segunda-feira, 16 de julho de 2012

Flor paulista


     Olho o telefone parado, como um convite silencioso para a um novo recomeço. Será que você usa o mesmo número? Ligo e dá ocupado, ligo de novo e de novo. Você se pendura demais no telefone, a gente brigava por causa disso. Resolvo regar as plantas, cozinhar feijão, cuidar dos passarinhos. O cachorro também está com fome. Esqueço de nós nesse tempo que estou ocupado. Zapeio pelos canais de TV e a mesma novela de anos atrás, programas de fofoca e comentários esportivos não prendem minha atenção. A campainha toca, olho pela janela e duas testemunhas de Jeová paradas na porta esperam, que esperem pra sempre, me jogo no sofá. A campainha ainda tocando e eu só pensando em palavrões que deixariam as carolas de cabelo em pé. Minha cabeça lateja, tomo uma aspirina, parece que o silêncio resolveu voltar. Paz.                                                                                                                       
     Você de novo no meu pensamento. Pego o telefone, novamente, dessa vez está chamando. Uma voz grossa atende. Pergunto quem é. Ele diz que é Mário. Finjo que sou da Loja Marisa, que preciso falar com a Senhora Luíza sobre um crediário. Ele diz que ela não está e se pode resolver. Eu pergunto o que ele é dela, ele diz que é marido. Eu fico espantado. Mas digo que tudo bem, ele pode resolver. Pergunto quanto tempo estão juntos. Ele diz que há três anos. Eu vou pegando os dados dele, a idade, o nome completo, o RG, a profissão e vou traçando o perfil. Ele diz que é Personal Trainer, deve ser um marombado ridículo – penso eu. Não faz o tipo dela, tem 40 anos, muito velho pra ela. Tento tirar mais alguma informação, mas não consigo. Desligo, deito no chão da sala e me ponho a chorar.                                                                                             
     Do outro lado, Cláudio – irmão de Luíza – desliga o telefone. Ela entra na sala com a esperança no olhar:                                                                                       
     - Era o Paulo?                                                                                                                    
     - Não, era engano.                                                                                                                  
      A mulher baixa os olhos e continua arrumando suas coisas, dali a dois dias partiria para um país estrangeiro. Sem Paulo, São Paulo não tinha mais motivos. Luíza não mais acharia Paulo, Paulo pulou de um prédio dois meses depois com uma orquídea no cabelo (a preferida de Luíza) – flor no ar perfumada em suicídio, rosa de sangue no chão da avenida Paulista.  


- Caio Augusto Leite             

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