É o tempo, caro amigo, é o tempo.

Tudo é intuição nesse novo corpo.
Três pés agora: dois caducos
o outro de jatobá rosa.

Mas não tenha medo, eu não tenho.
Acho que perdi a urgência dessa vida,
tudo serena em lago límpido.

Talvez as mãos sejam mais ásperas agora,
mas as palavras e os beijos que aprendi
são mais doces que outrora.

É o tempo, caro amigo, é o tempo.

- Caio Augusto Leite

quarta-feira, 7 de março de 2012

Outra pera

Triste coração de pera,
que se abre e logo oxida.
Fica negro, fica ruim.

O gosto logo perde-se,
o aroma muda e o amor morre.
Esse meu coração quando se abre,
precisa ser logo consumido.

Meu coração de pera,
que se abre em vão.
Logo oxida, doce ilusão.

- Caio Augusto Leite


terça-feira, 6 de março de 2012

Inútil rosa

Quatro direções,
nenhuma para seguir.
Oh rosa-dos-ventos,
você não perfuma
e nem me guia.

Norte, sul,
leste e oeste.
Nada que preste.

Que rosa insonsa,
insolente e desprezível.
Odeio essa rosa inútil,
que nome indevido para ela.

Rosa-dos-ventos:
seu nome deveria ser cacto-ilusão.
Rara planta no deserto, a sua mão parada
indica uma falsa direção.

Não tenho direção!
Oh rosa-cacto-dos-ventos,
seus espinhos me machucam.

E eu sem ter pra onde ir,
sento na beira do caminho.
Sinto o vento e vejo voar uma pétala de rosa...

... a direção certa é aquela que o vento sopra.

- Caio Augusto Leite

segunda-feira, 5 de março de 2012

Negro coração

Pura convicção

Morro aos poucos
e sei disso.
Aceito minha decomposição,
meu coração parando
e o cérebro perdendo células.

Aceito a morte biológica,
totalmente comum.
Que talvez fique algo aqui.
Um verbete, uma lápide,
uma foto amarela na gaveta.

A morte: inevitável destino.
A vida é triste,
o amor é ilusão
e eu só penso em ir embora.

Até iria pra Pasárgada,
mas lá não sou amigo do rei.

- Caio Augusto Leite

domingo, 4 de março de 2012

Esse nosso tempo

Filosofar sobre o tempo,
é perda de tempo.
É perda de filosofia
querer saber do tempo.

O tempo não filosofa,
não há filosofia no tempo.
Todo tempo filosofado,
já passou e datou a filosofia.

Não adianta falar desse tempo,
esse tempo que todos falam.
A filosofia do tempo, é viver o tempo
como se tivéssemos todo o tempo do mundo.

- Caio Augusto Leite

Esconde-esconde

Até cinquenta era o combinado.
Quarenta, quarenta e um...
Todas as crianças sabiam se esconder,
mas eu ficava ali parado e tão aflito.

Eu cresci e não aprendi,
sempre ali desnudo
e todos me vendo.
Que medo do mundo!

Vida de adulto,
o amor judiando.
O vento cortando
eu tão aflito.

... Cinquenta,
Carlinhos tá pego!

- Caio Augusto Leite

É só mais uma construção

Meu castelo de desejos
ergui com a areia da construção.

Essa mesma que agora se ergue e tapa o sol.

Não sei usar palavras,
então desenho na calçada.

Minhas histórias de tijolo e cal.

Minha vida é aqui, junto do chão.
Aprendendo a pisar nas pedras.

Vou calejando o pé com a dor.

A vida me faz forte, me cobrindo de tijolos
como a construção que vai crescendo.

E um dia estaremos prontos:

O prédio sólido vai ficar
e eu em ondas vou partir.

- Caio Augusto Leite

Liberto!

CLIQUE NA IMAGEM PARA AMPLIAR



sábado, 3 de março de 2012

Um bicho

O bicho zumbindo no meu ouvido,
o bicho me picou e sangrou.
O bicho entrou no coração,
oh terrível chaga.

O bicho não quis flor,
não quis bom-bom.
Que bicho difícil de agradar.
O bicho definha meus dias
quando voa e vai embora.

Que bicho mal, que bicho bom.
Tão colorido, tão venenoso.
Bicho em risco de extinção,
bicho lírico: bicho amor.

- Caio Augusto Leite

Outros tempos para a lírica

Um mundo onde os poemas não se escondem
em velhos livros mofados sobre estantes pardas.
Um mundo onde o poema faz o que sempre quis,
fluir como um rio sempre novo e renovado.

Mas o meu Eu,
não sabe se isso é bom:

Aqui, ali, por todo os lares
em todos os lugares.
O verso voa tão alegremente,
que mesmo a mais densa elegia
não consegue ser triste intensamente.

Caio Augusto Leite

sexta-feira, 2 de março de 2012

No jarro

Será mesmo a chuva,
ou o chuveiro do vizinho?
A vida no pleno tédio, tudo cresce
e ganha a importância de uma guerra.

Até acho graça na aranha
que vai caindo lentamente com seu fio
em direção ao jarro d'água.
Fecho os olhos, posso sorrir.

E na minha fantasia um tornado passa,
destelha a casa e me deixa ver estrelas.
Mas quando olho novamente, é só o teto mofado
e a aranha se afogando no grande jarro.

- Caio Augusto Leite

Deslocado

Cheguei em casa tão cansado,
o trânsito, o calor, o estresse moderno.
Nem esperança e nem felicidade.
Mas no chão um brinquedo sem porquê.
Pisei no patinho de borracha,
um barulho de clara infância.
Dei um sorriso de duas faces:
A lembrança da alegria dum lado
e a certeza decadente do outro.

O mundo não é mais como era antes,
que saudade de mim. Não é medo agora.
É o medo do agora. Como será o futuro?
Vivo de perguntas que não tenho respostas,
sei as respostas de perguntas que não existem.
O calor insiste: preciso tomar banho e comprar cigarros...

- Caio Augusto Leite

quinta-feira, 1 de março de 2012

Poeta em crise

É difícil ser sozinho,
quando existe tanta gente perto.
É difícil ser triste,
quando tem tanta alegria voando.

Nem posso mais queixar-me,
não posso reclamar da solidão.
Onde estou sempre há pessoas,
mesmo onde não há - agora há.

Parece que o mundo inteiro entrou em mim.
Pela tela luminosa de um computador,
todos os sorrisos do mundo.
Todas as paisagens.

E eu não consigo ser sozinho.
Pois enquanto escrevo isso,
uma janelinha pisca a me chamar
e rapta toda a tristeza que eu tinha por direito.

Como é difícil sentir a poesia
que se infiltrava em cada ato banal,
em cada maçã vermelha no meu quarto,
em cada minuto do meu dia.

- Caio Augusto Leite