quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Parece bobagem

No vão do lustre,
por vezes caíam insetos.
E enquanto eu ficava escrevendo
o zunido das asas aflitas me incomodava.

Era a vida se acabando na quente lâmpada,
era a luz, que não tinha nada de divina.
Era eu aqui embaixo escrevendo tolices,
enquanto moscas, mosquitos e mariposas torravam.

Talvez isso não tenha a mínima importância,
mas é preciso pensar na vida quando se sabe da morte.
E a gente sabe que basta um descuido para cairmos no vão do lustre
E no zunido de nossa dor, outros poetas escrevem suas tolices.

Caio Augusto Leite

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Invenção da dor

Mas aqui não tem tensão,
só a minha própria luta.
Luta do Eu que se abate,
que na luz da vida se debate.

Podia ter uma guerra,
uma guerrazinha que fosse.
Umas bombas, uns tiros,
tanques, mortes civis.

Às vezes dá na TV,
alguma coisa, algum caso.
Mas é pequeno, não dá poema
não segue o passo.

É que aqui não tem tensão.
Só há a poesia existencial,
que não sabe das feridas
só entende solidão.

- Caio Augusto Leite

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Esta tarde vi chover

Sólida solidão,
que não derrete
e nem vira sol.

Pálida sensação,
de que a vida
virou sal.

Esta tarde vi chover.
A chover tudo de bom.
Tanta coisa por fazer

Grânulos de poesia,
a vida tem sentido.
Pequenos flocos de amor.

Vem a chuva que me salva,
pois são com pequenas gotas
que se desfaz a maior dor.

- Caio Augusto Leite

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Descuidada primavera

Estava irritado, estressado,
mal-humorado como nunca.
Cansado do trabalho, da mulher,dos filhos.

Passou tão apressado,
que nem viu as flores.
As flores rubras do jardim.

Despiu-se, ligou o chuveiro.
Entrou e pisou no sabonete.
Escorregou, bateu a cabeça.

Na água suja, a doce lira.
Boiavam rosas vermelho-sangue.
Desestressou, descansou, morreu.

A brisa agitou as rosas no canteiro.
Logo chegaria alguém, levaria essa paz
com um grito cortante vindo do banheiro.

É preciso parar,
parar pra ver,
parar pra ver as flores.

- Caio Augusto Leite

Minha travessia

Sei que passo por uma fase má,
de transição,
de redenção.

É o momento que largo as roupas pesadas
e visto gotas de chuva.
Que beijo plantas no quintal.

É só a certeza da renovação,
de reinventar tudo que fiz,
de saber olhar o céu.

De ouvir o silêncio mais profundo
das estrelas que já morreram.
De ser feliz, de fazer feliz.

Entender meu lugar no mundo,
puxar meu coringa, fazer minha canastra
e descansar numa cadeira de balanço.

Acho que esse é o momento de crise
que todo mundo passa, que os poetas passam
quando a vida parece não trazer mais nenhuma inspiração.

Mas de repente a chuva cai,
o sol brilha
e eu passo a entender
que fazer versos é só uma questão de colher flores.

- Caio Augusto Leite

Pela alma da casa dela

Olhos, janelas da alma.
Janelas, alma das casas.
Quando olho pela janela,
estou pondo uma alma em outra.

Reúno o particular,
com o todo infido.
Horizonte grande
e eu pequeno.

Tomo consciência de mim
quando abro minhas janelas
e deixo o ar entrar.
Meu puro entendimento.

Tomam consciência de mim
quando boto o nariz pra fora
e deixo meu cabelo voar.
Raro acontecimento.

Vem meu bem, vem olhar a rua.
Sua casa na frente da minha.
Seu olhar na minha direção,
minha alma dentro da sua.

- Caio Augusto Leite

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Por trás dos olhos

Na mais bela bandeja de prata,
as bananas apodrecidas.
Cheia de moscas, cheia de mofo.
O odor já era forte e contaminava o ar.

Na mais linda roupa, a ausência de amor.
Na boca mais vermelha, a carência de beijo.
No corpo mais esbelto, a falta de bondade.
O perfume disfarçava a decomposição avançada.

Era assim, no belo o feio.
E no feio a certeza.
De que nem tudo que se vê,
é o que se deseja.

- Caio Augusto Leite

Tua espera

Trago um pedaço de lua
envolvida em seda negra.
Pra pendurar no teu telhado.

Trago estrelas num pote,
e vou jogar aos teus pés.
O nosso teto não tem zinco.

Vou ficar esperando sua chegada,
como quem espera a luz
que a chuva apagou.

Mas um dia a porta abre
as estrelas giram e a lua ri.
E enfim a noite perde o tédio.

Qual solidão se atreverá?
Nenhuma, pois o nosso amor é frondoso,
e aconchegante como um cear a luz de velas.

- Caio Augusto Leite

Novas asas

Cortaram as asas da felicidade,
caiu coitada, ficou tristinha.
Felicidade áptera, a luz não capta.

Flores murchas,
o vento frio.
A lama encharcada
os pés com barro.

Felicidade virou lagarta,
caída nesse chão áspero.
Um dia tece novo casulo
e se refaz as asas.

E voará o sorriso,
não sei quanto irá durar.
Mas se a felicidade cair de novo,
eu espero novas asas pra poder cantar.

- Caio Augusto Leite

Sobre como nasce o Amor

Do mais alto penhasco,
a mais alta árvore,
o mais alto fruto
quase maduro.

Um dia os ventos do norte,
ventos fortes, derrubaram o fruto.
O fruto sagrado do amor
foi caindo e caindo.

A cada instante mais velocidade,
mais força, mais atrito com o ar.
Caía e se desfazia em luz.

O fruto virou estrela cadente,
amor em estado bruto, mínima partícula.
A fagulha do fruto baqueou a terra
e da terra seca e morta a luz brilhou.

E a vida obteve seu sentido mais primário.
Um novo caminho, uma nova sazão.
Era o fruto do futuro, o seu amor em mim.
Como se cada amar, fosse um novo dia da criação.

- Caio Augusto Leite

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Grande desastre

Já não tinha nada de humano.
Era só um corpo laminado.
Era só um corpo iluminado
pelas últimas luzes da noite.

Sem cor, sem sexo, sem nada.
Um corpo de prata e dor.
O corpo podia ser eu ou você,
mas naquele momento era ninguém.

- Caio Augusto Leite

Hipótese

Não tem segredo, tem trabalho.
As coisas não acontecem
elas são feitas.

O velho artesão revelou-me:
- Não adianta tentar o fácil,
nem o amor nasceu pronto.

- E como o senhor sabe?
Perguntei e disse-me:
- Pois eu mesmo o fiz para ela.

- Ela quem? - franzi o cenho.
- Fiz para ela e basta.
Amor não tem nome, tem pronome.

- Por certo então o senhor bem velho.
- E porque diz isso?
- Pois criou o amor, isso é antigo demais.

O senhor sorriu-me tão sereno:
- Não jovem, não sou tão velho.
É que cada um deve criar seu próprio amor.

Abri a carteira, tirei a foto dela.
Entendi o amor. Só faltava por no mundo:
nesse instante ele era perfeito, era idéia platônica.

- Caio Augusto Leite

Coma-me

Tua pele em mim resvala
mas minha escrita para...
Já não consigo mais falar
de amor como antes.

Parece que tudo trava,
só quero ficar livre.
Livre de ser poeta
de um tema só.

Quero que me coma em camadas
de amor, de guerra
e de humor sardônico.

- Caio Augusto Leite

Nada de elegia

Estou feliz, meu poema prova.
Nada de tristeza no meu peito,
só ando naquelas brancas nuvens.
Brancas nuvens de amor e de festa.

Sei que amanhã poderá a mim
tristeza negra fazer visita.
Não me aborreço e jamais tremo,
sei dos riscos que a vida implica.

Rego os bons momentos com açúcar,
com beijos de afeto sem limites
e abraços perfumados de almíscar.

Na colcha das grandes elegias
eu costuro estrelas de brandura.
Condenso os males, só resta chuva.

- Caio Augusto Leite

Amor rosa pura

Meu amor, rosa pura.
Infinto rubor na face
em pétalas jovens.
As tuas tãos maduras.

Perfumes,
aroma das deidades.
Rompidos pelo vão
das indistintas mocidades.

Se vermelha a minha flor,
a tua já vacila, desbotada.
A minha anda forte
a tua caducada.

Mas vivas estão as rosas.
Que me vale saber
se são do verão anterior?
Não é passada sua hora.

Então calem-se violetas,
roxas de inveja.
Juntos estaremos.
Mudas fiquem as vozes da floresta.

- Caio Augusto Leite

Só de rosas

Não, não quer mais meu coração
versar a crise alheia.
Não, não quero mais chorar
a dor do irmão.

Não hoje.

Não, não vou gritar liberdade
enquanto meu peito está cativo.
Não vou falar de paz
enquanto minha paz, perigo aflito.

Não, eu não posso falar de alegria
se minhas mãos tremem de medo.
Nem de coragem quando meus
atos tão covardes não me salvam da morte-cedo.

Eu não quero falar, não quero.
Não me obriguem. Eu não quero falar
de dinheiro, roubos, assassinos.
Deixe-me em repouso.

No solícito repouso que me trava,
que impede que eu me rasgue em versos.
Na mais importante pausa que inicio.
Por hoje só as rosas serão minha poesia.

Pois as rosas como são,
são como eu.
Existem pela maneira
E cheiram sem porquê.

- Caio Augusto Leite

Tecido

Nessas palavras então me visto
e invento o que não vivo.
Vocês com sede me bebem
e me entendem e se encontram.

Nos versos que teço, custosamente,
minhas mãos encontram as suas.
E no abismo que antes separava-nos
uma ponte em fios de ouro se entrama.

Num abraço, num embaraço, num cordão
de carnaval nos refazemos.
A pura lágrima caindo em folha antiga
borda-me ao pano-poesia:eternidade.

- Caio Augusto Leite

Amo-te

Percebo e minto. Só assim te alcanço.
Se é por bricadeira não faz mal, te amo.

- Caio Augusto Leite

Irrevogável

Sei ser feliz, pois te amo.
E os versos que a ti faço,
são puros floreios de acalanto.

Se sou poeta agora
é por culpa sua,
e de seu sorriso.

Se hoje estou amando
são seus olhos que reclamo.
São tuas mãos que ainda espero.

Nas grandes poesias te encontro.
Nos raros momentos te preservo.
Em solidão te aguardo.

E não haverá saudade
mais suave em mim.
Perdoe, mas amo-te irrevogavelmente.

- Caio Augusto Leite

Sino de algum lugar

Naquela igreja onde os pombos dormem
o sino ressoa como há séculos.
Desde que confeccionado foi
pelo fazedor de sinos.

Desde então invoca o barulho
que me desperta e deixa-me alerta.
Que me deixa aflito para a vida.

Todos os dias, religiosamente,
ele sacode as estruturas paroquiais.
Mas por quanto ainda ficará ileso
ao moderno mundo que tanto já calou?

Em volta dele, já viu o sino tudo mudar.
Se foram sítios, símios e amantes.
Se foi chegando devagar todo metal,
que não é de sino.

Mas parece ser sua sina
continuar seu dobre grave.
Outros tantos já se foram,
mas o sino, amigo antigo, aqui ficou.

- Caio Augusto Leite

Cerzindo

Apesar do ontem tão infeliz,
hoje alegrias pequeninas.
De tristezas quem sabe um dia?

Em nenhum momento sofrerei
por uma dor que já se foi.
E nenhum riso demente dou
por alegria que já estou sem.

Se feliz fico, fico agora e se durar.
Se o contrário me aflora a carne,
às vezes choro mas me conformo.

E vivo, pois só assim entendo vida.
Sem doer o azul de mil saudades
nem o vermelho de amores idos.

Fazer da loura cabeleira,
que do sol em luz se agita,
minha capa leve e fina.
Já nu de todos, cerzir a trilha.

- Caio Augusto Leite

Recriação

Veio a luz inútil,
que num átimo de milagre,
tentou reverter a morte
que se abateu no cadáver solto no espaço.

Como uma aurora divina
caindo das próprias mãos de Deus
a fecundar a carne podre em existir.

E o santo ser arranha, agarra.
Rompe o hímen da eternidade com um flácido órgão,
ejaculando amor ao redor da caveira silenciosa.

Nascia então um campo de lírios,
de narcisos e de rosas imaculadas
invertendo toda a sensação de ir.

E das próprias entranhas de uma carne fétida
renasciam os seios leitosos que desmanchariam
em novos rios, em outras pedras, em sal.

Num ciclo celeste intrínseco da terra,
que precisa de antigas virgens
para repovoar o manto da mãe Gaia.

- Caio Augusto Leite

Pedaço de mundo

Minha janela tão quadrada.
Uma tela, uma paisagem
com cortina emoludurada.

Mas se por um acaso
algo cruza esse quadro,
o repouso vira filme.

Por alguns instantes
a tela ganha vida
e movimentos simples.

Mas o algo passa,
e tudo fica imóvel,
tudo vira tela.

Ai, minha vida é só um quadro.
Não existe movimento e nem ação.
O meu mundo é um fragmento de janela.

- Caio Augusto Leite

Será que deu poema?

O que escrever?
Esse é o momento de tensão,
que vai definir todo o rumo
do poema que talvez irá nascer.

Pode ser que tudo se resolva,
pode ser que não dê em nada.
Quantos poemas morreram
na desilusão da falta de papel
para suprir a epifania rara.

Já perdi muito poema por aí,
mas creio que essa energia
não se foi simplesmente.

Pois mesmo o poema que não escrevi,
ainda assim virou poesia.
Virou vento, virou mar, virou lágrima.

Quem disse que poesia é verso sobre folha?
Poesia é o pássaro da aurora.
Ela gosta é de voar.

O que fica no papel é só um rascunho,
das belezas que existem no planeta.
Mas a poesia em sua plenitude
só o coração feliz sustenta.

- Caio Augusto Leite

Nossa mãe

Antes da manhã chegar
cobriu o corpo do filho mais velho.
Beijou a face do mais novo.
Acariciou os cabelos do outro.

Acendeu as luzes da cozinha.
Preparava um café,
quando ouviu passos no corredor.

O pequeno entrara descalço,
arrastando um ursinho na mão
e uma cara chorosa.

- Tive sonho ruim, mamãe.

A senhora abriu-lhe os braços.
Ninou-o, encheu de afeto.
Espantou lembrança ruim.
O menino quase adormecia
quando proferiu:

- Te amo mamã.

Um sorriso infinito
espalhou-se na face abatida da mulher.
Todo vazio existencial evaporou-se
como a água que fervia na chaleira para o café.

Colocou o filhinho no berço.
Fechou os olhos por um instante,
tomou seu café.

Trocou de roupa
e saiu para trabalhar,
e tudo fazia sentido.
De repente viver não
tinha mais mistério.

- Caio Augusto Leite

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Diz o povo

A vida é matar um dia por leão,
é ser a pedra dura que resiste
quando a água mole bate.
É o bem resultado dos males que vêm.

É ser os dois pássaros que fogem da mão.
Da mão que outro já aprisionou.
A vida é um perigo pardo,
como todos os gatos à noite.

- Caio Augusto Leite

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Ê Brasil

Na tradição popular,
o ano agora começa.
Parece piada, parece anarquia.

Mas é só o Brasil,
tudo é verde e amarelo.
Tudo é lindo, sorria.

- Caio Augusto Leite

O bailarino

O relógio parece que dança,
dança balé, qual é a dele?
Qual é?

Não brinca assim relógio,
não fica parado num meio salto.
Anda querido, anda meu bem.

Se os ponteiros não se encontram,
eu também não posso te rever.
Vai relógio, anuncia o meio-dia.

O relógio parece que baila,
já passa das três. E nada.
O amor parece que falha.

Na dança do relógio,
meu peito vai doendo.
No rodopio do ponteiro
eu me entrego ao desalento.

Chega de dança relógio,
chega de sambar em mim.
Já é hora de dormir,
o amor não veio, nem vai vir.

E a dança continua,
pra lá, pra cá.
Tic-tac, ti-tac.
O relógio vive de dançar.

- Caio Augusto Leite

Foi no carnaval

Meu amor, já é quarta.
E tudo virou cinzas.
Amor de carnaval,
já sambou, já cantou.

Varre os confetes da avenida,
esquece as marchinhas
e deixa queimar nossas lembranças.

É assim mesmo, a felicidade do amor
é tão grande e tão efêmera
quanto um véu de serpentina.

- Caio Augusto Leite

Expectativa de primavera

Vai acabando o verão,
que tristeza vem ao peito.
O céu,
a grama
e as libélulas não respondem.

As pessoas ficam azuladas.
As nuvens tecem longo bordado,
as estrelas não sorriem,
o outono vem chegando.

Ah, o vento repousa.
O ar tão seco, o sol tão fraco.
Mas um dia teus olhos voltam,
e nem me importam as sazões.

No corpo tremores fortes.
E mesmo que seja inverno,
na minha varanda nascerá
grandes flores miosótis.

- Caio Augusto Leite

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Nascimento poético

Meu poema nasce de tensões.
Pulsões: de vida e morte.
Meu poema nasce do conflito
do aflito e do espírito.

Meu poema nasce dum sonho,
dum grito,
dum silêncio
e do choro.

As linhas emergem da minha palma
e enegrecendo folhas em branco
vão se entrelaçando e se configurando
poemas das estrelas e das estradas.

Meu poema nasce do cochilo
ou do instante efêmero
em que a lagarta sai do casulo
em borboleta viva. Viva!

- Caio Augusto Leite

Balas cadentes

Dias calvos, noites cegas.
Estrelas famintas de luz.
Devoradoras de si,
porque precisam sobreviver
à seleção natural dos astros.

Sol sem tom, lua pálida.
Crianças caindo em barrancos,
em córregos, da escada.
Crianças caindo na vida,
pois já são órfãs
e precisam viver além de um lar.

Boca amarga, unhas cobertas de terra.
Tiros voando sem rumo, como eu.
Porque precisamos encontrar novos alvos,
para ferir, para matar,
para podermos sermos fruto da existência.
Balas em voo homicida,
perfurando pedra, árvore, carne.

Caindo como estrelas nas crianças doentes e sem futuro.
Como cometas, balas cadentes a dilacerar
a verdade inútil da paz.

- Caio Augusto Leite

A moça

Andavas na meia-luz
perdida em avenidas
que te engoliam
pros arcos sem saída.

Pelo bonde te via
sem rosto ou nome.
Garota em brisa forma,
tão macia e esquecida.

Corria agora tão aflita,
pela praia em nuas vestes.
Seria uma sereia
estando assim despida?

Não vi como sumiu,
mas as vagas lhe sugaram
pro abismo tão distante.
Pro céu então subiu.

Um luto se tingia,
no ar de véu anil
Então lacrimejava
de saudade e de frio.

Eu virei canção.
A moça bela virou mar.
O que sinto agora dor,
o que outrora foi amar.

- Caio Augusto Leite

Dor plena

Eu que nasci das flores azuis
antes do romper da primavera.
Caminhei tanto pelas pedras
machuquei tanto meu coração.

Não, não seja a morte meu alento.
Não seja o adeus um desperdício.
Antes do morrer da noite.
Morria e noite se tornava.

Mas onde feriu não foi o corpo
e nem só um a bala matou.
A bala torna-se comunitária
na dor em sustento e consolo.

Antes do romper do sol,
antes de chegar.
Tudo se fora numa fria noite,
noite de outono.

E eu que vim das rosas,
lanço meu aroma por entre a dor cortante.
E jogo meus espinhos
para que firam os pés dos sem coração.

Fica aqui essa poesia parada no tempo.
Para que não esqueçam de mim,
e nem da morte brutal
que se espelha nas vidraças da cidade.

- Caio Augusto Leite

Quando vi uma borboleta

Uma borboleta refletiu-se no vidro sujo,
me espantei com a vida perene que se espelhava mundo afora.
No Sol que brincava nas asas de seda do inseto,
na intensa urgência de buscar a continuidade.
A vida era para mim um sentido completo,
naquele momento de espanto entendi.

Ao longe crianças brincavam de viver.

Assim foi meu esclarecimento
ao reconhecer a sinceridade das coisas.
Da vida no seu curso mais que natural
como uma lagarta que espera o espanto
para o renascimento nas asas tão azuis.

Como o poeta que se espanta
na mais simples poesia do dia.
E renasce para dentro como uma criança
ao entender como se fazer vida.
Como ser poeta.

Ao longe as crianças faziam poesia - brincando de fazer.

- Caio Augusto Leite

As vagas

Flutuam estrelas
as vagas choram.
Me invade o medo,
as noites ébrias

A cor é longe,
o mar é frio.
Me invade a dor
são dias gris.

Eu sou a noite,
ao meio-dia.
Me invade o sono,
as tardes mornas.

Me invade estrelas
eu choro vagas.
Me invade a luz,
não sou mais nada.

- Caio Augusto Leite

Morte na casa grande

Sinto cheiro de chuva e mais uma vez sozinho escuto incessante os pingos que ricocheteiam na vidraça. A lareira me assusta com tua boca de flamas mal aconchegadas. Os relógios continuam o tic-tac invariável, a floresta se fecha e inunda, a lâmpada pisca fracamente ao lampejo que risca o ar. Levanto-me, abro a gaveta e preparo, já na ânsia da escuridão, uma vela e um isqueiro, nada mais que parafina e óleo em combustão. De repente como que já com sobreaviso o breu me invade. Giro o isqueiro e da faísca produzida leve chama atravessa o pavio, trazendo, mesmo que curta, uma luz de esperança para meus joelhos fracos.
Caminho até a poltrona de outrora, me sento e percebo as pequenas gotas fixadas no vidro sujo. Elas que pareciam tão firmes, não mais que um sopro, vindo da própria existência as enxugam e desaparecem para o esquecimento. Outro luzir de raios, as mãos fraquejam enquanto seguro a vela, o grito do Titã me arrepia e arrepia toda a moradia. Ouço passos pelo corredor, me ilumina a face um sorriso de incerteza. Vou até a porta e devagar, como se precisasse demorar uma vida para me decidir, empurrei-a baixinho.
Mas o que minhas vistas cansadas viram não foram as coloridas saias, nem as blusas e nem o batom, foi apenas o vulto sereno da morte. E com uma mão metálica, que só eu sentia, meu peito foi ficando cada vez mais apertado, meu corpo desfaleceu triste na queda, enquanto a vela e sua fina chama, rodopiaram numa dança ritmada, lenta e final. O tapete mofado ganhou tons de Estrela Mor e o fogo foi trilhando um caminho lento até a porta. Ao longe pela claridade alguém pense ,talvez, nas fogueiras de São João, nas cantigas e na quadrilha. E nem mesmo a tempestade ,naquela hora, ousou tocar nas labaredas. E amanhã, ou talvez nunca, encontrarão apenas um isqueiro chamuscado em meio a um mar de massa gris.

- Caio Augusto Leite (2009)

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Sentimento cromático

No guarda-roupa, só velhas roupas:
azuis, verdes, púrpuras.
São o sinal do tempo em meu peito,
aqui faz frio e não tenho cachecol.

Mas sei que um dia, no verão astral,
terei novas roupas:
vermelhas, laranjas, amarelas.
E teu beijo queimará carmim meu roxo lábio.

Seremos um corpo com duas mentes.
Chega de azul, chega de frio
Amor na tela, só cores quentes.

- Caio Augusto Leite

Se acaso chovesse

O sábado quando chove se completa.
É só no tédio do fim de semana
que cai a água como seresta.
A cidade inunda, vejo tudo da janela.

Somam-se gotas na vidraça em pó,
lava a vida e a natureza.
Mas não choveu e tudo ficou nessa,
na janela a caliça fina e na alma um nó que grita.

- Caio Augusto Leite

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Crise de identidade

Talvez eu seja um poço,
ou quem sabe raso.
Talvez eu seja o nascer do sol,
ou quem sabe seu ocaso.

Quem me vê, não me vê.
Pois essa imagem de carne,
envolvida de pele e pelos,
é só um arremedo do meu ser.

Talvez eu seja cor,
talvez eu seja luz.
Só sei o que não sou,
não sou seu, ou sou?

Não tomo partido, sou meio partido.
Não levo estandarte, nem gosto de mar.
Mas às vezes me banho no sal e mudo.
Meu caminho é ser avesso ao rótulo que me rotular.

- Caio Augusto Leite

Poema do amor fracassado

É que meu amor é oito, oitenta.
Não fica no meio fio,
ou fica inteiro ou arrebenta.

Do grande amor fica a vontade
camuflada de desdém,
no peito só saudade.

Nem te reconheço mais,
nem sei o gosto do beijo
e nem o sabor que te apraz.

Foi descuido, fui relapso.
E o que fica é a tristeza
quando o amor vira passado.

Não chora, não lamenta.
Meu amor é assim mesmo,
ou fica inteiro ou arrebenta.

- Caio Augusto Leite

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Na última sessão

O amor dentro de um retângulo,
grande projeção de sonhos.
Todas as guerras, músicas,
lendas e comédias.

O escuro de uma sala grande,
tantas pessoas, não tenho a mão amada.
E se choro no fim de tudo
é por causa da minha vida vazia.

Quem dera fosse tudo luz,
tudo lindo,
tudo feliz
como o final de uma romântica película.

- Caio Augusto Leite

Desesperança

O que você faz, alguém faz melhor.
Quem você quer, já tem um amor.
O que você pensa não vale nada,
a sua noite não é estrelada.

Já não preciso dar opinião,
eu de nada sei.
Não preciso sair de casa,
ninguém encontrarei.

As ruas não têm flores,
os olhos não têm cores.
A lua não fica cheia
a coragem sempre freia.

Até a rima se faz pobre,
nada linda, nada nobre.
Até a imaginação é fugaz,
logo morre, na sombra jaz.

- Caio Augusto Leite

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Já foi

É essa distância que mata.
A distância enorme que existe
entre o é e o foi.

Pois se é, ainda existe.
Quando é foi, pois já se foi.
Nada é pra sempre.

E agora é.
Mas é só piscar,
que já foi.

Se foi, não é?

- Caio Augusto Leite

Mais que um

Uma gota não lava,
mas tantas gotas
já é chuva e cai.

Um dedo não diz tchau,
mas a mão inteira
diz adeus e vai.

Uma letra diz tão pouco,
mas amarradas viram texto.
Viram poesia e lê.

Uma pessoa não muda o mundo,
mas ele não muda sem a pessoa.
Que tenta, que faz e crê.

- Caio Augusto Leite

Descomplicada


O sol quedava no horizonte e no lado oposto do firmamento a noite já tecia sua longa túnica negra. Pontilhados de estrelas pipocavam no céu grande e aberto, livre da poluição urbana. Pessoas festejavam, rodavam, cantavam. A felicidade era antitética uma vez que o motivo de tal comemoração era o enterro de um ente querido. Mas faziam festa, para que o corpo descansasse e a alma pudesse encontrar o destino celestial que as pessoas ali acreditavam. Os animais também participavam, cães ladravam, aves piavam, lagartos passavam de um lado para outro com pressa. Era a plena consumação de um ritual de passagem. Quem via tal rito de longe, não entendia o motivo de tanta cantoria. Em outros locais só haveria o choro e o luto, como uma grande falsidade pelas pessoas que mentiam seu bem-querer para a pessoa que ao morrer instantaneamente se tornava uma espécie de ser sagrado e livre de erros terrenos.
Mas ali naquele perdido de mundo a felicidade se acentuava a cada instante que a noite avançava. A lua já pairava resoluta e rubra no breu, era uma joia flutuante no centro do universo em expansão. Risos, gritos, uma fogueira crepitante. Rodavam e cantavam com mais intensidade. Talvez o motivo da festança já tivesse evaporado e sumido junto da fumaça da grande fogueira, talvez a morte não desse tanto medo assim nessas pessoas. O que se sabe é que a vida sobressaía, por entre crânios apodrecendo sob a terra e aves de arribação pairando os céus na procura de algum cadáver descuidado, a vida persistia. No tempo e no vento a voz de quem ainda vive e sorri. Na terra paralisada a morte quase esquecida. A noite acabava e o corpo envolto no solo maternal começava a esfriar – era hora de entrar e descansar o corpo, cessou a cantoria. Para toda essa gente ficava a doida vida e nenhuma preocupação com o que virá. Como é indecifrável os motivos da vida, como é pequena a certeza da morte.


- Caio Augusto Leite

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

As moscas

Na ponta do meu dedo indicador
pousou uma borboleta.
Ficou um pouco e foi-se embora
para a flor que a alimenta.

Em meu ouvido pousou uma mosca varejeira.
No oco quente botou ovos
e antes que pudesse espantá-la
voou para onde só Deus queira.

Depois de um tempo a ferida,
não sabia, não queria imaginar.
Não tratava, só deixava ir criando,
um dia prontas irão voar.

Um dia as moscas nasceram e voaram.
Aquela borboleta nunca mais vi,
fui só um pouso sem propósito.

Por isso agora prefiro as moscas,
que pousam e dão frutos.
Achei na vida alguma utilidade.

- Caio Augusto Leite

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Catarse

Um choque de consciência,
perceber no sonho a realidade
Entender a vida por um momento.
e na loucura beber a sanidade.

Se proteger de qualquer forma,
afiar flores no quintal.
Trazer no coração o brio das feras,
no beijo o bem e no olhar o mal.

Quebrar o quadrado que te encerra,
esquecer as curvas da estrada.
Soltar as aves cativas em teu peito.
Querer bem, mas não prender-se a nada.

Do amarelo sol, vem a noite negra.
Do sorriso, vem a dor.
É preciso passar pelo breu
para se iluminar do grande amor.

- Caio Augusto Leite

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Chove a cântaros

Chove a cântaros,
pássaros cantam
mas não se ouvem
só se sabem.

A chuva é uma certeza,
a renovação por ciclos.
Se a água se refaz
nós também podemos.

Nós, mais de setenta por cento água.
Vamos nos renovando e vivendo.
Chovendo novas coisas, novas artes.
Chovendo e levando as coisas vãs.

Chovo a cântaros.
Novos poemas farei.
Novos amores.
Novos cantos, chovo.

- Caio Augusto Leite

Sentimento de partida

Talvez seja essa a derradeira primavera.
Acendam velas e façam festa.
Cantem, bebam, brilhem as estrelas.

Pode ser essa minha última aurora.
Mas que bastarda glória,
será que virá amanhã?

A dura pedra em lápide,
a terra fria, a dor em haste.
Pode ser minha última tarde.

Quem sabe o coração rebenta,
de amor não aguenta e sai de cena.
Quem sabe passo dos cem.

Que minha última noite seja como a primeira.
Um lindo domingo de outono. Todos felizes.
Que a morte é nascimento, ficarei bem.

- Caio Augusto Leite

Pode chover

As chuvas sempre caem mais do que o previsto.
Será que o mundo está acabando
ou são as pessoas que estão esperando pouco?

Os outros eu não sei, mas eu espero muito.
Muito do que quero, sei que nunca terei.
Esperar demais e sofrer com esse sentimento.

Que posso fazer se eu quero muita chuva,
se ninguém mais quer amar, amarei todo o amor.
Vai molhar, vai melhorar, paz em larga escala.

Pode inundar, é tudo que meu coração almeja.
Se chove em meu peito, felicidade vai rompendo.
Brota flor, brota beijo - seu sorriso é meu esteio.

- Caio Augusto Leite

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Me veio a fossa

Me veio a fossa,
não me envergonho.
Não importa a moda,
a tristeza sempre em voga.

Amar é bem atual,
querer ser feliz.
Sofrer é um risco,
chorar é casual.

Me veio a fossa,
não vou negar.
Fecho a cara,
fecho a porta.

Mas amanhã vem o sol,
a luz que é nossa.
Vem o sorriso, vem o beijo.
Vem o azul, vem a bossa.

- Caio Augusto Leite

Apenas uma nuvem

Chuva, chuviscante.
Sinfonia natural
de sete cores
arco delirante.

Aguaceira no chão,
transborda a fonte.
Terra molhada
doce sensação.

Meu olhar calejado de dor
se faz feliz na chuva
que é vida, que é linda,
é mar horizontal, é minha.

Chia, chuvisca, chora que nem chuveiro.
Já vai passando a chuva, pois é verão.
Mas a beleza vive e o beijo úmido me faz,
por um momento, crer na criação.

- Caio Augusto Leite