quarta-feira, 18 de julho de 2012

Lacuna


Simplesmente anoitecia,
sem culpa, sem remédio,
sem nenhum mistério.

A natureza não sabia
da tua grande viagem
para além do crepúsculo.

Que eu não te chamaria mais no portão,
que o cão não babaria na tua calça,
que não sentiria mais teu cheiro
misturado de perfume, suor e uísque.

Não haveria brigas, broncas,
risos, piadas, afagos
ou lembranças de tudo isso.

Sentado, sozinho, na nossa varanda
eu vejo os morcegos comendo as frutas
das árvores que você plantou... profanação da tua memória.

O gosto azedo do perfume doce do jasmineiro
vai povoando o ar, me deixando tonto,
quase anestesiado, quase sem dor.

A dor era o medo da perda
e agora que perdi, a dor já foi.

A natureza sem saber de nada
tecia sedas de tempo que logo
encobririam esse dia, essa angústia,
esse você que não existe mais.

A natureza não sabia
e eu não acreditava.
Por isso mesmo não chorava,
por isso mesmo anoitecia...

- Caio Augusto Leite

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