segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Fui esquecido?


Saberá que a porta
ainda está aberta?
Melhor não saber:

melhor eu acreditar
na ignorância,
do que na confiança
que você talvez tenha
pra passar por mim e dizer:
Agora não.

- Caio Augusto Leite

Som de conchas


O menino e o mar,
o menino e suas conchas:
basta pôr no ouvido
para desolvidar
o mar perdido.

Quem dera as conchas
pudessem sussurrar
a voz de quem perdi
no areal, no cais, na vida,
nessa nossa vida sem sentido.

- Caio Augusto Leite

Obsoleto


Eis que sou as pedras
que não atiraram
em Madalena:

a curva que
o Titanic
não fez:

o freio que falhou,
o paraquedas
que não abriu:

a luz que não acendeu,
a bomba que não
explodiu:

sou a rima
que rimou,
onde não precisava:

sou feito de virtudes
inúteis:
sou fogo em caixa d'água.

- Caio Augusto Leite

A Dora


Dora
diz
que adora
a dor.

Mas que dor
a Dora pode ter
que é maior
que a minha?

Que é a dor
mais dorida,
a dor de querer Dora
e de Dora não querer
ser por mim querida.

- Caio Augusto Leite 

Escadarias


Queria ser escada
pra que tu
me escalasses
e eu te cuidasse
quando chegasses
cá no alto
já cansada.

E que eu pudesse
te derrubar
se me deixares
e te ver agonizar
rolando,
vestida de linho,
morrendo linda
na calçada.

- Caio Augusto Leite

Caixinha de lápis


Quando nasci
- lápis grafite -
me largaram na mesa
e eu caí.

Meu cerne se quebrou
e não adianta,
por mais que me apontem,
tudo desaponta-me.

- Caio Augusto Leite

SP 40°C


Ondas de calor
pela cidade.
São tantas,
não adianta
ventilador:

ondas de calor
pela casa,
luz em modorrenta
refração:

o sol chegou,
inundou,
e ele no sofá
- suado -
se afogou.

- Caio Augusto Leite

Dolores Duran


Dolores,
quanto dura uma saudade?
Uma noite,
uma estrela
que cai,
uma vida,
mesmo curta?

Dolores,
é preciso
mesmo viver
toda essa dor?

Toda essa dor
que custa tanto passar,
que passa dando passagem
a outras dores pra durar.

E por que não me respondes,
Dolores?

- Caio Augusto Leite

FAMA póstuma


Atiro-me do décimo terceiro
floor,
a velocidade
me transmuta em
light,
morro na hora
do rush:
The cars
param,
as pessoas
amam-me.

In the street nasce - onde já não estou - uma
star.

- Caio Augusto Leite

A estrela da tarde


Vésper,
estrela fingida:
quantas vezes
te vi no céu,
pontiaguda
e eras na verdade
um planeta sem cor,
sem luz, sem vida.

Tu foste o meu primeiro
e único amor,
Vésper querida.

- Caio Augusto Leite

O bicho que não serei


Gente,
se for bicho:
inconsequente.

Bicho,
mais que gente:
coisa quente.

Já nasce sendo,
andando,
brigando,
morrendo.

Deus, dê-me vida de bicho
em outra oportunidade.
Não, deixe-me gente
que ser bicho é demais
pra minha mediocridade.

- Caio Augusto Leite

Sonhares


Sonhei com tuas mãos,
não com o corpo todo.
Sonho por partes,
amanhã com teus pés:

E não é sempre o amor
um incessante juntar
de coisinhas perdidas?

Hoje vi teus olhos,
negros olhos de fim de mundo,
em você eu me acabaria:
de-sar-ra-zo-a-da-men-te.

E você, quando achará
as partes que perdi?
Quando acabará
com as minhas mortes,
que de te sonhar
tanto já morri?

- Caio Augusto Leite

Sem escala


É que a natureza não depende da gente,
a água, por exemplo, ferve no ponto
sem saber de Celsius ou Fahrenheit.

- Caio Augusto Leite

Ano-novo


As palavras são opacas,
mas é preciso que se diga
e que se siga:

Obrigado.

Obrigado pelo tempo
que se arrasta
e que nos empurra
ao "isto".

Obrigado a quem veio,
a quem veio e foi,
veio e ficou.

Quem foi
que me mudou?

O que de nós sobrou?

Restam as lembranças:
ocas.
E os planos:
falhos.

Mas existe o futuro:
caminhemos.

É preciso que se aceite,
que se deleite
no que está por vir
e que ainda é grande demais.

- Caio Augusto Leite

domingo, 23 de dezembro de 2012

Ratinhos brancos


Faço da língua minha cobaia.
Será que estou forçando demais?
Será que esmagarei o código
- tão frágil -
com a indizível simplicidade
do que é apenas Ser?

- Caio Augusto Leite

Como te tirar pra dançar?


Essa estranha vontade de falar,
mas falar o quê?
Eis meu caos:
ter a vasta língua portuguesa
e paralisar em gelo,

seria tão mais fácil
se eu pudesse dizer
- te dizer tudo -
com o silêncio.

- Caio Augusto Leite

Orelhas baixas


Apenas o anseio
de ligar-se ao outro,
trouxe tantas fichas
e não sabia
que agora só cartão servia

Voltou pra casa, mudo.
E além do mais, de nada adiantaria
ter cartões, todos os corações estão ocupados.

- Caio Augusto Leite

Frustração de um pessimista


"O céu não se cobriu de treva
e nem viramos poeira espacial"

era o que pensava,
deitado na relva,
olhando estrelas.

Olhando estrelas
e ainda triste,
pois sozinho.

"podia ter acabado..."

Uma estrela cadente
cruzou o céu:
íntima esperança,

mas o que veio foi
uma brisa suave
que nem conseguiu
mover a saudade do lugar.

Suspirou.

"onde anda você?"

perguntava-se, angustiado.

- Doía tanto ser poeta.

- Caio Augusto Leite

Pão de natal


Comia panetone
e jogava as frutinhas fora.
Tanto tempo te dando tempo
sem saber que eu era uva
em suas mãos.
E como uva passa,
passei, que me resta agora?

- Caio Augusto Leite

De alma seca


Tentei sonhar,
sonhei preás.
Sou homem
ou sou cão,

tenho ainda coração?

Talvez mais do que antes,
quero esses preás que saltam.

Não quero a máquina,
quero a lágrima
- mais urgente -
desses retirantes...

- Caio Augusto Leite

Depois da brisa


Gosto de vento nos cabelos,
desfaz de vez a forma
do que não quer ter forma

e tantos pentes passarão,
não,
a alma jamais amansará,

deixe-a despenteada

deixe-a

deixe-a

desvairada.

- Caio Augusto Leite

Sem par na gangorra


Tenho grandes,
vários, amigos.

O problema é que eles não sabem disso.

- Caio Augusto Leite

Citadino


Estranho a vida
sem os ruídos
e sem os clicks metálicos
das engrenagens do tempo,

não caibo nessa serenidade,
preciso da poluição,
do cinza
do ácido da cidade

é que essa paz não me pertence.

- Caio Augusto Leite

Bolsos vazios


Não terei meus
textos em jornais
semanais
para que virem
no domingo
suado
embrulho
silábico
de peixe.

- Caio Augusto Leite

Justificando o que não se justifica


É
que
eu nunca
soube
ser saudade.

- Caio Augusto Leite

Não falar


Estaria Clarice certa,
ao escritor brasileiro
cabe falar o menos
possível:

Calo-me.

- Caio Augusto Leite

Pra não deixar o poema fugir


Escrevo rápido
e erro.
É que o pensamento
é mais urgente
que a gramática:

Depois de feito,
achos os defeitos,
que não são defeitos
é a língua pura
sem enfeites.

- Caio Augusto Leite

E isso não é poema


Coloquei de título em outro poema
"Nem título quero e isso não é um título".
Nem queria esse poema e isso não é um poema.
É um espaço em branco,
não leia,
porque ele não terá um final,
e é isso que eu mais quero:

-

- Caio Augusto Leite

Nem título quero e isso não é um título


Deixo pros poetas
- aos que querem ser poetas -
o reino das palavras,

quando escrevo
nunca é poesia,
só é poesia quando dizem
os homens de Teoria,

antes disso é coisa pura,
quente e cheia de vida,

não quero ser poesia,
quero esse antes
onde o som se espalha sem atrito
e a luz é maior que a luz:
verbete finito.

- Caio Augusto Leite

Que grandes frutos seriam


Se livros nascessem em árvores,
estariam mais ou menos
ameaçados?

Não sei,
mas seria incrível
ter sonetos de Camões,
contos de Clarice
e romances de Machado
como ar respirável.

- Caio Augusto Leite

Ponto cego


Não tenho convicções,
tenho convexões.
Tenho espelhos dentro do corpo,
tenho alma longe do espelho?

Como saber,
se nem sei
quantas almas tenho.

Não tenho conexões,
sou em mim o próprio deserto.
Imagem do estio,
na prata do espelho.

- Caio Augusto Leite

Quando te vi passar

Quis ser estoico,
mas desejei o novo.
Mais sete anos de atraso,
voltei ao ovo.

- Caio Augusto Leite

A necessidade do mito


Não vi passarinho verde
e nem achei dinheiro na rua.

É que amarrei minha tristeza
num balão de hélio,
cruzou o mar,
cruzou o hemisfério.

Foi além,
foi pro céu,
foi pro sol.

Condensou,
explodiu,
corri pra rua.

Caíam gotas
no asfalto:

inventei a chuva.

- Caio Augusto Leite

Livros aéreos


Apesar de tudo,
tenho livros
- não publicados -
livros aéreos,
permeiam a sombra,
pairam nas nuvens
enclausuram a poesia
que queria ser dita,
mas permanece em mistério...

- Caio Augusto Leite

Não contenho


Tenho
tentado
o tipo
tenso.

Tipo
reta,
tipo
tenda
túrgida.

Mas vem o lirismo esguio
deslizar nos meu dizer,
as palavras sambam no ar
sinuosas de prazer.

- Caio Augusto Leite

Defasagem


É que eu escrevo
em atraso de agrado.
O papel é lento
e demora dizer.

Quando acabo,
a coisa infartou.
O poema morreu,
preciso de outro

*

É que eu escrevo em atraso

:

- Caio Augusto Leite

Oximoro


No rosto
caiado,
a figura
alegre
de quem
nasceu pra
dificuldade:
lúgubre palhaço.

- Caio Augusto Leite

Disposto, mas pálido


Meu problema é ser full time
e ninguém nem aí.
Quando eu for,
quando eu cansar de esperar,
alguém irá chamar-me?

Não,
pois sou parco.
Falta-me essência,
falta-me charme.

- Caio Augusto Leite

Mel amaro


Eu te avisei,
mas não,
não ouviste meus conselhos...

O que falo é um ontem,
mas o que é o futuro
- para quem se decepcionou -
do que um eterno revival
das antigas amarguras?

Elas que se envolveram
de açúcar melado,
grudaram no peito
e se cristalizaram.

- Caio Augusto Leite

Chora a chuva


Chuvas são choros,
não chore.
Mas quando eu morrer
e chover, chore.

Lembre do choro da chuva,
chore na chuva.,
chore comigo na chuva,
chore a chuva,
chora-me que eu te chovo.

Apenas
chova,
chova,
chova,
e
não se estie de mim.

- Caio Augusto Leite

Não pertenço


Desculpe se sou.
Desculpe existir.
Desculpe ter voz
para pedir desculpas.

Prometo o silêncio,
Ao silêncio pertenço.
Mas dá pena não pertencer
ao que queria, mas apenas
ao que poderia ser.

Eu sou um quase.

- Caio Augusto Leite

Eu posso ser


Quanto quiproquó,
por que não aceitam
minha felicidade só?

- Caio Augusto Leite

Tornando-se impossível (viver)


O trágico é essa reversibilidade
literária,
os contos absurdos
estão virando
Realistas...

- Caio Augusto Leite

Porta dos fundos


Tudo que escrevo vem com um "não"
implícito.
Só sei dizer o inverso
do que preciso.

- Caio Augusto Leite

sábado, 15 de dezembro de 2012

Quando compro um livro


Não compro o poema,
não compro o romance
e nem as Leis de Newton.

Compro o papel,
a tinta,
a mão de obra escrava chinesa.

Compro a forma (ó)
a forma (ô)
o invólucro.

Mas o segredo,
editorado e agenciado,
é sagrado e flutua

quem captura
um verso em rede?
Quem prende a metáfora
em linha de costura?

O que compro é a madeira,
só pra poder
beber a seiva.

- Caio Augusto Leite

Macabéa II

(A Matheus Jacob, por deixar que a mitose falhasse: poema gêmeo)

O mundo não entra pelos seus poros,
pois estão fechados
de suor
e sebo.

Poros
são buracos.
Buracos
são
caros.

Quanto
custa
um
buraco?

As estrelas são altas e inalcançáveis
e multiplicam-se em (explosão).
Aquela moça [virgem] não recebeu
visita de anjo e nem Salvador concebeu.

Ele, antes, teria que soprar-lhe vida
- balão murcho -
mas o sopro do futuro
foi demais...

Grande demais o trajeto
entre um buraco
e uma estrela.

Sinto saudade
do que é delicado.
Do que é precioso,
do que não é Eu.

As estrelas estão morrendo,
posso ouvir os estalos
ao longe, tão perto,
dentro de nós?

(Explosão):

- Caio Augusto Leite

Nosso último desencontro


Só queria te convidar,
se o mundo acabar,
vem se acabar comigo?

- Caio Augusto Leite 

Como se me amassem


Sendo meu aniversário,
me ligam,
mandam cartões,
desejam tudo de bom.

- Como se me amassem...

- Caio Augusto Leite

Catavento

(Os poemas só querem girar)


Dado o primeiro impulso
o ler não para.
No vento, no breu,
no vácuo da página...

Mesmo onde nem se pensa
- micróbio danoso -
se multiplica:
palavra.

- Caio Augusto Leite

Cirandeiro


Não tendo idade
pra brincar de roda,
parou de contar os anos.

Então sorriu-se.

- Caio Augusto Leite

(De)canto


Quando me sinto só, eu canto.
Então aparece
gentes berrando:
- Cala boca, seu desafinado.

Cantar me deixa tão aliviado...

- Caio Augusto Leite

Só pode ser castigo


Vivia em prados galáticos,
mas cansei.
Suicidei
e a morte era aqui.

- Caio Augusto Leite

Só uso relógio de pulso


Reclamo a modernidade,
mas toco fitas,
troco fichas
de orelhão,
aceito passe de busão...

Sou tão noventas,
década retrô,
sou tão cinquentas,
nem sei pegar metrô...

Modernidade que busco
em polaroids
e que não acho...

Dentro de meus baús,
de cedro e cerejeira,
imersa em poeira
só espirro a eternidade.

- Caio Augusto Leite

Rosarana


Sumido-ido.
Sou radical,
pois não suporto
ser seu sufixo.

- Caio Augusto Leite

Pés em nuvens


Ausente de mim,
sou e estou.
Mas quando me capto,
me deparo
com a pergunta:
Quem sou?

E me sobe um calor de infarto,
não estou pronto para esse fato.
E então volto a ser ausente.

Quando me chamam,
dou de ombros.
Acho a Lua,
me perco em vasto.

- Caio Augusto Leite

O que começo a adivinhar


Criei coragem de riscar os papéis,
as tuas cartas mal redigidas.

Criei coragem de botar a mala pra fora
de mandar você embora.
de criar galinhas no quintal
- careço de companhias.

Criei coragem
de espionar o sol nascendo.
E veja só o que eu perdia.

Além de ti, o mundo se fazia
e eu não estava nem sabendo.

- Caio Augusto Leite

Oferecerei a outra face


As tardes são grandes
demais para o meu existir.
Enorme solidão.

Mas o que me dói
- e me dói inteiro -
são os outros.

Os outros que se amam,
pois amor, sim,
é agressão.

- Caio Augusto Leite

O que é?


O que é a solidão
senão esse medo,
incontornável,
de apenas Ser?

O que é o amor
senão esse desejo,
incontornável,
de não apenas Ser?

O que é Ser?
Penso que sou,
mas por vezes sinto
que me falta nascer.

- Caio Augusto Leite

Rente ao real


Não tenho medo de que o vento
me pegue e me leve pelo ar.
Sei que sou de chumbo.
O chão é meu limite.

- Caio Augusto Leite

Prometo não insistir nesse tema


Faria com facilidade
jogos sonoros
como pássaros canoros
canários,
sanhaços,
apitos,
bandas,
estardalhaços.

Mas quero fazer silêncio,
e é tão impossível quebrar o ritmo.
Sempre me vem o dizer,
que é meio e freio.

Querendo chegar, não chego.
Querendo parar, não paro.
Vivo o dito insatisfeito.

- Caio Augusto Leite

Isso


Água.
Água-viva.
Viva
a água.
Água, viva!
Viveria a água,
sem meio, começo ou fim.
Puro fluxo,
mas puro em defasagem.
A minha água atrasa
e quando digo "água-viva"
ela já está longe
da linguagem.

- Caio Augusto Leite

Desenfeitar


Para manter a idoneidade plástica
usarei metáforas
para falar dos teus pedaços.

Abismo fundo,
fruta,
rosa.

Mas o que quero mesmo é tocar tuas vergonhas, sem o respaldo da palavra.
Quero teu seio vivo, tua boca rubra, tua vagina ácida, fértil, bela.
O que quero é o fato, duro e impossível, em pedra.

- Caio Augusto Leite

Ainda dentro da história


Sou só uma Macabéa
esperando
que um Rodrigo S.M
me conte.

Será que dará conta?

- Caio Augusto Leite

Enredo de mim


Eu empilhei palavras
sobre esse meu esqueleto frágil.
Pensei que poderia disfarçar
minhas falhas essenciais.

Mas a palavra escorre
nessa chuva factual
e o que me sobra
é a carcaça da vida
que podia ser linda,
não fosse ficcional.

- Caio Augusto Leite

Eterno enquanto presente


Você me esqueceu muito fácil,
ou vai ver sou do tipo
que não se agarra na memória.

Talvez meu modo seja esse,
existir fluindo no tempo
e nunca, nunca mesmo,
virar história.

- Caio Augusto Leite

Falta-me um botão de stop


Meu peito
de pretérito
se enfeita.

E quanto
mais busco
mais me enjeita.

As fitas não voltam,
antes correm
em desfeita.

Meu peito
de pretérito
se enfeita.

E mesmo longe
o pensamento
o ir se ajeita.

O presente,
verde,
me arrebenta.

- Caio Augusto Leite

Fim de tarde


Agonizantes
moscas
que caem
nas lamparinas...

Dançarinas
tão serenas
quando fritam
amenas
no calor mercúrio...

E se há silêncio
sei que morreram
mas não antes do lirismo
sádico, que não adapto
ao morrer humano, que é sempre triste
pois não sabemos perder sem sofrer

não aprendemos
que somos
tão banais
quanto pardais
em fios de alta tensão

dão-me um choque
e caio em baque oco,
tão tosco,
no chão.

- Caio Augusto Leite

Libidinagem


Aproveitar-te-ei
inteiro.
Pelo começo,
pelo rabo,
pelo meio.

Aproveitar-te-ei,
na próclise,
na mesóclise
pela ênclise.

Aproveitar-te-ei
sem nenhum receio,
puramente devasso,
um casto na língua
e de língua dar-te-ei
imponderáveis beijos.

- Caio Augusto Leite

Puro sendo


Não me deem futuros,
é demais para alguém
que nem se sustenta no presente.

É pesado.

O futuro é o que há de mais devastador,
com um futuro me torno homem.
Mas eu queria mesmo é ser bicho
ou melhor viver sem desejos,
melhor ainda, só desejar o que já tenho.

- Caio Augusto Leite

Falso suicida


Morrerei, morrerei, morrerei.
Mas antes serei rei.
Serei sereia,
serei areia.

E aí morrerei, morrerei, morrerei.
Todo dia morrerei.
Seria sério,
mas sou riso,
mas sou mistério.
Serei impropério.

E aí morrerei, morrerei, morrerei.
Mas depois serei vento de montanha,
teia de aranha,
húmus de vulcão.

Não,

Não morrerei, não morrerei, não morrerei.
Desculpe a depressão,
sou um saco, sou um sarro, sou um só.
Que só precisa de atenção.

- Caio Augusto Leite

O mundo que não seguro


Não sou desiludido,
é que as ilusões não grudam mais.

Adesivo velho,
ventosa usada,
tatuagem de chiclete.

Tudo escorre
pelos fatos
do meu corpo.

Cheio de marcas,
e demarcas de quem não voltou.

Não sou desiludido,
só estou querendo ser
a realidade mais urgente.

Mas perco a medida
quando sinto
o "amor"
- nada o segura -
pois é divino e quente.

- Caio Augusto Leite

Além do véu


Esqueci o que ia escrever,
lembro que pensava com "A hora da estrela" na mão
e que acharia muito mais graça se eu fosse atropelado ali...

Mas tinha algo antes,
e esse antes é meu mistério esquecido.

A gente que sabe, mas perde.
A gente que tem, mas é roubado.

Dane-se, o fato - amo fatos -
é que o que quer que eu fosse dizer
seria arremedo. Seria medo.

Seria opaco.

Seria palavra.

Não seria.

- Caio Augusto Leite

Eu devo parar


Leio coisas tão boas
que sinto vergonha
de ter ousado
a primeira palavra.

- Caio Augusto Leite

Estafa


Queria tanto escrever,
como um doente que anseia
a vida nessa cama branca
e nesse cheiro cadavérico de hospital.

Tento um movimento, mas sinto cansaço,
uma preguiça pueril, grande e maior do que eu
e escrever ou viver não se completa.

O jogo não se fará,
estou muito cansado
pra fechar a janela
ou fazer rima bela.

Estou muito cansado,
os braços não se movem
as pernas dormem,
as ideias correm,
e não posso ir atrás.

Deitado,
coitado,
parada cardíaca.

Vinha um troço bonito,
mas foi entubado,
o lindo no limbo.
E o corpo cansado.

- Caio Augusto Leite

Resolvendo o problema


Se a vida é um saco:
goze.

- Caio Augusto Leite

O sino que não chegou na capela do oeste


Vou dobrando o ar
que dobrou o avião.
O que sobrou
do que ficou no chão?

Meu som, meu blem-blem.

Caindo, imaterial,
não temo a morte.

Mas dobro triste,
pela bailarina
que não verá seu bem.

Dobro, dobro, dobro.
Atinjo o solo:
Amém.

- Caio Augusto Leite

Degenerado


Não.
Eu não sou um representante do nós.
Sou muito só pra ser plural,
mas muito muito pra ser sozinho.

Sou duplo, sou fútil,
sou querido, sou diário.

Odiado.
Ordinário.
Periclitante,
viciante,
maçante.

Contista? Romancista? Poemista?

Transformista.

Gênero não me pega.

Olham pra minha palavra e pensam:
que cargas d'água é isso?
Olham pra minhas pernas lisas,
homem ou mulher?

Nunca me detectam,
sou criptografia:
puro esgar de Monalisa.

- Caio Augusto Leite

Aos que já não precisam da gente


Não, não temos amigos em comum.
Temos saudades em comum.

- Caio Augusto Leite

Disse

:

- Caio Augusto Leite

,

mas

- Caio Augusto Leite

Em busca do ínfimo

...só sei que enlouqueço...

- Caio Augusto Leite

Poema quark

.

- Caio Augusto Leite

Procuro-me


Não sorria porque eu vim.
O que quero de ti, não é você.
É outra coisa, chamada eu,
que se desgarrou de mim.

- Caio Augusto Leite

Meus encantos


A partir do momento que amo,
logo não amo.
As minhas coisas estão de passagem,
num trem pra não mais voltar,
com destino ao desencanto.

- Caio Augusto Leite

Briga de estilos


O ruim de ser escritor
e crítico
é que comecei meu mestrado
e terminei com romance.

- Caio Augusto Leite

O que não se evita


Evito o suicídio,
é perda de tempo.

É só sair na varanda
e cantar...

Os homicidas preferem
os que sabem pensar.

- Caio Augusto Leite

Fim de namoro

Éramos infelizes e não sabíamos.

- Caio Augusto Leite

Saudosismo


Eu já não tenho matéria de poesia
abri meu caderno de versos

"Ouve como a mata se dissolve na noite,
logo o verde e o silvo das serpentes silenciam.
O breu devora o contorno do dia
e circunscreve toda a luz que havia..."

e pesquei esses quatro para ver
se algo acontecia.

E nada.
Eu era poeta, ainda nessa vida,
mas o que agora tenho é Saudade
e Saudade é vertigem, nunca poesia.

- Caio Augusto Leite

Crise metalinguística


... dizer prova ...

- Caio Augusto Leite

Me diz teu silêncio


Se só temos isso por dizer,
não é melhor calar?
Não é melhor dar ao outro
esse nosso silêncio
- que mesmo duro -
é mais afago pra mãe em luto,
do que os jargões de sofrimento?

- Caio Augusto Leite

Olhos nos olhos


O metrô tem muitos olhos,
eu morro de medo de olhos.
Eles podem olhar
e só por isso podem
- num átimo -
me desnudar.

Pior é elevador,
oito andares,
vinte vidas,
a eternidade.

Estou todo dia correndo, parado, o risco do desmascare.

- Caio Augusto Leite

A via única do corpo


Sou mais do que a palavra pode dizer,
a palavra é meu oco.
Mas só pelo meu oco
que chegarão ao muito prazer.

- Caio Augusto Leite

O que a gente precisa


Gosto das tuas palavras tímidas,
o silêncio do que tens de mais belo
é o que me para o tempo.

E é no tempo que para
que crio meu silêncio de dupla verdade.
Cravo no teu peito um verso
e ali nasce a eternidade.

Não sendo assim,
a gente não existe.

Eu preciso de você,
e você de mim.
A gente precisa se precisar.

- Caio Augusto Leite

Eternefêmero


A eternidade
é um farol vermelho,
bexiga cheia,
rua alagada.

A eternidade é puro relativismo.

- Caio Augusto Leite

Xis


Para Gabriela Gonçalves

Quando me fotografo
saio mais feio do que sou.
Só o outro pode captar,
num ângulo de relance,
a fugacidade de meu Adônis.

- Caio Augusto Leite

Rosa pálida


Eu queria o escândalo,
mas sou muito sândalo
pra ser arsênico.

- Caio Augusto Leite

O belo outro


A beleza está nas coisas
que não são minhas.
Exatamente por não serem minhas
e não se contaminarem com
o que tenho de mais vadio
é que elas permanecem belas.

- Caio Augusto Leite

Vontade mansa


As coisas por fazer
ainda estão naquele
estado de vontade mansa.

Vou começar,
bocejo.
Vou começar,
espreguiço.
Vou começar...

O nosso mal são os prazos,
tenho ainda uma semana.
Mas é tão urgente a vida,
viver e morrer
não marcam datas.

Ah! essa vontade mansa
que se faz fera.
na vida e na morte
tigresamente avança.

- Caio Augusto Leite

Queria voltar


Quis ser só por inteiro
e me larguei.
O problema é que não sei
onde me deixei.

- Caio Augusto Leite

O que não me alcança


Procuro músicas,
poemas,
textos tristes
para que eu me alie a eles.

Mas é impossível,
linguagem nenhuma
se alinha com minha menor dor.

Nem quando bato o dedinho na quina da mesa,
consigo contar o que senti com clareza.

E então sofro mais.

- Caio Augusto Leite

O que não me alcança


Procuro músicas,
poemas,
textos tristes
para que eu me alie a eles.

Mas é impossível,
linguagem nenhuma
se alinha com minha menor dor.

Nem quando bato o dedinho na quina da mesa,
consigo contar o que senti com clareza.

E então sofro mais.

- Caio Augusto Leite

Masoquista vida


A felicidade em gotas,
mas podia ter cotas.
Carregas o mundo nas costas,
mas sorri, pois no fundo gostas.

- Caio Augusto Leite

Desacolhidos


Rapaz, como eu,
e como te entendo.
O que existe
em nossas mãos?

Por que não temos rosas,
e por que dói
a dor que não é nossa?

Por que temos essa chaga,
será que não chega
de espalhar o carmim
e se chegar em mim?

Rapaz, como eu,
como é viver
com a impressão
que se morreu?

Estou completamente desponderado,
ou foi a balança do mundo
que perdeu o tino?

Se me mato, traio Deus.
Mas me matam e Deus me trai.

Eu rezava, até ontem,
eu cantava até ontem.
Mas como os sonsos,
que precisam sobreviver,
eu me calei.

E a minha mudez,
de súbito espanto,
se espalhou em grito geral.

Estamos perto do que é ilegal,
do naufrágio subjetivo.
Estamos calando a palavra,
para não colher balas de oitocentas metralhadoras.

Não estamos ficando em,
estamos virando o:
O Silêncio.

- Caio Augusto Leite

Sorrir


A tristeza passa,
porque a felicidade amassa.

- Caio Augusto Leite

Plural


Passa outono,
passa inverno,
o verão
que primavera.

E não me adapto,
pois sou diverso.
Tenho mais estações,
constantemente mudo,
meu fim é o universo.

- Caio Augusto Leite

Caso curioso


Acho engraçado
quando minha palavra
chega no outro.

Ela costuma ser meu maior muro.

- Caio Augusto Leite

A dor que deveras sentes


Caio Augusto Leite
Caio Augusto Leite
Caio Augusto Leite
Caio Augusto Leite,

espera, sou eu mesmo no poema?

- Caio Augusto Leite

Eu na vida

...Caio
Caio
Caio,
meu nome é um barato.

- Caio Augusto Leite

Coração sem verbo


Ando muito metalinguista,
mas que posso fazer
se ela foi embora,
se não tenho mais conta no florista?

É o que me resta,
falar do falar.

A vida não é bonita.

- Caio Augusto Leite

Quem souber me explica


Apaguei muito do que escrevi,
é que eu não sei escrever.
Eu intuo a palavra,
porque ela está aqui,
eu sinto suas contrações
e sei que pulsa.

Eu não escrevo,
eu vomito,
eu desmaio,
eu transito... que são verbos intransitivos?

Ah, não sei o que é,
mas estou escrevendo
e isso é natural
como respirar,
está vendo?

Não, não está.
O milagre não se anuncia.

Não sei como faço.

É como quem planta e não colhe,
como quem multiplica rosas apenas por ser.

Escrevo sendo e por isso apago,
mudo muito. Não tenho contorno.

Escrever é morrer
e nem todos estão dispostos.

Não sei como faço,
veja só, está aí
e nem sei de onde é que veio.

Entre as entrelinhas
é que há mistério.

- Caio Augusto Leite

Ávido leitor


Devora-me
ou te decifro.

- Caio Augusto Leite

Estoico


Não corra,
não breque,
não pire...

Não-pira,
não queime tudo.

O já é já
e já passou.

Sei que me iludo,
escrevo num já,
tu lês um lá,
já somos cá.

E sou feliz.

Não corra, porra!

- Caio Augusto Leite

Inconcluível


Sei que preciso
não aceitar-me.
Tornar-me seria
o meu crime maior.

Não quero completar-me,
deixe-me faltando,
deixe-me elipse,

Viu as estrelas?
Serei anacoluto,
sou reticências...

- Caio Augusto Leite

Seja


Ser revolucionário
é Ser.

- Caio Augusto Leite

Maisena


Foi por perder,
melhor,
por perceber não ter
o que podia ter tido
que entendi
que o amor era mingau
ficou aguado
puro amido.

Só amigo.

- Caio Augusto Leite

Dê um gole


Felicidade é guaraná
uma vez aberta, tome
ou o gás vai escapar.

- Caio Augusto Leite

Papinho cético


- O que será que tem depois da morte.
- O mesmo que antes.
- O quê?
- Nada.

- Caio Augusto Leite

Saudade dominante


Tenho certeza
que o amor
é meu gene recessivo.

- Caio Augusto Leite

Versinhos conformistas


Meu modo é sozinho,
não adianta sonhar,
sou muito desistível.

- Caio Augusto Leite

A que não morre


Mato baratas,
formigas
e mosquitos,
odeio insetos.

Mas tenho uma paixão,
uma exceção
que mantenho viva
- verde e frágil -
A esperança.

- Caio Augusto Leite

Quase Natal


Já era fim de ano,
cheguei e a casa enfeitada
com luzes e luzinhas.

Estrelinhas na varanda,
pisca-pisca.
E eu me perguntava
com a vista colorida...

... quem é que botaria estrelinhas
na minha vida?

- Caio Augusto Leite

Entrelinhas


E das formas de comunicar,
o que me restou?
A palavra,
é por isso que sofro.

Fiquei com a pior,
enquanto digo - não digo -
eis minha salvação
e meu perigo.

Te ganho e te perco,
te anuncio e te dispenso.
Não sei fazer sentido.

Talvez eu cale,
mas como calar
se só a palavra
pode revelar?

Revelar a ostra oca?
Revelar o mistério a mais.
Dentro da entrelinha
se aperta a coisa viva

que não é a palavra,
que por mais que queira
será sempre a Impedida.

- Caio Augusto Leite

A causa maior


Vivemos em função de um "tu".
Cuidamos do cabelo,
emagrecemos,
ganhamos dinheiro,
tudo por um "tu"
que não existe
e que se existe
está vivendo por "tu"
que não sou eu.
Será você?

- Caio Augusto Leite

Esgotados


Saiu de cartaz
o filme que não fomos ver.
O que nos adiou?

De que adiantou
comprar os ingressos
se queríamos ficar em casa?

Nós queríamos ficar em casa?
Não,
apenas não queríamos encarar
o que já não era espelho.

Eu já não te conhecia
e nem me reconhecia
em você.

Onde foram parar
aqueles gostos
em comum?

O ódio pelo domingo,
chocolate branco,
cinema mudo.

Mudamos.

Saímos de cartaz
e nunca mais íamos nos ver.

- Caio Augusto Leite

Restos de poesia


Escrevi "Vou-me embora pra Pasárgada"
no livro de Engenharia.

No outro dia, nada mais havia.
A realidade esmagou a
f a n t a s i a.

Mas reescrevo.
vai que fica? Um dia fica.

E se sumir, amanhã recomeço...

- Caio Augusto Leite

Existencialismo impossível


O que não entendo,
não existe.
E por pensar em mim,
desapareço.

- Caio Augusto Leite

Desígnio alterado


O fato do meu horóscopo nunca dar certo só comprova o fato de que fui adotado.

- Caio Augusto Leite

Parteiro

Eu teria mais sucesso profissional, se não houvesse tantos textos pedindo pra nascer, pra me nascer.

- Caio Augusto Leite

Existir


Algo me fazia
e estava me fazendo
isso era, sem eu saber,
o já.

- Caio Augusto Leite

É flor foi


Tenho o calor
da flor
que nasceu
das mãos
do tempo
nesse instante
e por isso
sou vivo
e me furto
o direito
de te contar...

... contar
aquilo
que não
é mais
pois
a flor
só é
quando...

... e não tem,
e não sei
como ser
novamente...

... novamente
é perigoso
por isso esqueço
e me torno o sim...

... o sim
que não suporta
o fim, que precisa
existir antes
de reticências,
depois,
que precisa
ser as reticências...

... é,
não é,
o que fica
é a lembrança
do calor
de ser flor...

... acabou ...

- Caio Augusto Leite

Distraído

Eu nunca soube aproveitar a felicidade. Borboleta azul. Quando a noto, pássaro tímido, já voou. Preciso ser feliz sem saber.É meu modo. Por exemplo agora, estou feliz? Melhor não pensar, vai que a encontro e ela começa a voar?

- Caio Augusto Leite 

Dissecando um canção

Me peguei pensando em Cazuza e me desculpe, mas que ideias correspondem aos fatos? Uma ideia é sempre uma promessa, um escândalo, uma revolução. Ideia que corresponde ao fato é conformismo.

- Caio Augusto Leite

Feriado, abacate e consciência


Me deu vontade de falar sobre abacates. Mas não muito, pois me sinto cansado. Apenas me intrigou o fato de que tem gente que os come com sal. Elas são estranhas. Ou seria eu o estranho? É por achar o que come abacate com sal estranho que eu me torno humano. Pois não é assim que nascem os preconceitos?

20/11/12

- Caio Augusto Leite

Pedro pedreiro


Pedro.
Pedra.
Rocha.
Duro.
É duro
ser Pedro e aguentar essa água mole todo dia.

- Caio Augusto Leite

Açougue


Por que me retalham em prosas que não sou? Em poemas que não sou? Em frases que não sou? Talvez seja mais fácil me entender, como o cientista que precisou dividir o corpo em tantas partes. Cabeça, tronco e membros. Mas a verdade é que conhecendo meus pés, meus braços serão sempre desconhecidos. E o que for entendido será ato falho. Se não me entendo na completude, como me entender na fração? Quanto mais me dividem menos sabem de mim e mais sei de vocês que só querem um Santo para coroar. Um homem pra sacrificar. E eu não aceito. Não sou tábua de salvação. Gosto da minha humanidade impossível. E mesmo inteiro estou sempre me multiplicando, qual rosto te olha agora, qual boca que fala? Nem mesmo eu sei. É que eu sou trezentos, trezentos e cinquenta...

- Caio Augusto Leite

Sem saudade

E ainda não era amor, pois ainda não era ausência.

- Caio Augusto Leite

Estado terminal

Desde criança tenho essa sensação de possuir uma doença incurável. Cada dor de dente podia ser o início da minha morte anunciada. Mas eu não morria. Um dia, talvez, eu descubra que isso é o que chamamos de "Vida". Pois não é partir do momento em que o óvulo é fecundado (começo) que se contrai essa doença terminal?

- Caio Augusto Leite

No meu tempo

Não me imponham a escrita. Escrever é meu ato desesperado. Escrever é o remo que me ajuda a chegar nesse Eldorado. De me religar ao elo perdido do mundo, que é a palavra "Liberdade".

- Caio Augusto Leite

Ilhamento

Só não venham podar a minha timidez. É através dela que vejo o que ainda não viu a humanidade. É através dela que carrego o mundo nas costas e que amo nos bastidores. É só pela timidez que eu consigo ser. Longe dela eu sou um profano. Longe dela eu sou vocês.

- Caio Augusto Leite

Meu crime maior

Certo dia numa estação de metrô, enquanto subia as escadas, dei com um senhor na minha frente. Ele subia com vagar. Eu, como tinha a pressa do mundo, o ultrapassei com passos duros e barulhentos. Aquilo era uma agressão. A maior que se pode fazer. Querer adiantar o tempo que cada um de nós temos. Isso não se faz. Eu não podia me perdoar. Foi então que descobri: Eu era um facínora.

- Caio Augusto Leite

Não amar


Meus amores eternos
vestiram ternos,
foram enterrados.

Meus amores errados
foram cremados,
jogados no mar.

Meus amores,
quantas dores
rimar.

Meus amores
não ter,
perder.

Meus amores,
não sei.
Cansei.

- Caio Augusto Leite

Todo dia


Por não ter todo o mundo
olho o mundo que tenho.
É assim que escrevo,
minha poesia é feita
de nadas.

- Caio Augusto Leite

Guerras


Quando não explodem por fora,
explodem por dentro.
Não sei qual mata mais,
só sei que não tem jeito.

Somos o avesso da paz.

- Caio Augusto Leite

Impossível ciclo

Não tenho leitores, tenho amigos. Tendo amigos, não sou sozinho. Tendo companhia, não mais escrevo. Sem escrever, não tenho leitores. Sem leitores, não tenho amigos. Sem amigos, volto a escrever. E escrevendo ganho amigos. Tendo amigos, não sou sozinho. Não tenho fim.

- Caio Augusto Leite

Desperdício


Enquanto uns curtem a vida. A minha vai me encurtando.

- Caio Augusto Leite

Agora sou

Não é verdade que eu não me amava.
Eu simplesmente não existia.
Foi preciso perder-me tanto, para achar-me imenso.

- Caio Augusto Leite

Liga-vida


Nervo ciático,
Nero incendiário.
Verso caótico,
Mais um crediário.

Coisas assim
que parecem
não se ligar

e que chamamos de vida.

- Caio Augusto Leite

Químico


Química é poesia,
dois elementos,
suponhamos que pessoas,
juntos demais:
explodem.

- Caio Augusto Leite

Complicações do primeiro encontro


Olhos nos olhos,
eu fico sem jeito.
Mão na mão,
eu morro de medo.

Você me chamando,
Ai meu Deus!
Teu cheiro exalando,
tentação.

Teu rosto perto,
o resto é só longe.
Tua boca. A minha.
Se tocam.

Tenho medo de amar,
pois sei que a saudade
pode ser maior que eu
quando tudo acabar.

Fique.

- Caio Augusto Leite

Continuar


Nem parece que ontem te amava,
quem diria, que coisa louca.

Mal partiste e meu coração
já palpita por outra pessoa.

- Caio Augusto Leite

Acabou, Pixinguinha


Meu coração não bate feliz
quando te vê,
porque não existe felicidade
e você é uma idiota.

Meus olhos não sorriem
porque não têm boca.
E não te seguem
porque não têm pernas.

Você não foge de mim,
eu é que não te quero
nem pintada de ouro.

Não sou carinhoso.
Sou disperso, desapegado
e sem tempo para
declarações de amor.

E esse, muito, muito que te quero,
entendam, é só sexo.

Sincero? Melhor não ser,
assustaria.

E só assim serei feliz?
Acho que preciso de mais
do que alguém tão insonsa
como você para me satisfazer.

O amor, meu amorzinho, não existe.

- Caio Augusto Leite

Esquálido e noturno


As coisas nunca são,
porque ser é perder.
As coisas quando planos
são pianos desafinados.

Queríamos aquela sinfonia,
a mais bela primavera.
Mas o que ganhamos
foi a rabeca, foi a elegia, foi a treva.

- Caio Augusto Leite

Sonho


Não escreverei livros de prateleira,
lidos,
nem lidos,
esquecidos.

Escreverei livros de cabeceira.

- Caio Augusto Leite

Restos do carnaval

(De Clarice Lispector)


Papel de rosa,
da mãe da outra.
Broto novo,
cidade velha.

Boca rosa,
Mamãe chorava.
Inveja boa,
alegria cinza.

E eu saía
para achar
o que eu não era.

Os mascarados,
a minha dúvida.
O meu medo,
eu tão sozinha.

Mas os confetes
no fim do dia.

Eu entendia,
não mais menina:
eu era rosa,
agora,
na rua
no corpo
na fantasia.

- Caio Augusto Leite