terça-feira, 31 de julho de 2012

Tristezas do primeiro amor


Não sabia que doía amar,
não o amor em sua plena ação,
mas o amor distante, quando falta,
quando semeia saudades e lágrimas
dentro do coração.

Eu te digo adeus com os olhos de ficar,
eu te abraço e te beijo com a certeza de voltar.
Te buscar no mais remoto lugarejo,
perceber tua aflição,
acabar com essa mágoa
que a distância causa.

As coisas são assim, meu bem,
o amor nasceu para doer.
E dói e marca e fere mais,
quanto mais tempo fico sem te ver.

Tempo... palavra que não temos
e sempre sozinhos dentro dos nossos compromissos
vamos deixando o amor morrer...

Não deixe! Não deixo!
Me queixo, me rasgo, me mato,
mas não desisto de um amor,
mesmo que doa ou sangre...
Quarta é dia de ver-te
é dia de luz, dia de flor!

- Caio Augusto Leite

sábado, 28 de julho de 2012

Cultivar


Flores, flores, flores
o que seria da gente sem vocês?
De nós que vivemos de amores,
mas cheios de dores.

Que pretendemos a felicidade
no laço de afeto,
nos braços, no calos,
em todos os momentos.

Dos teus aromas precisamos,
das tuas cores vivas,
das tuas pétalas, da tua seda,
da tua virtuosa imagem romancista.

Necessário símbolo de comprovação,
testamento do bem-querer.
Inviolável documento,
durará até murchar.

Até que outras venham
e outras e tantas.
E jardins de tantas,
tantas quantas puder carregar...

...mas também plantar,
dentro do peito,
a impossível flor.

Rosa de Vênus.
Cardo nos dedos.
De contradições
e medos:
Amor

- Caio Augusto Leite

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Mais uma teoria impraticável


Já não há paz possível,
já não há o possível,
por isso não venham comigo.

Não pisem no asfalto, já é intangível.
Não alarguem o túnel do tempo, já é passado.
Nem tentem alcançar o que está por detrás
da densa névoa do sonho, é a decepção.

Não esperem a esperança,
não se enganem com anúncios,
não vistam a camisa e nem ergam a bandeira
de promessas que já faliram.

Dispersem-se pelo mundo,
percam-se, esqueçam-se.
E quem sabe nesse novo horizonte,
de nós sem nós, o impossível
- único possível -
faça surgir a paz que nunca encontrei.

- Caio Augusto Leite

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Quem é você?


Como é triste, alegre e dispendioso te amar.
Assim que o dia nasce te procuro,
te busco em cada luz ínfima que reluz
como se pudesse dar notícias de você.

Mas onde está você?
É preciso te achar,
antes de ter,
é preciso te conquistar
de novo e de novo.

Como é infeliz esse amor distante,
um instante e você me aparece:
miragem ou milagre?

Quem é você que destruiu as paredes tão robustas
que eu havia construído ao redor de mim?
Quem é você que desaparece no fim do dia
só pra aumentar o meu amor?

Se não é você o grande desejo
e nem o perfeito carinho.
Meu Deus, se não é o motivo dos meus versos,
então quem é você?

- Caio Augusto Leite

Análise


O poema apresenta sete versos
em redondilha maior.
Começa com um verbo no pretérito
e termina com uma indagação.
A terceira palavra de cada verso
é um substantivo relativo ao mar.
Talvez fale de ondas, talvez de amor,
pode ser misticismo ou violência urbana.
Parece que é só lugar comum,
ou seria a paz que já não há?
Paz que é lugar nenhum.

- O poema é sobre a efemeridade da vida,
disse o professor frustrando a sala.

Ainda acho que é de amor.
Quintana disse: "Todos os poemas são de amor!"

- Caio Augusto Leite

quarta-feira, 25 de julho de 2012

O plano


O plano era amor,
mas virou cachaça,
saudade, suor e dor.

O dia que era pra ser de sol, choveu.
O passeio no parque foi adiado,
os teus afagos, censurados
e tua boca não cantou beijos, flores, nem cantigas salivadas.

O plano era pleno,
quase certo, infalível.
Plano de coração é pano fino
que qualquer força rasga e finda.

A noite era de pizza,
mas virou de pilha,
pilha nos nervos,
vasos quebrados, dedos sangrentos.

O plano era meu,
era seu, era de ninguém saber.
Era de nós, nós desfeitos a sós.

A volta seria um banhar de estrelas,
um abraço apertado, uma saudade miúda
que cresceria e que só morreria
no próximo plano.

Mas o que era pra ser novas recordações
ficou guardado nos porões do inacontecido
onde torres não caíram, onde Elis venceu janeiro.

- Caio Augusto Leite

Momento triste


A tristeza andava diluída
dentro d'alma, em água.
Líquida tristeza boiando
pelos caminhos do corpo,
quase um sangue, fluida tristeza
levando vida pelas veias,
até o pé, até o lá, até a mão.

Mas que confusão, que destempero.
Seu adeus, seu nunca mais,
meu desespero.
Empedrou, calcificou, concentrou
a tristeza em pedras de amargar.

Virou úlcera, virou cálculo, virou câncer,
virou blocos de tristeza, sem carnaval.
Um pouco aqui, outro acolá, cada  pedrinha
perdida minando o organismo que já te perdeu
e por isso mesmo não tenta nem lutar.

Não chora por morrer,
nem tem o que deixar.
Tristeza é lugar nenhum,
tristeza é qualquer lugar.

- Caio Augusto Leite

Descostura


Acabei não indo,
acabei ficando,
o amor pela janela
a cortina desfiando.

Mania que tenho, quando aflito.
Romper as tramas do tecido,
enrolar no dedo a linha,
prender o sangue,
vencer a dor.

Imediata dor que surge
quando percebo que a saudade
já é maior que a capacidade
de me manter distante.

Vi passar pela rua
e estava tão linda.
Tão cheia de flor,
tão cheia de lua.

Onde ia assim vestida de renda?
Pra que outro inocente contaria história,
amarraria o peito e depois sem motivo
daria adeus, diria Deus: perdoa a Madalena,
ela não tem culpa de não amar quem a deseja.

Acabei não indo,
acabei ficando,
você passou tão ligeira,
que desfiei a cortina inteira.

E agora, todos que andam pela rua
conseguem ver meu rosto abatido,
cheio de marcas, de olheiras,
através da nudez do vidro.

- Caio Augusto Leite

Tu estavas chorando


Meu amor quando chora
ensopa a capa do dia.
Deixa no ar uma nuvem
de adeus, de distância, de nostalgia.

Turva as vidraças dos apartamentos,
desorienta girassóis,
desmorona barrancos,
cala o bem-te-vi.

Fere o meu sorriso,
fecha meu abraço,
suspende meu poema,
atrasa meu coração.

Que já não sente,
que já não corre,
que não tem mais tempo
de olhar o mundo.

Tudo fica embolorado,
emboladas na garganta
as palavras não conseguem consolar.

Tudo é eclipse, apocalipse, elipse.
Não falem nada nessa hora,
toda dor está contida
no meu amor que chora.

- Caio Augusto Leite

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Quarta

Andando pelas calçadas sujas,
pasta debaixo do braço,
coluna ereta, olhos determinados.
Guardo no bolso do peito
um pequeno papel com o teu nome.

E como todos os dias que teimam em nascer,
nasce também a dupla face da vida:
de um lado o milagre, do outro o desastre.

E são nesses dias de estranha calmaria
que a coisa acontece.
É o silêncio do destino
tecendo suas perigosas linhas,
planejando sudários, cobrindo o sol de luto.

Sigo sem saber do futuro.
Daí, projétil alheio rasga minha carne,
rasga o papel, rasga você.

E manchado de vermelho eu vou indo com a tarde,
deixando no teu peito um buraco maior
do que aquele que está no meu agora.

Tudo isso porque eu te colhi no meio do jardim,
senti teu aroma e cuidei das tuas folhas.
Porque eu plantei teu nome dentro de mim,
porque você me ensinou o segredo da primavera.
Porque a gente se amava.

Mas era quarta-feira,
os prédios não tinham sentimentos
e as pessoas estavam edificadas.

A menina regava a rosa seca,
o peixe-dourado morto no aquário,
o sangue nos bueiros
e ninguém se espantava com isso.

- Caio Augusto Leite

domingo, 22 de julho de 2012

Permanência


Algo foi esquecido sobre a mesa,
entre o café frio e o cigarro apagado,
perto do pão, longe da manteiga.

Algo foi esquecido no banheiro,
por cima do sabonete, na escova,
na toalha, na pasta de dente.

Algo foi esquecido na sala,
no tapete, no sofá,
nos quadros na parede.

Ninguém veio buscar
o que olvidado foi,
ninguém mais lembra.

Algo foi esquecido no armário,
por cima das roupas,
dentro da minha pele.

Não sei se por relapso ou maldade,
mas você largou aqui, nos mínimos detalhes,
uma camada fina de poeira, espessa de saudade.

- Caio Augusto Leite

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Fotografias


Fotografa-me antes do fim do dia,
que passe a luz natural que nos envolve.
Capta-me com a minha espontaneidade,
com meu sorriso, com meu cabelo bagunçado.

Não a revele agora, guarde-a
para quando sentir saudades
desses nossos momentos felizes
ou quando quiser brincar de tiro ao alvo
com a minha cara risonha, quando odiar-me.

Fotografa-me, eterniza-me, memoriza-me.
Deixa eu entrar na sua vida,
nos seus quadros, na suas paredes,
nas suas molduras escondidas.

Capta-me com um aquário
que prende sem prender,
enganando o peixe que se vê
refletido no vidro que multiplica a matéria
num infinito mar de ilusão.

Não deixa esse momento passar,
é raro e muito complexo
para a memória humana assimilar.

Apenas fotografa-me,
sequestre o meu amor
em milhares de píxeis.

Capta-me antes que eu te escape,
antes que o dia acabe,
antes que eu te prenda,
antes que eu te fotografe.

- Caio Augusto Leite

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Xícaras


Derrubei as xícaras,
sinto que derrubei.
Há no ar uma hesitação do tempo,
tudo anda em câmera lenta.

Derrubei as xícaras,
sei que o fiz.
Meu cotovelo bateu
em sua concha de vidro.

Derrubando uma, derrubei as outras.
Quanto caco de vidro pra juntar depois,
quanta explicação terei que dar
para o dono dessas xícaras.

Não derrubei algumas,
derrubei todas as xícaras.
Acabei com todas as esperanças
de quem vinha com sede de café ou chá.

Beberá em copos, antes que eu os quebre também.
Mas eu preciso mesmo me penitenciar
se ninguém sentiu pena ao quebrar minhas xícaras?

Quebrei as xícaras e quase sinto
que não foi por acidente
e se foi, não poderia ter sido
mais propício.

Quebrei e quebraria de novo,
só pra você sentir a dor
dos cacos entrando nos teus pés.

Só pra você entender como ficou
difícil de viver depois que você se foi,
depois que quebrou minhas certezas,
minhas expectativas e é claro
minhas xícaras.

Viva você também sem elas
e perceberá que a solidão
fica maior quando não se tem
a companhia de algumas xícaras.

- Caio Augusto Leite

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Lacuna


Simplesmente anoitecia,
sem culpa, sem remédio,
sem nenhum mistério.

A natureza não sabia
da tua grande viagem
para além do crepúsculo.

Que eu não te chamaria mais no portão,
que o cão não babaria na tua calça,
que não sentiria mais teu cheiro
misturado de perfume, suor e uísque.

Não haveria brigas, broncas,
risos, piadas, afagos
ou lembranças de tudo isso.

Sentado, sozinho, na nossa varanda
eu vejo os morcegos comendo as frutas
das árvores que você plantou... profanação da tua memória.

O gosto azedo do perfume doce do jasmineiro
vai povoando o ar, me deixando tonto,
quase anestesiado, quase sem dor.

A dor era o medo da perda
e agora que perdi, a dor já foi.

A natureza sem saber de nada
tecia sedas de tempo que logo
encobririam esse dia, essa angústia,
esse você que não existe mais.

A natureza não sabia
e eu não acreditava.
Por isso mesmo não chorava,
por isso mesmo anoitecia...

- Caio Augusto Leite

Quando o homem cresce


- Ordem! Ordem! - Ordem!
grita a castanheira,
mas na mata o vento
faz pirraça e passa
levando frutos,
varrendo folhas,
a maior zoeira.

O Saci brinca no regato,
onde Iara faz dueto
com as águas que caem
levando para longe os gravetos.

Curupira corre,
pra trás ou pra frente?
A mula-sem-cabeça incendeia o ar,
boitatá não cansa de olhar.

Mas o homem chega
e o silêncio reina.
Depois que cresce o homem
vem pra cortar a castanheira,
vem pra calar o som da mata.

Depois que cresce o homem,
não entende mais a rara beleza
que enfeita os galhos, a terra,
os riachos, não sabe do sumo,
em suma perdeu a inocência.

Pro homem isso tudo é lenda,
pra mim ainda existe
um cantinho bem escondido
onde o vento vai cantando
debochando da castanheira...

- Caio Augusto Leite

Encurtando linhas


Leram meu destino,
contra a minha vontade.
Agora não tem mais graça
sair de casa, não tenho
mais a incerteza misteriosa
do futuro ainda por acontecer.

Leram meu destino
e só de não ter seu nome nele
eu fiz uma loucura.

Fui preso por homicídio
e estava tudo isso no meu destino.
Talvez se ninguém tivesse contado,
a gente poderia ter dado certo.

Agora sou eu com essa sina
que leram contra minha vontade.
E você longe, perto de Deus
sem saber dos motivos meus.

Descanse em paz,
antes morto
do que vivo
sem me querer mais.

- Caio Augusto Leite

terça-feira, 17 de julho de 2012

Aquela velha história de um desejo que todas as canções têm pra contar


Preciso parar de conversar com você,
pois fica sempre esse clima no ar.
Clima de poema por fazer, de calor pra dar,
de sonho, de prazer. Fica essa vontade de te amar até morrer.

- Caio Augusto Leite

Esse tanto de coisa


Eu preciso dizer tanta coisa,
tanta coisa bonita,
tanta coisa de flor,
tanta coisa de nós.

É muita coisa, poucas palavras.
Pouco tempo. Pouco eu pra muito você.
Você transborda em todos os sentidos
e me cobre por todos os lados.

Ilha, maravilha de mar.
Meu mar, quanto amar.
Quanto rimar sem sentido.

É toda essa vontade de dizer,
tanta coisa de nós,
tanta coisa bonita,
tanta coisa de flor.

Era tudo tão simples que cabia numa palavra
e eu não sabia que esse tanto de coisa era amor.


- Caio Augusto Leite

Extrema unção


No dia da minha morte deixe um canário cantar
bem baixinho nos meus ouvidos
as canções que só a Natureza ainda não esqueceu.

O assovio do vento na folha das palmeiras,
o correr apressado dos rios,
o cair constante das cachoeiras.
A mudez entre-acordes iluminada de lua.

Deixa o passarinho contar das coisas que não vivi,
dos bons tempos, das lindas valsas,
dos belos sambas, das marchinhas gaiatas.

E quando acabar o meu momento de aflição
não quero padre, não quero missa,
não quero terço, nem oração.

Deixem meu corpo no mato,
que seja comido pela terra.
Que eu vire, dentro da Natureza,
mais uma nota dessa melodia,
que eu possa entrar nos teus ouvidos
e te fazer chorar e te fazer sorrir
acompanhando o santo humor de cada dia...

- Caio Augusto Leite

Multiplicação da realidade


Um trovão me desperta,
tenho três anos novamente.
Procuro meus pais na escuridão,
não os encontro.

Sinto medo, frio, tremores.
Começo a chorar, choro o mais alto
que posso. Ninguém ouve.
Mesmo que ouvissem, não virão me socorrer.

O móbile desesperado ao vento me assusta,
sombras se espalham pelas paredes
formando dragões, espantalhos,
o homem do saco.

Tento sair daqui, as grades do berço
não deixam eu escapar desse quarto.
Estou preso e o peso dessa constatação
só aperta, embrulha e amassa mais meu coração...

... o pesadelo termina, tenho meus vinte anos novamente.
Mas o novo trovão me deixa alerta, sempre tive medo de tempestades.
Sempre tive os mesmos medos, os conservo dentro de mim
há anos e já não sei como é viver sem tê-los.

E não adianta chamar "Mãe" ou "Pai" no escuro,
eles agora estão dormindo, não devo acordá-los mais.
Precisam descansar as noites que passaram em claro comigo.

Mais um trovão, fecho os olhos e acordo pra dentro.
Nessa densa névoa, coberto de suor e urina,
já não sei o que é sonho, o que é loucura e o que é
a realidade propriamente dita.

E se a dita realidade for só
convenção de uma irrealidade coletiva?
Talvez exista um plano onde eu acorde
e tenha o peito de minha mãe e os carinhos
da nega-dinda, da boa Rosa, da Rosa Maria.

- Caio Augusto Leite

Atropelado antes de te encontrar




     Vou tomar banho, pego minha camiseta nova e minha calça antiga. A tolha está úmida. Ligo o chuveiro, as primeiras gotas estão geladas, mas logo o vapor invade o banheiro. A sensação é boa. Os músculos relaxam, está tudo bem. Cantarolo uma canção do Roberto, cheio de amor, estou feliz, vou te encontrar hoje. Passo perfume, penteio o cabelo, ligo a TV – ainda é cedo para sair. Sinto uma tristeza dentro do corpo, olho o telefone. Me dá vontade de discar para cada um dos meus contatos da agenda e pedir desculpas pelas coisas que aconteceram, rir das velhas piadas, devanear em nostalgias. Mas me dá uma preguiça. De novo nada passa na televisão, todos os contos são tediosos depois dos anos dois mil. Me dá vontade de fumar também, mas não quero chegar com as roupas cheirando fumaça, não quero preocupar você com meus vícios, eu não sou viciado. Três maços de cigarro por dia, dentes amarelados, crises respiratórias, mas veja bem, eu não sou viciado. Deu fome, deixo a TV falando sozinha e vou preparar um miojo – pois é, não ando me alimentando bem – mas não posso demorar. Um, dois, cinco minutos. Nunca fica pronto em três. Coloco o pó e como na panela mesmo, menos louça pra lavar depois.                                                                                                                                

     Vai chegando a hora e eu tô tão nervoso, parece anos que a gente não se vê. Fico imaginando a roupa que você estará usando, se mudou o cabelo, se sentiu saudade, se vai demorar muito pra beijar minha boca, tirar a roupa e me chamar pro amor. Pensar não é bom. Queria deitar no sofá, mas tenho medo de cochilar e perder a hora. Queria sair agora, mas não quero chegar muito cedo, você pode pensar que eu estava desesperado pra te ver. Pode até ser verdade, mas não posso te dar esse gosto. E eu fico aqui só planejando minha vida, como se de repente a gente se acertasse e vivesse pra sempre numa cabana no meio do mato. Longe dessa poluição, dessa violência, desse gosto amargo na boca. Ontem mesmo acharam o corpo de uma mulher esquartejado na esquina. Não sei quem era. Disseram que era uma puta, como se isso fosse razão pra matar alguém, conheci putas mais dignas do que eu. Eu não sei por que às vezes fico pensando assim, como se estivesse escrevendo uma carta pra você. São planos demais para uma vida tão curta. É hora de ir ao seu encontro, meu amor.                                                                             

     Antes de sair arrumo a cama, vejo se o gás está desligado, fecho os vidros da casa, dou comida pro gato, desligo a TV. Pego o guarda-chuva, o céu está estranho hoje. Respiro fundo como se pudesse aspirar a coragem para dentro de mim. Como se pudesse ignorar os sinais da vida, o sinais que só apontam para nosso fracasso. Tudo é tão difuso nesses novos tempos, que bato a porta com um ar de despedida. Boto os pés na rua com a estranha (porém compreensível) sensação de que não volto. 

- Caio Augusto Leite

Sob a amoreira


Marquei encontro com você naquela praça
e hoje a amoreira está carregada.
O céu bem azul, o sol firme,
tudo parece bom.

O sorveteiro alegre,
as crianças brincando.
O cheiro das flores,
o cantar de pássaros.

Você foi demorando
e eu sozinho fui ficando
cada vez mais nervoso.
E meu nervosismo dá fome.

Resolvi comer amoras,
comi muitas, tantas.
A tarde trouxe a chuva,
e com ela o tédio pardo.

Pensamentos voam,
os pássaros calam.
Tudo procura abrigo,
eu continuo te esperando.

Mas agora você vem vindo,
finalmente você chegou.
Corri num abraço
cheio de urgência.

E dentro do cinza, do tempo e de mim,
manchei tua nunca, teus braços
e tua boca com o vermelho amora,
com o vermelho amor.

- Caio Augusto Leite

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Orbitando em antigas rotações


E a gente já foi mais paciente,
"Elis 66" rodando na vitrola
e cada faixa é ouvida,
sentida, absorvida.

Quando foi que a gente deixou
de prestar atenção nas aves,
nas cores e nos perfumes
da madrugada?

Tenho medo do futuro,
mas não posso ser só passado.
Em que mundo, em que universo paralelo
sou alegre por completo?

Ah, mas hoje a faixa single
fica no repeat eterno,
o resto do disco
num vácuo de mistério.

Será que amanhã essas canções
estarão em livros de escola?
Não sei, só sei que meu coração bate feliz,
começou "Carinhoso" na vitrola...

- Caio Augusto Leite

Elegia ao teu desaparecimento


Ontem colaram fotos pelos postes,
em preto e branco e um aviso.
Procuraram por todos os becos,
bares e avenidas.

Ontem o cheiro dela pairava no ar
e as flores sabiam seu nome.
O céu não tinha tantas nuvens
e os carros varavam a madrugada em sua busca.

Ontem os meus olhos choravam
pela sua ausência
e as crianças abandonavam
o parque para ajudar.

Ontem ainda havia esperança,
como se misteriosamente
você abrisse a porta
e beijasse seus pais tão aflitos.

Que me ligasse de novo,
que cantasse pros órfãos.
Que simplesmente existisse entre nós
com a sua felicidade nata.

Mas o sol se pôs,
as fotos mancharam na chuva.
As crianças foram brincar no gira-gira.
Como gira a vida.

Hoje a polícia encontrou seu carro dentro de um lago
na Zona Sul da cidade. Seu corpo morto e cheio de frio
estava alvo, as veias em relevo, os lábios roxos.
Os olhos fechados e era só uma noite de sonho.

Uma noite que começou ontem
e se prolongou por toda a eternidade.
Aguarde, meu amor, que logo mais
todos nós iremos nos deitar no leito do teu sono
para nadarmos na felicidade de outros lagos...

- Caio Augusto Leite

Flor paulista


     Olho o telefone parado, como um convite silencioso para a um novo recomeço. Será que você usa o mesmo número? Ligo e dá ocupado, ligo de novo e de novo. Você se pendura demais no telefone, a gente brigava por causa disso. Resolvo regar as plantas, cozinhar feijão, cuidar dos passarinhos. O cachorro também está com fome. Esqueço de nós nesse tempo que estou ocupado. Zapeio pelos canais de TV e a mesma novela de anos atrás, programas de fofoca e comentários esportivos não prendem minha atenção. A campainha toca, olho pela janela e duas testemunhas de Jeová paradas na porta esperam, que esperem pra sempre, me jogo no sofá. A campainha ainda tocando e eu só pensando em palavrões que deixariam as carolas de cabelo em pé. Minha cabeça lateja, tomo uma aspirina, parece que o silêncio resolveu voltar. Paz.                                                                                                                       
     Você de novo no meu pensamento. Pego o telefone, novamente, dessa vez está chamando. Uma voz grossa atende. Pergunto quem é. Ele diz que é Mário. Finjo que sou da Loja Marisa, que preciso falar com a Senhora Luíza sobre um crediário. Ele diz que ela não está e se pode resolver. Eu pergunto o que ele é dela, ele diz que é marido. Eu fico espantado. Mas digo que tudo bem, ele pode resolver. Pergunto quanto tempo estão juntos. Ele diz que há três anos. Eu vou pegando os dados dele, a idade, o nome completo, o RG, a profissão e vou traçando o perfil. Ele diz que é Personal Trainer, deve ser um marombado ridículo – penso eu. Não faz o tipo dela, tem 40 anos, muito velho pra ela. Tento tirar mais alguma informação, mas não consigo. Desligo, deito no chão da sala e me ponho a chorar.                                                                                             
     Do outro lado, Cláudio – irmão de Luíza – desliga o telefone. Ela entra na sala com a esperança no olhar:                                                                                       
     - Era o Paulo?                                                                                                                    
     - Não, era engano.                                                                                                                  
      A mulher baixa os olhos e continua arrumando suas coisas, dali a dois dias partiria para um país estrangeiro. Sem Paulo, São Paulo não tinha mais motivos. Luíza não mais acharia Paulo, Paulo pulou de um prédio dois meses depois com uma orquídea no cabelo (a preferida de Luíza) – flor no ar perfumada em suicídio, rosa de sangue no chão da avenida Paulista.  


- Caio Augusto Leite             

domingo, 15 de julho de 2012

Aos amores do poeta


O mal dos poetas compromissados
é que todos os poemas
serão lidos como declarações
pelas amadas cheias de carência.

Não importa do que se fale,
até carne sangrando sobre
um balcão de açougue
é mensagem oculta.

Tudo vira amor aos olhos
das loucas amantes
que só procuram um motivo
para tremerem de gozo.

Quando eu for poeta, se for,
acabo todos os meus compromissos.
É que explicar o poema dá muito trabalho,
é que o poema não precisa ser explicado,
é que não tem bicho mais teimoso
do que um humano apaixonado.

- Caio Augusto Leite

Asas de sombra


Reparo em tuas mãos grandes,
nos teus dedos compridos.
Duas tábuas de sacrifício,
dez mandamentos em falanges,
falanginhas, falangetas.

Dedilha no meu corpo uma partitura antiga
que invoca a profana música
renegando a santidade do teu ser.

E as veias azuis que saltam,
e se tornam táteis ao meu sincero toque,
são rios de amor e perturbação hormonal:
o coração por certo acelerado.

Tuas unhas ásperas fazem cócegas,
arranham, marcam, assinam minha pele.
Mas ainda assim é triste não tê-las.

Reparo nas tuas mãos ágeis,
que me despem, que me vestem
feito conchas em seios de sereia.

Mão que desliza, que realiza sonhos
que nem foram sonhados.
Descobre curvas, infere retas,
consagra espasmos.

Contorna meus lábios,
meus olhos, meu mês inteiro
que será só perambulo por
esses fugazes momentos.

Busco as tuas mãos no véu da noite,
as tuas pálidas mãos de morte e vida.
Mãos flutuantes e que me escapam,
onde andarão?

Dentro da solidão eu vou esmaecendo.
Sem tuas mãos de divinos dedos
o meu ser é só vazio.
Sem meu ser as tuas mãos não têm segredo,
é apenas carne, sangue e pele.

É que o amor sozinho já não é milagre.

- Caio Augusto Leite

sábado, 14 de julho de 2012

Amando



Em mim todas as paredes,
armaduras, máscaras do mundo.
Me protejo, sou inseguro,
tenho medo, eu fujo.

É só na poesia e no amor
que me revelo.
A poesia que me mente
enquanto pinta minha verdade.

No amor que me despe
e se despede daquelas vaidades.
Que me deixa nu pra ser
o que eu só podia em poesia.

- Caio Augusto Leite

Ainda sem título


Rua escura,
escuro coração
anda tão alumiado.

Todo o silêncio do ocaso
se concentra em nossa andança,
o vento me soprou para o teu lado.

São passos, são passeios
é a passarada matando a alvorada,
trazendo a noite no bico, no canto alado.

E se te aceno adeus
não pense que assim o quero,
a saudade grita no peito calado.

Mas sei que te encontro,
não importa o tempo.
Que seja ainda forte
o nosso sentimento.

E só assim entendo amor:
mar bravio, paz, loucura.
Nossa vida na mesma direção
nessa via escura.

- Caio Augusto Leite

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Os livros devorados


No subsolo do centro
da maior cidade do país
eu espero o grande
transportador de gentes.

Enquanto as pessoas passam
os olhares prendem-se
numa máquina de salgadinhos,
mas não há salgadinhos,
existem livros.

Uns só batem a vista,
outros param um pouco.
Alguns ameaçam tirar
o dinheiro da bolsa,
mas desistem.

Uma senhora resolve
se arriscar com
a estranha engenhoca:
tira uma nota de dez
e enfia no aparelho,
nada acontece.

Alisa a nota, puxa daqui,
puxa dali e nada.
A mulher desiste,
segue seu caminho.

E ninguém mais terá
o encanto da leitura,
do cheiro de livro usado.

Pois a máquina quebrou,
selando o conhecimento
para sempre em seu interior
de ferro, plástico e desorientação.

- Caio Augusto Leite

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Entre quatro paredes


E passaremos horas contando
histórias, falando bobagens.
Declarações românticas,
piegas, cheias de sentimentalismo.

E o silêncio completaremos
com beijos insanos.
Incendiários.

Fogo! Fogo! Fogo!
A frigideira esquecida,
o bife queimando,
o teu corpo sobre o meu.

O cheiro acre
e a gente se devorando,
crus do jeito que estamos,
do jeito que nascemos.

- Caio Augusto Leite

Novo amor




     Duas horas depois, dois ônibus depois. Eis que chega ao ponto de encontro. Ele ainda não está. É preciso esperar mais, como se já não tivesse esperado a vida toda. E cada um que passa é seu rosto marcado de miragem, todo mundo é ele, mas ninguém o é. Os carros que passam não causam espanto e nem preocupação, ele vem de ônibus também. Ainda é cedo, nem sete horas. O céu cheio de tensão, entre o cinza da madrugada e o rosa-púrpura da alvorada. É o primeiro encontro, a barriga borboleteia e os pés estão agitados. Fecha os olhos e respira, tenta se acalmar, mas parece que piora. Vem uma vertigem, talvez pelo excesso de ansiedade, pelo frio da manhã ou pela fome que agora resolve aparecer. Abre os olhos novamente e parece que nada mudou. Talvez ele tenha esquecido, desistido, tenha sido assaltado, sequestrado, atropelado por uma carroça. Tanta coisa pode atrasar o amor, os pensamentos são os piores. Pensar no amor é dilui-lo em dúvidas rasteiras, em preocupações sem cabimento, em obstáculos que não existem. Não pensem.                                                                           

     Mas parece que ele vem vindo ali, não tem certeza, pois nunca o viu em carne e osso. Mas ele se aproxima, a conhece melhor, a ama há muito tempo. Como se tempo fosse medida para falar de amor. Todo tempo do mundo com tantas pessoas e não as ama. Tão pouco com ele e tanta saudade. Quem pode explicar essas contas impossíveis que o sentimento lança no vento? Essas incógnitas que possuem valor indeterminado. Um mais outro e o resultado pode ser qualquer coisa: ódio, indiferença, amizade, dor. Raramente: amor. Levanta, ajeita a roupa, tira a poeira do coração e abre os braços para um complexo abraço, os braços ainda se confundem, pois não se acostumaram uns aos outros e por isso não sabem o espaço que devem ocupar. Abraço embaraçado. Soltam-se cheios de vergonha, sentam no banco e olham a rua como se o outro não existisse. Ele põe a mão sobre seu ombro, ela cora. Ele tira. Ela olha com interesse. Os dois se conversam. Palavras nulas, vento no cabelo, olhos dicionarizados.                                                                                                     


     
Agora precisa falar, não pra transmitir conteúdos importantíssimos. Mas só para poder descobrir o timbre do outro, os maneirismos, as gírias, o hálito em forma de fumaça colidindo no rosto cheio de frio. Fala do clima, do dia anterior, da vida, dos planos de futuro, das pedras na rua. Distraidamente as mãos já se tocam, ganham certas intimidades, trocam temperatura. As palavras cansam e um silêncio cheio de proposta contamina o ar. Alguém precisa se mexer. Ele tenta, hesita. Ela tenta, hesita. Os dois tentam, hesitam. Parece difícil romper o laço da amizade. Uma borboleta vem voando, o rosto dele se aproxima, bate as asas com tranquilidade, a boca vermelha, vem chegando no canteiro, tudo tão perto, a flor amarela, milímetros de distância, a borboleta pousa na flor.                                                                                                                              

     Tudo certo, tudo bom, todo o tempo escorrendo pelas mãos suadas. O bem-estar acelera os ponteiros e já é hora de partir. Ela vai pra lá, ele pra cá. Um último aceno, tão tímido que quem os viu de longe jamais poderia imaginar que se queriam tanto. Ele sobe no seu ônibus e a vê caminhando tranquila e mais leve do que nunca. Ele vai sorrindo pelo caminho, cheio de esperança e lembranças do que acabara de viver. O perfume dela em sua roupa sairia logo, mas a doce fragrância do amor novinho em folha ficaria em sua pele, em sua alma e em suas palavras um pouco mais – talvez pra sempre.   

- Caio Augusto Leite

Era


Vai queimar no sol
e na geada.
Vai falecer antes
da chegada.

E por mais que cuide,
partirá no chão.
Mil vezes o semblante triste
que você exibe
vai ferroar meu coração.

Arderá a brasa
e não sentirei o seu calor.
É que o afago é falso, o beijo mente
e o que era, não é mais,
não é mais amor.

- Caio Augusto Leite

segunda-feira, 9 de julho de 2012

A pele me repele


Buscando a união dos povos,
a totalidade do ser.
A planície fundamental.

Mas pouco posso fazer,
quanto mais aproximo,
mais fico desigual.

Quanto mais quero,
mais me afasto.
O mundo não deixa.

E por isso somos incompletos,
penando pela vida, pensando
só em ter a metade achada
que me faz perdida.

- Caio Augusto Leite

11


Quase onze,
partirá a noite
num relógio longe
a dor do bronze.

Sempre o bronze...

Quem dera a prata,
nem sonho ouro.
Mas de você
só ganho lata.

O esquecimento,
as desculpas,
as juras de amor:
caio em todas.

A cortina balança
mas é só o vento
anunciando o silêncio
que agora virá...

... agora que a noite parte
em bronze,
num relógio longe
já passam das onze.

- Caio Augusto Leite

Serpentário


Uma serpente rindo da gente,
a gente com medo da serpente,
sem saber da serpente, mas sabendo ao mesmo tempo.

Se enrosca em mim a serpente,
vem ardilosa ter com a gente.
A outra ponta da serpente,
(que também é cabeça de serpente)
se enrola em outra mente.

E quando fala comigo, te morde.
E quando fala a ti, me morde.
Nada mais me surpreende,
vindo da serpente...

... da serpente que se enrola
com boca de fofoca, serpente mente.
Oferece maçã doce e te prende:
acaba com a paz no paraíso, serpente é parente.

O chão parece que ondula,
do tanto de serpente
que tem no pé da gente.

- Caio Augusto Leite

Lágrimas


Quero chorar,
mas não nos bares
cheios de testemunhas
e balcões imundos.

Não hei de espalhar esse pranto
pelos asfaltos queimados.
Nem pelos assoalhos do barbeiro.
Não molharei o pendão da esperança,
não amarei a pátria.

Se preciso chorar, não me julgue.
Se preciso, é justo chorar.
Não quero chorar sobre túmulos
e nem sobre nostalgias infantis.

Quero chorar sobre teu peito,
no teu abraço forte.
Deitado sob a tua sombra,
sem medo da verdade lacrimosa
que escorre pela face crua.

Quero o choro sem explicação,
quero teu afago sem condenação.
Quero todo o mar do mundo para amar,
quero todo os barcos em água para que cantem meu chorar...

- Caio Augusto Leite

Amargura


Sou lixo
sem luxo.
Sou queijo
sem furo.
Sou menino
sem sonho.
Sou só,
sim sou só.
E só.

- Caio Augusto Leite

Destino triste


O triste
insiste
em ser
meu papel
dourado.

Premiado,
consagrado,
engraçado
ser desgraçado.

Palmas,
fogos,
confetes...

Se ser triste insiste
eu não brigo mais.
Ganharei todas as medalhas
e as colocarei nos meus murais.

Se ser triste é sina
que posso eu fazer?
Baixo os olhos, as mãos
e caminho, só, pela avenida.

- Caio Augusto Leite

Sobre mim


Idiota
idiota
uma ilhota
no pacífico.

O primeiro a sumir
nos eventos apocalípticos.

Idiota
idiota,
uma grota
profunda.

Não vale nem o escuro que habita,
não vale o papel que limpa a bunda.

Idiota
idiota
tem quem gosta
são tolos.

O nada é maior que eu
e todos os meus feitos, poucos.

Idiota
idiota
idiota.

É o que me resta ser,
antes de morrer.

- Caio Augusto Leite

sábado, 7 de julho de 2012

Cunhataiporã

Tetê gaiata,
gaita, voz de gato,
miado, agudo violino,
fio de cabelo em tom.

Flecha agressiva
de ponta fina,
agulhadas em tímpano, um dom.

Sons soam, sons sobem, sons sinuosos, sons de apito.

Garganta passarada,
boca de gaiola.
Canto de arrebentação,
de libertação de asas,
voam tantos pássaros.

Piraretã, Cuiabá, Sertaneja.

Mato-Grosso, puro cristal,
atingindo o pio, o pio, o pio profano.
Mais do que palavras em estrelas,
estigmas da carne, voz maior que a vida.

Riacho, verdes águas,
paz e fazenda.
Fazendo seu canto,
no seu canto,
experimenta e devora o senso,
contra-canto, contra-disco.

Som fino que risca e grifa o ar.
Tetê gaiata, nunca pare de cantar.

- Caio Augusto Leite

Tiê-fogo


Tiê-fogo, olha o fogo
no mato, cuidado.
Bate asa, vai pro Rio,
pousa longe, longo telhado.

Asa negra que voou,
levando o fogo
pra todo canto.

E quando canta
o tiê fogo
é só pra lembrar
do homem-ogro.

No canto rouco,
da ave-fogo,
flameja o presente
do pasto, do canavial.

Emerge feito fênix das chamas
o pequenino tiê-sangue.
Gotejando no teu pranto
o mato que perdeu.

No fogo do teu corpo,
tiê-fogo sequestra a vida.
Tem que ir pra longe,
pra não chamuscar,
pra não virar tiê-cinza.

Olha o fogo! Foge, tiê-fogo, do fogo, do fogo. É fogo!

- Caio Augusto Leite

Das pedras


Meu verso é belicoso,
meu verso é luta.
E sabe que toda pedra
que surge no caminho
é dualidade de sentido:
um dia ensina
no outro me assassina,
mas sempre será dura
ela é sempre força bruta.

- Caio Augusto Leite

O seu nome


Já sugere distância e novidade,
sonoridade original, parece de outro mundo,
de outro plano espiritual.

Parece que nasceu só pra cruzar o meu caminho
e fazer desse destino uma outra coisa,
coisa melhor, jamais sentida.

Sugere um mistério indecifrável
que cravado nessas letras distorcidas
consolidam o vocativo que nas noites clamo.

Nas noites, nos sonhos, nos dias.
Toda hora é hora de te querer
e querer teu nome.

Seu nome na boca de outrem é lástima,
é pecado, é violência contra o meu coração.

É que seu nome só existe quando eu o digo,
pena que você não me responde, aí dizer seu nome
é me deixar triste. Com vontade de fugir não sei pra onde.

-  Caio Augusto Leite

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Pra lá do rio da vida


E quando a morte se aproxima
queremos mesmo é que Deus exista.
Que exista tudo, os anjos, as luzes,
os paraísos celestiais.

Só pra que, de alguma forma,
a gente volte a se ver.
Prometo, se eu for primeiro, que te espero
nas brancas nuvens, sozinho.

Não te esqueço e nem me distraio
com outras coisas.
Só haverá luz em mim
quando você chegar
e fizer da saudade nada
e do amor eternidade.

 - Caio Augusto Leite

Solidão de manhã


E sempre que não te encontro,
busco nas notícias de TV
alguma tragédia que envolva teu nome,
pois o medo é grande que de repente
o destino te tire de mim.

A vida prega dessas
e engana os que ousam vivê-la.
Espero poucas notícias tuas,
quero é tua voz como carta de alforria
da minha grande urgência e agonia.

Teu abraço, teu calor, teu queixo,
tão fácil me deixar feliz,
tão pouco preciso.

Acho que não sei medir as coisas
e que todo amor que tenho é maior
do que aquele que eu sempre penso ter.

É que eu penso sempre menos,
caso alguma notícia venha ceifar teus olhos
e que teus ouvidos fiquem distantes demais para ouvir
minhas declarações, coisas que pensei e não disse.

Deveria ter dito.
Espero tua volta
pra te contar
que as coisas, que o tempo,
que tudo sem você parece não estar.

- Caio Augusto Leite

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Desequilíbrio


Luto mas não venço,
como pode ser injusto o mundo.
Você viver aí tão longe
e por cá o meu amor sozinho-imenso.

- Caio Augusto Leite

Litoral


Meu amor, você foi pra praia
e deserto ficou meu urbano coração.
Suburbano sentimento de cimento,
cimento fresco, você pisa e fica a marca.

Meu amor, vê se não demora,
que a maresia pode te enjoar.
Que ficar aqui sozinho
dá uma vontade de morrer, uma vontade de matar.

Aqui, sem você,
me dá uma vontade
- súbita e inconsequente -
de achar um outro amor para viver.

- Caio Augusto Leite

O verme a formiga


Da fina fenda da parede do banheiro
saiu uma formiga exploradora.
Caminhou pouco e logo encontrou
um verme sinuoso pelo chão.

Chegou perto e constatou
que havia morte ali.
Bateu as antenas,
voltou pro buraco
e logo cem, mil,
dez mil...

sei lá quantas formigas surgiram
para levar o corpo para dentro.
Poucos instantes e tudo estava
na misteriosa fenda do banheiro...

...sabia meu corpo que, um dia,
iria parar nessa fenda,
cheia de mistério,
virar comida de formiga.

- Caio Augusto Leite

Decisão


Não sair de casa e não saber das pontes
que estão sendo construídas,
dos novos canteiros,
dos novos cantores,
da tudo que é moderno
ser alheio.

Será que é bom ficar aqui
e deixar o tempo se ir passando
ou a vida é mesmo lá fora
me vendendo, me descolorindo
quanto mais vou me mostrando?

Brincar no móbile
ou admirar as estrelas
que o céu pintou com
ilusões tão verdadeiras?

Viver de amor
ou amar viver?
Ser alguém
ou de alguém ser?

Morar aqui,
morrer aqui
ou
vender a morte
e ter de troco
um pouco da tua vida?

Qual a saída,
devo mesmo deixar a poesia
inacabada e atender a campanhia?

Ou ignorar de vez as flores
e rimar pra sempre o meu viver
com inventadas dores?

- Caio Augusto Leite

Ciranda de saudade


Na arte e na saudade
cresço e me reconheço.
Será o poema a saudade
ou a saudade é o próprio poema?

Será que depois do poema
ainda é a mesma saudade,
da mesma pessoa
que o originou?

Acho que não,
a saudade dura bem pouco
perto do verso que é eterno.

E cada vez que alguém lê, a saudade muda.
De mão em mão, de boca em boca
como no jogo de ciranda.

O anel fica escondido,
e a gente nem sabe quanto
o coração do outro guarda de saudade.

- Caio Augusto Leite

O segredo do M


Telefone mofado



Dezenove anos, frio nos pés, meias cinzas,
dorme cedo, detesta boate.
Pão com manteiga, discos fora de catálogo,
se apega fácil, sente saudades.
Não gosta de praia. Mal-humardo.
Alguém se interessa? Aguardo contato.


 - Caio Augusto Leite

Pedido


Peço que de vez em quando sumas,
que inesperadamente voltes.
Que faças do meu perdão o teu amor
e das minhas mãos as tuas.

- Caio Augusto Leite

Viagem

Se ler Quintana
e ouvir Elis
no frio do inverno:
Bem-vindo à Porto Alegre



- Caio Augusto Leite 

Maravilha


Que legal o futebol,
tão incrível e inovador
quanto terminar essa quadrinha
com a palavra sol.

- Caio Augusto Leite

quarta-feira, 4 de julho de 2012

AMAR


Será o tempo certo de amar
ou as carnes metálicas
não deixarão meu peito bater
os sentimentos que querem se encontrar?

Vírgulas, espaços, interrogações.
Há tanta distância entre a gente.
Que já não sei como te ter perto,
comigo é tudo de repente.

É tudo instante e fulminação,
quebra de protocolo,
tiro de pistola,
voo super-sônico.

E se passar?
Não queria.
Queria o tal presente eterno
que habita a poesia.

Ai, te prendo no poema.
Te rimo, te ilustro.
Te congelo em imagem
e nunca te publico.

Você que é meu instante mais querido.
Meu agora que precisa durar.
Meu ontem, minha história
que preciso viver para contar.

 - Caio Augusto Leite

O tempo chegou


Chega um tempo em que tudo perde o sentido de ser,
se é que um dia houve.
Chega um tempo em que os desejos não têm mais força
e os beijos apaixonados ficam amargos.

Um tempo cinzento e cheio de poeira,
de rinite, sinusite, gripe e câncer.
Chega a hora das desilusões verdadeiras,
do entendimento da vida.

A estrada não tem mais horizonte
e nem se pintam mais as aquareles
de luzes amarelas sobre os caminhos.

Caminhar pra onde?
Que onde é meu destino?
Que destino é esse que se esconde?

Não sei qual o motivo de existir,
sou só parte da lógica de tudo,
da lógica exata de tudo.

Da lógica que diz que é preciso abandonar
o brilho dos olhos e o círio de preces.
E não dá mais pra evitar,
chegou em mim, muito cedo, esse tempo...

 - Caio Augusto Leite

Um menino


Invento um menino,
mas ele não sai pra rua,
não gosta de sorvete.
Ele teme o sol,
e finge não ter amigos
- talvez não tenha.

Nunca crescerá,
está doente, coitado.
Nunca amará,
nunca vai ser
o que os sonhos paternos
decidiram antes do seu nascimento.

Invento um menino sem nome
e no tapete da sala
ele agrupa uns poucos brinquedos
dentro da sua solidão...

... o soldado sem pé,
o gude lascado,
o carrinho sem rodas,
ele não sabe brincar.

Invento um menino
e até dentro da ilusão
os sentimentos são turvos.

Mesmo quando invento um menino,
invento um menino triste.

- Caio Augusto Leite

terça-feira, 3 de julho de 2012

Lição de rosas


Não creio na teoria das rosas gêmeas
que nascem e se completam no mesmo instante.
Que crescem juntas, que exibem mesmo aroma,
cor e vitalidade.

Acredito na flor que vem e por força
puxa a outra e essa outra apoia a primeira
que forte ajuda a segunda no crescimento
gradual e cheio de esperança.

Não creio na teoria do amor bilateral,
das bocas que se entendem de cara,
dos toques que nunca tiveram timidez.

Não posso acreditar nessa teoria,
as coisas partem do mesmo princípio:
tudo é rosa nessa vida.

- Caio Augusto Leite

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Pião de gesso


Gira o pião do tempo
e quanto mais roda
menos rodará e menos
horas pra te encontrar.

Sei que tudo tende ao chão,
como te amei, não amarei mais.
Como senti, beijei e abracei,
no rodar desse pião.

Vai chegar o dia
que o amor acabará,
por morte ou
por fadiga.

E brincar de novo não poderia,
pois dissolve-se a matéria
e do pião que nos uniu
ficará somente a nostalgia.

- Caio Augusto Leite

Já não estou


Por dentro já morri,
só me resta a casca fria
que se arrasta pelo chão
do mundo e tristemente lhe acena

não mais sorri,
viverá sempre sozinha
sem amor no coração
numa casa pequenina.

Esqueço que sofri,
que amei uma dia,
você só mais um trovão
nessa tempestade

e quanto mais chove
mais te esqueço,
mais raios cruzam o céu
esqueço o beijo.

E quem me vê passando por aí
nem sabe que eu já fui,
que só sou miragem,
que por dentro já morri.

- Caio Augusto Leite

domingo, 1 de julho de 2012

Sideral maçã


Rasguei o dedo, cedo,
jorrou sangue de dentro
e inóspito rio foi
se tecendo pelo chão
que já não dá
nem broto de feijão.

Mar vermelho de fraqueza
e vergonha, mar de mim.
O mal de mim, meu maior defeito
o egoísmo que trago no sangue
e que se espalha pelo mangue.

E não há vida que suspire
perto da minha maré vermelha,
alga assassina na praia
é nada perto da minha enxurrada
de morte anunciada.

O mundo agora é só meu sangue
e visto do espaço alude maçã antiga.
O mundo sangra e de longe
só existe a fórmula simbólica
que escancara o meu pecado humano.

- Caio Augusto Leite

Redenção de julho


Já é Julho, Júlio,
quem é Júlio, se não uma aliteração?
Não importa quem é,
importa o Julho que chegou, ou não?

Júlio pode ser,
Julho é.
Não existe outro Julho
além desse sétimo mês.

Cabalístico número,
sazão das férias no inverno
- combinação atípica,
julho polar, bipolar:
frio, sol, sol, frio.

Só frio, sofrido, sofri.
Já não mais, é julho.
E tua cama é sempre mais quente,
e o nosso tempo é sempre ligeiro.

Veja, já é julho
e nós ainda juntos.
Quem me viu ainda ontem,
em junho, não botava fé
que o nosso caso daria pé.

E só de pirraça a gente permanece,
feito a flor que vive no pós geada.
Já é julho, Juliana...

Não disse que esse Júlio não apitava nada.
É trava. Julho é que não disfarça.
Julho cheio d'amor, mesmo quando
a solidão vem soprar dor.

Proclamo suas três dezenas de dias
e um deixo de sobra
pra sangrar a dor do mundo, depois enxugo os olhos
e jogo tudo fora...

- Caio Augusto Leite