terça-feira, 17 de julho de 2012

Atropelado antes de te encontrar




     Vou tomar banho, pego minha camiseta nova e minha calça antiga. A tolha está úmida. Ligo o chuveiro, as primeiras gotas estão geladas, mas logo o vapor invade o banheiro. A sensação é boa. Os músculos relaxam, está tudo bem. Cantarolo uma canção do Roberto, cheio de amor, estou feliz, vou te encontrar hoje. Passo perfume, penteio o cabelo, ligo a TV – ainda é cedo para sair. Sinto uma tristeza dentro do corpo, olho o telefone. Me dá vontade de discar para cada um dos meus contatos da agenda e pedir desculpas pelas coisas que aconteceram, rir das velhas piadas, devanear em nostalgias. Mas me dá uma preguiça. De novo nada passa na televisão, todos os contos são tediosos depois dos anos dois mil. Me dá vontade de fumar também, mas não quero chegar com as roupas cheirando fumaça, não quero preocupar você com meus vícios, eu não sou viciado. Três maços de cigarro por dia, dentes amarelados, crises respiratórias, mas veja bem, eu não sou viciado. Deu fome, deixo a TV falando sozinha e vou preparar um miojo – pois é, não ando me alimentando bem – mas não posso demorar. Um, dois, cinco minutos. Nunca fica pronto em três. Coloco o pó e como na panela mesmo, menos louça pra lavar depois.                                                                                                                                

     Vai chegando a hora e eu tô tão nervoso, parece anos que a gente não se vê. Fico imaginando a roupa que você estará usando, se mudou o cabelo, se sentiu saudade, se vai demorar muito pra beijar minha boca, tirar a roupa e me chamar pro amor. Pensar não é bom. Queria deitar no sofá, mas tenho medo de cochilar e perder a hora. Queria sair agora, mas não quero chegar muito cedo, você pode pensar que eu estava desesperado pra te ver. Pode até ser verdade, mas não posso te dar esse gosto. E eu fico aqui só planejando minha vida, como se de repente a gente se acertasse e vivesse pra sempre numa cabana no meio do mato. Longe dessa poluição, dessa violência, desse gosto amargo na boca. Ontem mesmo acharam o corpo de uma mulher esquartejado na esquina. Não sei quem era. Disseram que era uma puta, como se isso fosse razão pra matar alguém, conheci putas mais dignas do que eu. Eu não sei por que às vezes fico pensando assim, como se estivesse escrevendo uma carta pra você. São planos demais para uma vida tão curta. É hora de ir ao seu encontro, meu amor.                                                                             

     Antes de sair arrumo a cama, vejo se o gás está desligado, fecho os vidros da casa, dou comida pro gato, desligo a TV. Pego o guarda-chuva, o céu está estranho hoje. Respiro fundo como se pudesse aspirar a coragem para dentro de mim. Como se pudesse ignorar os sinais da vida, o sinais que só apontam para nosso fracasso. Tudo é tão difuso nesses novos tempos, que bato a porta com um ar de despedida. Boto os pés na rua com a estranha (porém compreensível) sensação de que não volto. 

- Caio Augusto Leite

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