segunda-feira, 30 de abril de 2012

O mais remoto de mim



Meu coração separado
e unido por um oceano.
Um lado é da América,
o outro é africano.

Esse mar chama-se Europa,
que assim me dividiu.
Pra lá ficou a África,
aqui o meu Brasil.

Que negue-se o pai, até vai.
Mas jamais a mãe.
Minha Mãe é tua mãe,
que é mãe de todos nós.

Em meu sangue as águas
do Amazonas correm
e nas do Congo,
tão remotas, caem.

Meu coração separado
por lágrimas de sal.
Inda nos une a boca,
língua pai de Portugal.

Canto, distante canto,
que ecoa nos recantos de lugar nenhum.
Pelas cidades, pelas marés, pelos muceques,
logo seremos um.

Meu coração estava separado,
encontrei minha metade.
É seu grito d'outro lado do oceano
que me devolve a identidade.


- Caio Augusto Leite

domingo, 29 de abril de 2012

Reflexões sem resultado


Dentro de mim, talvez alma,
creio que água.

Dentro da terra, talvez inferno,
creio que magma.

Não sei qual verdade
é a mais absurda:

A que me contaram,
a que creio ou a que inventaram.

- Caio Augusto Leite

Brasil mestiço (Alumiai)


Alumia o breu,
alumia o meu, o teu,
todos os corações.

Rompe as emoções,
tamborim,
samba eu canto assim...

Ê Candeia,
Ê Nogueira,
Ê Pinheiro.

Vai resplandescer,
é alvorada no morro
é o sol, vamos sorrir.

No seio do seio da vida,
Brasil e África
na mesma batida.

Ê Cartola
Ê Cavaquinho
Ê Caymmi.

Sangue mestiço,
brilha a morena,
é o gingado nas veias.

Micróbio do samba
me pegou,
e agora doutor?

Ê Mãe do mar
Ê Clementina
Ê Ijexá

Deusa, deusa Clara.
Clara claridade.
Santa Clara alumiai

- Caio Augusto Leite

sábado, 28 de abril de 2012

Bastidores


Levanto, coloco meus chinelos com meia.
Tomo meu café, meu pão com manteiga.
Olho pela janela:

Um homem rouba uma mulher,
um carro quase atropela um cachorro,
um avião plana nas nuvens.

Um vaso cai na cabeça do bandido,
o avião desparece no céu,
o cachorro faz pipi no poste.

Tudo perfeito.

Cerro a cortina,
desligo a TV.
Pego a caneta,
suspiro em silêncio.

Agora sim virá a poesia...

- Caio Augusto Leite

Quixotesco


Eu sou a notícia,
eu sou o agora.
Eu sou o pra sempre.

Eu sou o instante,
eu sou o hoje.
Eu sou tão hoje, que sou ontem.

Eu sou o cavaleiro,
eu sou o escudeiro,
eu sou o inimigo.

Eu sou o vento,
eu sou o moinho,
eu sou o trigo.

Eu sou o tempo,
eu sou o nunca,
eu sou, eu sou, eu sou.

E de tanto repetir eu acabo sendo.

- Caio Augusto Leite

Pinheiro-do-Paraná


Altas araucárias,
atualmente autistas.
São serradas,
são surradas,
são vendidas.

Gralhas gritam,
gralhas querem:
guerra, guerra.

Muito Paraná,
pra pouca pinha.
Muito mato, mata não.
Mato manso, mansidão.

Altas araucárias,
aliteram a poesia.
Vem o homem, corta tudo,
faz seu pasto, faz seu lastro, faz seu ritmo.

- Caio Augusto Leite 

Do arquivo nacional


Descrição: Relato de um índio transcrito por José da Silva, homem letrado de sua época. Versão em português atualizado. R.O - 1990.

Eu tinha um cocar,
eu tinha um arco,
eu tinha amor.

Veio o branco e me levou.

Eu tinha Tupã,
eu tinha Iara,
eu tinha um amor.

Veio o branco e me levou.

Eu tinha uma oca,
eu tinha uma língua,
eu tinha um amor.

Veio o branco me levou.

Ganhei novo nome,
ganhei novo deus,
ganhei nova língua.

Nunca me deram outro amor,
o amor que tive,
o branco veio e me levou.

                                                  José da Silva, 19 de abril de 1570


- Caio Augusto Leite

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Brazil, meu Brasil


Globalização, não te quero.
Meu peito ainda nem se embrasileirou.
Mundo, mais tarde te ganho,
primeiro preciso domar o verde e o amarelo.

- Caio Augusto Leite

Paixão



Madrugada, sábado, o sol nem pensa em sair do seu lar no horizonte. Pelo chão uma sandália prateada um vestido de lantejoulas coloridas, uma mulher nua deitada na cama. O fino lençol desenha seu corpo curvilíneo, como as esculturas em mármore das deusas do Olimpo. A cabelereira ruiva contrasta com o claro das roupas de cama, parece que sua cabeça arde em chamas.  Em chamas arde o meu coração, seria amor? Ou paixão? Nobres sentimentos que não reconheço. Em minhas mãos a taça que ainda conserva o quente dos lábios dela, a marca de batom bordô, a lembrança do beijo nos meus lábios – também quentes, como em febre. Tremo, tenho medo da manhã seguinte, do que será de mim.                                                                                   


Lembro-me dos meus momentos antes de hoje, a solidão, a tristeza, a desesperança. Nada era verde. Os desejos encobriam o céu, já não havia o azul. A cidade era grande demais, os carros rápidos demais, as pessoas eram demais. E eu era pequeno demais para todo esse mundo super-hiper-mega-moderno. Eis que surge do breu mais breu da noite seus olhos de avelã. Ela, sem nome – por enquanto – logo descubro, mas não digo. Eis que surge no meu caminho, que pedra o quê! Era um monolito exalando sedução pelos poros com creme perfumado. Ela pede minha mão, quer dançar, eu não sei, eu invento uma dança, ela gosta, ela ri, ela me abraça. Seus cabelos também têm cheiro bom. Ela cochicha no meu ouvido “Vamos dar uma volta” – eu me arrepio por inteiro.                

Cruzamos a porta dupla, ganhamos as calçadas, a grande noite. Andamos como dois boêmios pelos caminhos que não levariam a lugar algum. Ela me para, eu fico atônito, sou inseguro. Guia-me até um beco, eu suo frio. Levanta sua coxa que roça na minha, pela primeira vez dá sinal de humanidade, de instinto, de fome. E eu que achava que ela era um anjo. Mas de repente me disse coisas bonitas e eu recriei sua forma de Vênus em minha mente. Eu queria continuar ali, era tão bom. Ela me convenceu a levá-la para um lugar mais íntimo. Seguimos até minha casa, sou amador ainda, não sei os truques e trapaças da conquista. Chegamos, beijamos, amei, transamos. Ela adormeceu e agora aqui estou eu.                                                                                                      

Um barulho de vidro quebrando e eu desperto de repente, cochilei, pesquei – como diz o popular. Meu olhar vaga pelo quarto e ela não está mais, o lençol apagou, o sol acendeu. Levanto e sinto uma dor aguda nos pés, era a taça que havia caído, quebrado, me acordado pra realidade. A marca de batom ficou espatifada pelo chão em mil cacos, mil beijos refletidos, mil beijos partidos, perdidos. Um ventinho frio como a morte entra pela janela, os meus lábios estão frios, estavam anestesiados. Anestesiado estava o coração, e eu ainda sou jovem, jovem demais pra entender o quanto vai doer a desilusão de uma paixão, da primeira paixão. Por enquanto estou suspenso no espanto, mas logo vem a punhalada que afundará em meu peito, pouco a pouco, no correr dos anos. Na vida, só se morre de amor, de paixão a gente sofre. Vênus foi embora, Vênus nunca esteve. 



- Caio Augusto Leite

A farda empoeirada


Todas as guerras, não lutei.
Não subi em avião,
não disparei canhão,
não quis pegar fuzil.

Todas as minhas guerras, já perdi
O amor não procurei,
a amizade não prendi,
a saudade não matei.

Todas as guerras que ignorei
hoje voltam piores do que foram.
O homem morto no navio, a criança de Hiroshima,
a doce amante que não tive.

Mea culpa,
mea culpa,
mea maxima culpa.

Pequei a omissão,
grande amargura
me corrói o coração.

Essas guerras, antes lutasse.
Talvez perdesse.
Mas jamais vivesse
com o risco dessa bomba em mim.

Tic-tac,
dia pós dia.
Tic-tac,
mas que agonia.

Tic-tac,
logo explode.
Tic-tac,
tic-tac
tic...

- Caio Augusto Leite

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Modernismo moderníssimo


No meio do poema atravessou o toque do telefone...
trim, trim, trim.
Falava de amor,
voltei e perdi o tom.
Acabei falando de mar,
nada com nada. Nem sei nadar.
Nada mais precisa ter sentido,
depois que inventaram o telefone.

- Caio Augusto Leite

Quem é poeta pode responder


Os poetas não são tristes,
tristes são as camadas mais superficiais do ser.
Os poetas moram no fim do fundo do peito,
protegidos do vento, do tempo, das dores do momento.

Os poetas não vivem a miséria,
não passam fome,
não temem guerras.
Os poetas falam de tudo, grande coragem.

Os poetas de verdade não sabem que são,
vivem no limiar da dúvida,
ficam caçando estrelas,
colhendo flores.

Os poetas são tolos, mas no bom sentido.
São tolos como meninos
que tomam choque na tomada.

Os poetas escrevem,
e só se percebem no mundo
quando alguém os nomeia.

Os poetas não gostam desse nome:
toda palavra é redutora,
isso o poeta sabe.

O sonho dos poetas é alcançar a palavra que expande,
que faz do grão poeira de areia,
a grã galáxia Láctea.

Os poetas estão falando menos,
quisera eu ser poeta,
mas falei demais, queimei a poesia.

Os poetas, eu não sei.

- Caio Augusto Leite

Incautas afirmações sobre o amor


O amor é um termo variante,
quando tentar prendê-lo na gramática
pá! já mudou.

É plural, são singulares,
são menino, é meninas.

O amor é um pássaro diletante,
quando tentar prender sua voz,
pá! já subiu o tom.

Uma, duas, três oitavas.
Voz absoluta.

O amor é a luz na máxima velocidade,
quando tentar capturar seus fótons,
pá! já alcançou a eternidade.

Pra lá do céu, do sol,
das estrelas mais remotas.

O amor é um risco.
Risco que é efêmero,
risco que é perigo.

- O amor é ambíguo,
o amor não tem sentido.


- Caio Augusto Leite

Naquele olhar


Num momento exato,
seus olhos, de relance, capto.
Vários olhares,
todos os olhares,
olhar nenhum.

Não era meu o teu olhar,
mas eu que sou sozinho
queria te espiar.

No momento errado,
seus olhos, de relance, capto.
Me perco num amor inexistente,
que se esvai no tempo...

Não era teu o teu olhar,
era só reflexo em arco.
Admirava o nada,
e nada me tornava em seu olhar relapso.

- Caio Augusto Leite

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Afogue-se


Afogar-se,
afogar-se de súbito.
De decúbito dorsal
e afundar dizendo adeus
para as estrelas do vasto imenso.

Afogar-se
de corpo e água,
que se vá a alma.

Afogar-se
tão completamente
que a luz do sol
não mais me encontre.

Afogar-se nesse mar
e encontrar a paz
do paraíso.

Mas um paraíso refletido,
o inverso que Deus criou
nesse mar português.

Quando a vida for dura,
quando o amor for triste
quando a saudade apertar...

...diga adeus às estrelas
e se afogue nesse mar.


- Caio Augusto Leite

Triste canção da canção que não é mais canção


Todas as canções perderam o valor,
o sentido, o dom de iludir.
Não encontro o amor nos versos,
não encontro a paz na melodia.

Todas as canções perderam a voz,
as canções foram embaladas
e não mais embalam
meus sonhos juvenis.

- Caio Augusto Leite

A poesia de todo dia


Vermelho, vermelho, vermelho.
Um mar, uma fruta, um amor.

A palavra encerra em si a poesia.

- Caio Augusto Leite

terça-feira, 24 de abril de 2012

A segunda aroeira


No galho da aroeira
o pássaro avança na conquista,
a bela pássara almeja.

O vento da tarde passa pelas penas,
treme a árvore
e as folhas rumorejam.

É o sinal da natureza,
que algo se aproxima,
toma cuidado aroreira.

Botas de couro duro
pisam com força as folhas secas,
o perigo ronda o casal de aves negras.

Um estrondo maior que a morte,
dispara no ar feito trovão
e faz no destino um corte.

..vão se embora os caçadores...

Ela vai, ele fica.
A aroeira de testemunha
encobre a vítima.

Em folhas, em frutos,
o viúvo chora
lágrimas de luto.

Do solo ali nova árvore surgiu,
o pássaro negro sempre volta,
voltará a vida inteira.

O amor brotou da terra em forma de aroeira.

- Caio Augusto Leite

Gira-gira


No cerne da rosa,
voltas e voltas
de cetim vermelho,
doce aroma.

Na conha do caracol,
voltas e voltas
na dura casca,
eterna casa.

No redemoinho de vento,
voltas e voltas,
um saci peralta
fervendo o leite.

Na cintura do planeta,
voltas e voltas,
o dia, o ano,
o tempo passando.

Na dança de nossas vidas,
voltas e voltas,
você indo, você voltando
meu coração desesperando...

- Caio Augusto Leite

Destinado a ser


Medroso demais pra jornalista,
curvo demais pra ser cubista.

Essa coisa é o que me resta,
ser menino, ser poeta.

- Caio Augusto Leite

Morreu Omar

O mar, Omar.
O mar mareou Omar.
Omar caiu no mar,
naufrago, trágico.

Morreu Omar no mar.

E o Osmar que mora em São Paulo,
nada tem a ver com mar, com Omar.
No fim da rua morre Omar,
e a gente sem saber, somos Osmar.

- Caio Augusto Leite 

Fora da média


Minimalismo,
contenções,
micro-canções,
sussurro de voz.

E EU AQUI ESCREVENDO EM LETRAS MAIÚSCULAS,
BERRANDO MEU TEXTO,
GRITANDO MINHAS CANÇÕES,
IMPLODINDO TODA CONVENÇÃO MODERNA,
EXPLODINDO TODO O TÉDIO DO CORAÇÃO.

- Caio Augusto Leite

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Nem eu


Quem dera o vento não soprasse,
a dor não martelasse,
o medo não apertasse.

Todo mundo me chama de sozinho,
mas erram de verdade.
Pois meu nome,
meu nome é saudade.

Certidão que o tempo me deu,
que a vida entregou,
que a treva alumiou.
Às vezes nem isso.

Sem vida,
sem nome,
sem saudade.
De fato, sem mim em absoluto.


- Caio Augusto Leite

domingo, 22 de abril de 2012

Sem meias, nem meio amor


Por que as meias estão no quarto dos meus pais?
Agora eles dormem
e faz frio.

Não posso fazer barulho,
não posso pegar meias,
mas faz frio.

O meu amor é um par de meias,
sei que existe, mas não tenho
e faz frio.

O pé na noite escura,
o amor na vida curta,
o frio pra todo sempre.

- Caio Augusto Leite

Nunca amou


Porque eu sou triste
e você não me ama.
Porque eu sou sozinho
e você não me ama.

Eu invento meus motivos,
eu finjo que estou bem.
Eu fujo da verdade,
eu não consigo viver sem.

A noite caiu sobre as rosas,
as estrelas estão longe.
A lua nem apareceu.

A beleza de tudo se foi,
porque eu estou triste,
porque eu sou triste
e você não me ama.

- Caio Augusto Leite

A carta que não fiz


Eu queria fazer um poema de amor
que fosse uma carta pra você.
Onde eu pudesse escrever coisas banais,
mandar notícias, falar do clima.

Um poema, uma carta,
que dissesse do meu amor.
Que não deixasse dúvidas,
que te fizesse sorrir.

Queria fazer esse poema num dia de sol,
num banco de praça,
a tarde azul, repleta de desejos.

Quem dera eu fizesse essa carta,
mas eu não lembro seu endereço,
e não lembro seu nome.

Se um dia eu escrever esse poema,
eu jogo no fogo.
Para que as palavras, agora cinzas,
encontrem abrigo na lareira do seu coração.

Eu queria fazer um poema de amor...


- Caio Augusto Leite

sábado, 21 de abril de 2012

Românticos demais


Quanto medo fingido.
Quanta solidão inventada.
Quanta dor de mentira.
Quanta saudade de nada.

- O mal do século é a presunção.

- Caio Augusto Leite

Aproximações linguísticas


Piri, Pari, Peri.
Ceci, saci, Saussure.
Teta, teto, tete.

Morango, maçã, coração.
Banana, sol, maracujá.
Abacate, clorofila, limão.

Casa, lar, apartamento.
Rua, viela, avenida.
Menina, garota, mulher.

Vida e morte.
Conflito e Paz.
Medo e coragem.

Cansei das teorias,
de que serve reunir palavras
se as conversas vão sempre misturá-las?

- Caio Augusto Leite

Em qualquer dia


Corpo sob o chuveiro,
chuva sob a cidade.
Cidade num tiroteio.
Tiros perdidos no vento.

Gente morrendo,
gente nascendo.
E eu cantarolando
sob a água do chuveiro.

- Caio Augusto Leite

Amoroso


O mistério de um no outro,
a coisa mais simples,
mais remota
e mais natural.

As flores unidas,
um beijo fecundo.
Poderia ser só um ato,
só propagação de espécie.

Seria, se fossem egoístas.
Se fossem humanos de fato.
Mas havia uma coisa estranha ali,
um som indefinido, um chiado no peito.

Poderia ter sido só mais uma noite,
mas os corpos se entendiam,
as almas se entendiam,
e as bocas, ah as bocas nada diziam.

Poderia ter sido, mas acontece que havia mel,
havia cor,
havia céu.
Pra ser mais claro, havia amor.

- Caio Augusto Leite

Tipo Carolina


Pelo cristal da vidraça
um crime ocorreu.
O rapaz de rosto macio
se encriminou quando a faca
de cozinha na moça atravessou.

Pelo cristal da vidraça
um acidente aconteceu.
O carro capotou
três morreram,
um viveu.

Pelo cristal da vidraça,
um casal se formou.
Uma aliança de prata,
um beijo estalado,
meu coração invejou.

Pelo cristal da vidraça
o mês acabou,
o ano acabou,
o mundo acabou.

Pelo cristal da vidraça,
minha vida passou...

- Caio Augusto Leite

Não sei meu lugar


Não sou a grande promessa
do futebol,
da música,
do cinema.

Não vou ser indicado
ao Grammy,
ao Oscar,
pra craque da bola.

Não vim pra salvar
o Brasil
o mundo
você.

Não sou a revelação do ano,
sou um mistério até pra mim.
Ou talvez seja só o vazio,
não sou o anjo que prenuncia o fim.

Não sei,
não sou.
Não vou.
Eu vim só pra poder voltar.

- Caio Augusto Leite

Marcha do amor que já vem


Vem, vem, amor
vem que a folia já chegou.
Vem, vem sambar.
que a alegria foi feita pra gastar.


Vem, vem, amor
não demora,
vem agora,
faz favor.

Vem, vem, amor
abre os braços
canta alto
espanta a dor.


Vem, vem, amor.
vem que a tristeza já secou.
Vem, vem cantar,
que a saudade não foi feita pra ficar.

Vem, vem, amor
não demora,
vem agora,
faz favor.

Vem, vem, amor
abre os braços
canta alto
espanta a dor.

- Caio Augusto Leite

Azulejo


Azulejo lascado na parede,
azul vejo ao meio.
A lua do lado esquerdo,
repartido o barco negro.

A viagem que não foi,
o naufrágio do sentimento.
Foi seu murro furioso
que partiu o azulejo.

Azuelejo lascado na parede,
coração lascado permanente.
Azul que pode ser trocado,
vermelho que não tem mais jeito.

O beijo ficou no meio,
a dor ficou inteira.
A saudade fez morada,
na parede aqui de casa.

Azulejo lascado na parede,
ferida latente.
Sangra pelo buraco as memórias,
não valeu a pena, o amor mente.

Mas formigas saíram do rachado,
em fila, alegres, perdidas.
Nada é em vão, ficarei bem,
mas ainda o azulejo.

Azulejo lascado na parede...

- Caio Augusto Leite 

Ruindo o amor


Vai, leva tua certeza.
Tuas cartas, tua leveza.
Vai, leva teu sorriso,
teu amargo sorriso.

Vai, leva tudo que não é meu.
Essa cara amarrada, essa cara de nada.
Vai, leva o beijo rompido, o amor desistido,
tua voz, teus nós, teu vestido.

Vai, leva a saudade, a amizade, a coragem.
Tudo que já foi, tudo que não vai ser.
Vai, leva a mortalha do tempo e a muralha do tédio,
mas deixe as cópias das chaves do prédio.

Vai, o tempo passou.
O poema enclichezou.
Se você não for,
eu vou.

- Caio Augusto Leite

Caducagem


Não há mais utopia,
todo lugar é lugar,
lugar-comum,
arremedo de invenção.

As pedras que rolam,
a chuva, o sol, a luz.
Tudo é refletido, tudo é repetição.

Até minha rima, que evito,
traz o passado no som,
saudável recordação.

Vivo preso num quadro, numa foto.
A lagoa azul na sessão da tarde,
o último capítulo da novela.

Quem sabe de um, sabe de todos.
Quem sabe de todos, sabe de ninguém.
A não-pessoa, o não-interior.

Meu verso quer a utopia,
lugar ali, sem lugar,
lugar-nenhum,
tentativa vã de abstração.

- Caio Augusto Leite

sexta-feira, 20 de abril de 2012

O que eu amo em você


Amo teus pleonasmos,
entrar pra dentro do coração.
Amo teus erros ortográficos,
deicha o destino decidir.

Amo tua concordância,
as flores é linda.
Amo também a falta de vírgula,
amo comer você cinema.

Eu amo seus pingos nos is
corações pequeninos.
Amo como corta os tês,
traços precisos.

Mas o que eu amo em você,
apesar de tudo, são suas palavras.
Que voando no ar preenchem
minhas páginas tão vazias.

- Caio Augusto Leite

Conselho de mulher


Mulher larga disso, larga as panelas.
Não se prende no homem,
que homem é arapuca.

Te dá beijo,
te dá presente,
mas tem sempre uma desculpa.

Presta atenção, abre esses olhos.
Falou que vai na esquina
e já te meteu os cornos.

Mulher larga disso, larga as flanelas.
Não se prenda em casa,
não faz do lar sua cela.

Cuida dos filhos,
mas cuida de ti.
Não seja mucama.

Presta atenção, não cai nesse jogo.
Lábia de homem gruda na gente,
é pior que piolho.

Mulher larga disso só se ruim for,
mas zela esse homem, se ele tiver carinho,
se ele te der livros, se ele te der amor.

- Caio Augusto Leite

O samba, o samba e nada mais


Eu queria ser bamba,
ser corda
de caçamba.

Mas não tenho cadência,
nem paciência,
não sei fazer samba.

Não sou viola,
não sou pandeiro,
não sou cuíca.

Sou verso sussurro,
quase calado,
ritmo duro.

Não tenho o berenguendem que a mulata tem.
Não tenho a malícia do malandro,
mas não deixo de cantar...

...quem não gosta de samba bom sujeito não é,
é ruim da cabeça ou doente do pé...

- Caio Augusto Leite

Lamento noturno


Minha dor é enorme,
ecoa meu lamento
por todas as ladeiras
por todos os cantos
do chão ao firmamento.

Minha dor é enorme,
não relaxa, não afrouxa.
Aperta meu peito,
marca a pele, deixa roxa.

Minha dor é enorme,
está pra lá do horizonte.
No sem fim do mundo,
no começo de tudo,
no profundo do ser.

Minha dor é enorme
está no seio da alma,
no adeus dos amores,
na perda da calma.

Eu choro torrentes, eu canto ninar
e a noite não dorme.
Sofro, corro, quase morro,
mas a dor quer ficar.

Minha dor é enorme...


- Caio Augusto Leite

A segunda pessoa


Eu te amo, está errado.
Você é Tu. Mas tu és você.
Essa segunda pessoa é louca,
de pedra!

Não sabe onde fica,
se sou eu, se és tu,
se é ele.
Eu te amo, está errado
- mais na vida que na gramática.

- Caio Augusto Leite

Nova estação


Quando nasceu, os olhos eram verdes,
da mais pura água de Bonito.
Era vida em efervescência.

Mas veio o vento da idade,
que foi aos poucos
escurecendo aquelas íris.

Quase negro já os olhos,
duas jabuticabas luminosas
no término da existência.

No momento que antecede a morte,
os olhos caíram no chão
- duas sementes lustrosas -
e fincaram-se no solo.

E da terra morta,
depois da chuva, do sol
e do orvalho,
nasceu a árvore.

Girou o planeta,
gerou novo tempo,
é nova estação.

- É Vida!

- Caio Augusto Leite

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Precisa de sentido?


Nem morro,
nem morto.
Mortido.

Nem sarta,
nem sorte.
Sortido.

Nem farda,
nem Ford.
Fordido.

Nem amor,
nem amora.
Amido.

Nem poesia
nem prosa.
Provinça...

Sei la q issu, si é bunito si é feio
mais deixô meu peito ardido adido
axo que é peosia,
ou será que a meta
foi ser metapoesia?


- Caio Augusto Leite

Feio feio


Eu quero acordes
quase crus.
A voz cantando
no limite da fala.

Quero o verde,
mas verde Bandeira.
Não quero nada,
que eu não queira.

Quero os ritmos
tradicionais,
mas novíssimos.

Quero a nova poesia,
mas me deem livros
bem antigos.

Nem sei o que quero da vida,
mas tudo, tudo, tudo
que é flor será bem-vinda.

Quem quero enganar?
Não sou Belo Belo,
quero tudo o que não quero.

- Caio Augusto Leite

Tudo que amo


Amo meus pais,
meu país,
meu pé
que anda por aí.

Mas meus pais sumiram,
meu país tá em guerra,
e meu pé
tem chulé.

É sempre assim,
tudo some,
tudo explode,
tudo morre.

- Tudo que amo acaba.

- Caio Augusto Leite

Um uísque pro Vinícius


Que não seja chama,
posto que é duro.
Mas que seja imortal
enquanto isso.

- Caio Augusto Leite

Aquietamento


Baila a palavra
no convite e converge
para o encontro afinal.

Baila a palavra
no beijo, rodopia.
Tonta cai.

Baila a palavra
no ar, declaração
acústica, mero sussurro.

Baila a palavra,
que samba é esse?
Gritos loucos.

Baila a palavra,
pra lá, pra cá,
valsa de sedução.

Baila a palavra
em compasso quebrado,
tantas vírgulas, alongar o momento.

Baila a palavra,
mas a música para,
o amor acaba.

Bailava a palavra,
não mais se agita
as reticências chegam.

E as palavras,
murchas e acuadas,
se deixam levar pelo silêncio.

Pelo silêncio da noite,
da morte,
da solidão...

- Caio Augusto Leite

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Supostamente opostos

Mas você é lã pesada,
não cabe em mim.
Sou leve e puro,
sou cetim.

Você é de inverno,
eu de verão.
A gente nem combina,
tu raio - eu trovão.

- Caio Augusto Leite

Modesto conselho

Vem no véu do tempo
a vontade insana
de amar o que não há.

Larga o jardim, esquece das rosas.
Espanta o toque
das mãos calosas.

Deixe as correntes
de saudade que te
pesam na memória...

Vem no véu do tempo
a espera do bem
que não virá.

A estrela está distante.
Não adianta, não a busque,
não mais brilha, não insiste.

Não beije mais a boca negra,
que te largou na noite turva.
É só um conselho que lhe dou:

- A dica é minha, a decisão é tua.

- Caio Augusto Leite

Maré de estrelas

Imenso muro de azul,
onde o azul inferior
se aglutina no azul superior.

Onde a linha divisória
se perde no inifinito
desdobrar-se do espaço.

Eu e meu barquinho,
meus remos
e nada mais...

Logo chega a noite,
que aflora no espelho d´água
mil estrelas salpicadas.

Olho pra cima
e me vejo refletido
em superfície lisa.

Já não sei onde estou,
se é céu, se é mar,
se é alucinação.

Já não sei o que é céu,
o que é mar, o que sou Eu,
o que é ilusão.

Remo nas ondas,
ondas de estrelas,
marés galáticas.

E sigo rumo à linha ao longe
que num espanto ótico
unirá o ser que Sim com o ser que Não.

O ser que sou,
com o ser que fui.
Realidade e ilusão.

- Caio Augusto Leite

terça-feira, 17 de abril de 2012

Canção do não-cantor

Não sei cantar,
não sou cantor.
Não sou cantor,
não sei cantar.

Sou poeta,
e não sou.
Sou poeta,
onde vou?

Não sei cantar,
mas tenho amor.
Não sou cantor.
Mas quero amar.

Não tenho voz,
só um papel.
Nem harmonia
só tenho a rima.

Não sou cantor,
nem sei falar.
Não sei compor,
não sei cantar.

Eu desafino,
eu perco o tom.
Mas para o Tom
é natural.

Se fosse bossa,
mas não é.
Não sou cantor,
não sei cantar.

- Pois é.

- Caio Augusto Leite

Serenidade

Sou calmaria de mar, vento de praia.
Sou ocaso, cadeira de vime.
Sou paz, sou amor, sou canção,
canção de Caymmi.

- Caio Augusto Leite

Gal

Quis o tempo te trazer até aqui,
quantas ficaram no caminho,
quantas se perderam no caminho,
quantas não têm mais caminho?

Mas você chegou, cegou meus olhos
com tanta luz.
Com tanto sol dentro de ti,
dentro da voz - da voz que é tua
ou é a voz que te tem?

Eu sei teu nome, teus sonhos,
teus amigos - Roberto me contou.
Eterno bebê - baby.
Eterna profana. Eterno cantar.

Índia das manhãs,
de todas as manhãs.
Sei lá, o poeta contou
de outra - olhos e boca...

Mas você é boca e cabelo.
Boca gato de alice,
boca de coringa,
enigmática, quase errática.

Teus cabelos ao vento,
no beijo do tempo.
Hoje é tempo de viver,
todo dia é.

Sai desse recanto,
mostra teu canto.
Que o mundo fica maravilhoso.
Divino, maravilhoso.

- Caio Augusto Leite

Inanição sentimental

Por exemplo, se estou com fome
abro a geladeira e mato-a.
Se estou com frio abro o armário,
boto uma blusa e mato-o.
Se estou com sede de amar,
abro o peito e te chamo pra entrar...

... você não vem.

Morro eu,
de sede,
tão cedo.

Não de amor,
mas da falta de ti,
de ti que não voltou.

- Caio Augusto Leite

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Ficou nas trovas

O amor ficou em versos antigos,
naquela forma bem marcada.
A paixão no ritmo,
o beijo em cada redondilha.

Mas passou, lá ficou o amor.
Quebrei o verso,
a métrica
e o coração.

O meu bem amado se perdeu
por caminhos duros,
ficou preso na escanção.

- Caio Augusto Leite

Captura de um instante

Beep, beep - pega o celular.
Olha a mensagem e sorri,
o amor é assim.

- Caio Augusto Leite

Inversão de planos

Parece que meus pés pisam um chão de nada,
ou será
que é o chão que pisa o nada que sou eu?

- Caio Augusto Leite

domingo, 15 de abril de 2012

Poema reserva

Olha, esse poema é uma desculpa.
Fiz um outro, mas não gostei.
Fiz esse pra tirar o peso da consciência.

Não compensei muita coisa.
Sejamos sinceros,
esse aqui também ficou horrível.

Mas eu tentei, se bem ou mal
isso já é papo pra outro poema
esse aqui é só um tapa-buraco.

Prometo me esforçar,
mas não garanto nada.
Nunca garanti.

Melhor fechar esse texto logo,
o leitor não merece esse tipo de coisa:
tem poema que era melhor nem ter sido.

- Caio Augusto Leite

No dia que você foi embora

Começou a chuva,
fechei a janela,
chorei sozinho.

- Caio Augusto Leite

Na rua

A vida tenta atravessar,
passa um carro, um infarto, um assalto
e a gente morre no cruzamento.

- Caio Augusto Leite

Mais um metalinguístico

Dizia a teoria da poesia.
Diz a poesia da teoria.
Onde começa uma, onde a outra termina?

Teoria ainda pode ser teoria,
quando encaixotada em versos.
Mas e a poesia?

Poesia ainda é poesia,
quando está tão fora
do Eu que a cria?

- Caio Augusto Leite

Mirando o cosmo

Eu não vou, dorme tu.
Tô esperando passar a estrela
na asa do urubu.

- Caio Augusto Leite

Um estranho no meu poema

E agora José? - indaga o poeta.
Eu nem me meto, não conheço esse daí.
Mamãe ensinou a não falar com estranhos.

- Caio Augusto Leite

Descarado

Carlos é gauche
e tem sete faces.
E eu nem sei se tenho rosto.

- Caio Augusto Leite

Fadiga

Gastei a língua, gastei o léxico.
Cansei o mundo com meu verbo,
travei a roda do universo.

- Caio Augusto Leite

sábado, 14 de abril de 2012

Dilema

Ou me inspirei da coisa linda,

ou ando escrevendo muita porcaria.

Não decidi ainda.


- Caio Augusto Leite

Confissão

Pro poema anterior, fui consultar a fórmula.

Já esqueci como conta,

só canto o amor.


- Caio Augusto Leite

Aviso ao crítico

O crítico não põe o gosto no meio.

O autor bate no crítico.

O crítico sai ferido, o autor com um poema.


- Caio Augusto Leite

Equação de nós

Delta = Bê ao quadrado menos quatro A Cê.
Fiz a conta, deu negativo.
Nosso amor vazio.

- Caio Augusto Leite

Éramos nós

Você, só você.
Só eu e você.
Só eu, só.

- Caio Augusto Leite

Moedinha

Tilinta no chão,
cai no bueiro,
mas ainda é dinheiro.

- Caio Augusto Leite

Se chover

Pra ser feliz,

pule em poças,

simples assim.


- Caio Augusto Leite

A flor da poesia

De mim pra mim, trago a vida nas mãos.
Nem sei quem saberá de mim,
quem colherá o que plantei?

- Caio Augusto Leite

Saber

Você diz que não sabe, mas digo que sabe.
Só não sabe o tudo.
Você não sabe nada,
Só duas palavras: nada, tudo.
Mas sabe o resto, o mundo.

- O mundo que não é nada, nem tudo.
Que é mar, que é sol, que é raso e fundo.
Você não sabe de mim, sou nada.
Não sabe do amor, que é tudo.

- Caio Augusto Leite

Processo

A verdade é a espinha do caminho.
Teu otimismo desvia pra direita, tese.
Meu pessimismo pra esquerda, antítese.

Minha palavra puxa a tua,
a tua puxa a minha,
caímos no eixo central, síntese.

- Caio Augusto Leite

Mini-Poética

Um espelho que reflete o futuro,
olho e vejo a mim como sempre estive,
pois vida e morte são unas, o tempo não se divide na arte.
A minha existência é um instante, e o meu instante é pra sempre.

- Caio Augusto Leite

Quiromante

Na palma da mão, uma linha de amor,
uma linha de vida, outra de dor.
Um "M" bem grande pra confirmar que é Meu, só Meu.

- Caio Augusto Leite

No porto

Transita nos trópicos um transatlântico,
atravessa os meridianos, atravessa as horas.
Você vem nesse navio, que vai comendo o tempo, vem puxando a aurora.

O amor surgindo no horizonte,
meu peito um cais de ansiedade,
arrasta o sol, traz a vida, pinta meu céu de escarlate.

- Caio Augusto Leite

Tentativa de poesia

Poeta.
Ele é?
Pô. É. Tá!?

Poesia.
Põe e adia
o pó da vida.

Verso.
Ver só
o que se vê?

Estrofe.
Ex-troféu
aquelas com medida.

Profissão de fé?
Proferir o fel
quando sobra o mel.

Hoje ser poeta
é quase como não ser,
que forma usar, precisa rimar?

A poesia na linha limite,
um dedo pra lá e viro prosa,
viro conto, viro romance, preciso que alguém me ensine...

Que me ensine onde pisar.
Como ser lírico hoje,
sem o ontem requentar?

- Caio Augusto Leite

Multiplicação da Rosa

Quanta rosa. Em tantas cores,
em tantas flores.
Rosa amarela, rosa vermelha,
rosa branca, Rosa!

Chamarei tudo de rosa.
De Rosa você. De rosa florida.
O céu, o sol, os animais,
para que tudo se impregne do teu aroma
e que toda tez seja macia, parelha a tua.

Não haverá mais saudade
e nem tristeza.
Por todos os lados, em todos os cantos,
por onde quer que vá o mundo é teu amor.
O mundo é só Rosa.

- Caio Augusto Leite

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Verb*

Verba é o que não temos,
alguém já desviou.

A verba é a mulher do verbo,
ela cai no bolso
quando ele age:

- Eu prometo isso, aquilo, acolá...

O verbo com lábia,
a gente acredita.
E a nossa verba vai voando
passar férias na Suíça.

- Caio Augusto Leite

Nem tudo que reluz...

A solidão que cai em mim
me veste, me abraça e me deixa bonito.
A solidão deixa bonita toda a dor,
quando as lágrimas no olhar
se entramam de brilhantes
refletidas nesse sol...
Sol de solidão, onde brilham minhas dores,
parecendo felicidade, quando não.

- Caio Augusto Leite

Tarde em risco

Sobre a casa o arco da tarde
atira uma flecha para o imenso sem fim
e a noite vai caindo, leve e serena, como a neve fria no silêncio.

Sobre a vida o arco distenciona,
lá se vai seta ligeira.
A morte antes da prima-estrela.

- Caio Augusto Leite

Do poema ao coração

Doei meu sangue naquele hospital,
os corações que o receberam
passaram a palpitar em redondilha menor.

- Caio Augusto Leite

Agora é o Sol

Num pedaço de céu, um cordão de estrelas.
Cada qual brilhando por si,
que beleza de egoísmo.

Mas o dia chega,
a grande estrela no horizonte
apaga aquelas outras
numa explosão de luz divina.

Um brinde ao Sol,
Que tolhe a dor
que engole o mal
que ilumina o amor.

- Caio Augusto Leite

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Um novo passado

Mas de repente o tempo correu pra trás.
Os prédios foram perdendo camadas.
Tinta,
concreto,
blocos,
ferro...

As estradas voltaram,
os cometas subiram.
O beijo não foi,
o adeus se desfez.

A terra foi despindo-se do homem,
caravelas não pisaram América.
Revoluções não aconteceram,
pedras não foram lascadas...

Mamíferos, aves, répteis.
Angiospermas, pteridófitas, briófitas.
Logo a primeira e desconhecida forma de vida
- semente ancestral.

Mares, vulcões, cinzas.
O magma, o núcleo e a disjunção da matéria.
A condensação de tudo numa única partícula...
... uma nova explosão.

- E o que era História não existe mais.

- Caio Augusto Leite

Andorinhas

Já vejo andorinhas no céu,
que cedo veio o verão.
Vejo andorinhas, pois uma só
não teceria essa estação.

Ano passado eram poucas,
o sol não vencia o frio.
Metade de andorinhas, um terço de verão.

Hoje a luz voltou,
está tudo no lugar...

... mas não, faltam andorinhas no meu peito,
pela metade o coração.

Elas passam, fica a canção:
- Bem feito, rapaz, bem feito.

- Caio Augusto Leite

terça-feira, 10 de abril de 2012

Particular, Eu.

Confusa ideia, claro enigma.
É claro que não sou poeta,
mas se fosse diria tanta coisa linda.

Estranha estrela, estrela da manhã.
É estranho pensar e não conseguir
passar isso pro papel, cruel!

Pedra dura, educação pela.
Se eu tivesse um pouco de cada poeta
não seria poeta nenhum.

- Poesia é tipo sanguíneo,
se juntar Eu de um com Eu de outro
vai dar confusão... o sangue rejeita,
o verso quebra e a lírica aglutina na placenta.

- Caio Augusto Leite

Sinal - amor - fechado

Lá fora o maluco gritava
palavras de amor para
a placa de PARE.

Ninguém o impedia,
nem mesmo o signo
em letras garrafais.

Queria ser maluco assim,
declarativo e sensível.
Mas eu paro diante dos teus lábios
de batom vermelho, claro semáforo.

E os teus olhos não ficam verdes,
medo de avançar.
Ah, seu eu fosse o maluco
da rua que grita palavras de amor.

Mas eu não sou,
eu paro no sinal amarelo...

- O maluco da rua foi atropelado.
O sangue aos pés da placa
são rosas de um verdadeiro amante.
De amante que não tem medo de sinal vermelho...

- Caio Augusto Leite

Desilusão

Você não veio e o espaço do meu lado ficou vazio.
Mais vazio o esquerdo do meu peito.
Mais desilusão na coleção,
meu coração cansado de tanto contratempo.

Como ser feliz é distante,
ser feliz é um instante,
ser feliz é,
ser.

Mas você não veio, o escuro ainda escuro.
O triste ainda triste,
o beijo ainda seco.

Se abre uma janela,
quando uma porta se fecha.
O amor fechou a porta
em meu coração não tem janela.

- Doei amor, doeu amor.
Deus, dê-me paciência
ou me tire o coração.

- Caio Augusto Leite

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Tempo de amor

É tempo de colher amor,
dourado pássaro,
intensa luz,
rosa vivo, doce cor.

É tempo de saber o Amor,
pergaminho raro,
livro de couro,
garrancho de compositor.

É tempo de espalhar Amor,
em sopro louco,
em vento solto,
o anil do céu, no cinza dor.

É tempo... amor
de sei lá o quê.
Remota paz.

É tempo... flor,
tempo-sem-tempo.
Eternidade por onde for.

Mas não, não é nada disso.
Tudo é simples,
tudo é só...
É só amar. É só Amor, amor.

- Caio Augusto Leite

sábado, 7 de abril de 2012

E se acaso...

E se um ladrão abre a porta

com balas de prata

que me fuzilam no peito?


Pra onde que vão aquelas palavras

que eu não disse?

Aquele amor que eu guardei

e aquela raiva que plantei?


Os sonhos,

os doces enganos,

os meus vinte anos,

pra onde que vão?


Nem Rita encontrei...


Quanta coisa que leva um ladrão

que abre a porta com balas de prata.

Me leva a mobília, me leva a família,

me rasga os versos do coração.



Se dependo do acaso,

como seguir?

A vida é fácil,

o difícil é existir.


- Caio Augusto Leite

Debaixo da pele

Hermético é a mãe,
nem tudo é decifrável.
Deixo algumas páginas incógnitas,
umbigo de sonho, trama sem fecho.

Não é ser hermético,
é só questão de manter
bombas para os momentos
de tédio no deserto...

Silêncio é o meu profundo estado,
de quem é, mas não diz.
De quem sabe, mas não estraga a surpresa.

Não brigue comigo,
todo mundo é assim.
Por fora tantos brilhos,
mas por dentro os desejos mais remotos e sombrios...

São vales, são mares,
são príncipes a cavalo.
Mas sempre há Esperança,
em cada alma uma Caixa de Pandora...

- Caio Augusto Leite

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Cruzamento

Me consome, me sorve, me some.

Me vira, me inspira, transpira.

Transpassa o sexo vivo no meu

e faz a noite virar éter.


Rodopios cegos de paixão,

sangue pulsante, as mãos trêmulas

o olhar sincero e dúbio

oh indeciso coração!


Nada falta, que falta fez

o beijo que se espalha pela boca

feito onda em maré cheia

e que saliva quente no horizonte dos meus lábios.


Vem e vai, vem e vai, maré amorosa.

E paira no recanto do meu corpo o silêncio

como a noite que chegou depois da tempestade.

Só eu e você - úmidos, impuros, despidos de castidade.


- Caio Augusto Leite

Do Eu até chegar em Você

Eu que não sou
belo
forte
grande
sábio...

Eu que não falo
alto
grosso
firme...

Eu que sou
baixo
credo
Crasso
frágil...

Eu que transito mas não sou
carro,
moto,
verbo...

Eu que sou homem mas que queria ser
fado,
cobra,
virgem,
mulher...

Eu que sou insosso mas que almejo
o sexo
o sax
o sensual...

Eu que renego
as retas
as guerras
o erudito das formas gregas...

Eu que já nem sei se sou e que desejo
o beijo
o corpo
e o tronco nu do ser que é você...

- Caio Augusto Leite

Saudade danada

Ah! Essa poesia geométrica - cheia de ângulos.
Essa poesia
física,
química,
científica.
É poesia?

Essa poesia cheia de termos que não entendo,
essa poesia bula-de-remédio.

Saudade da poesia que não se preocupava em falar fino,
gritava os versos em barracas de feira...

- Óia os verso, óia as rima, óia meu poema,
muié bonita num paga, mas também num leva.


- Caio Augusto Leite

Na tua ausência, a poesia

Você se foi,

mas logo voltou.

Entre os dois instantes,

em tua ausência,

a poesia de mim brotou...


- Caio Augusto Leite

Senda minha

Pois joguei eu mesmo as pedras no caminho que segui.
Não gosto da ideia de passar sem dor...

Aos poucos me acostumo com os pedregulhos afiados,
que calo a calo, me carcome os pés...

E o sangue pela estrada,
é a história que me escorre...

Belas palavras, nobre tinta.
Sangue de sofrimento, de experiência, pulsar de vida...

- Caio Augusto Leite

Espectro noturno

Ouve como a mata se dissolve na noite,

logo o verde e o silvo das serpentes silenciam.

O breu devora o contorno do dia

e circunscreve toda a luz que havia...


Boa noite, noite, noite.

Repousa o vento no leito de folhas secas

onde reina o segredo absoluto do silêncio...


Dorme a natureza,

e as nuvens que passam, passam suaves

para não estragar o sono de quem parou pra descansar...


Puxo a seda da cortina

saio da janela

e me lanço no silêncio...


- Caio Augusto Leite

Amarcomigo

Faz tempo que não te vejo,

as cartas não sabem de você.

Os presentes no passado.

E a cama não desarruma...


Faz tempo que não te vejo,

o último beijo já secou,

o último abraço já esfriou,

o último adeus emudeceu...


Faz tempo que não te vejo,

o vento sopra dor,

a lua depressiva

e o sol não me alumia...


Faz tempo que não te vejo,

meu amoramigo.

Vê se volta...


Faz tempo que não te vejo,

vem amarcomigo.

Não demora


- Caio Augusto Leite

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Pontos

Não existe ponto final,
o ponto é só ponto.
A história continua,
o mundo gira ainda
e os amantes marcam encontros.

Não existe ponto final,
a lua volta,
o mar revolta,
o sol nascerá.

Ponto final? Não existe.
Tudo está por vir.
Os pontos finais
são reticências abreviadas...

- Caio Augusto Leite

Crença

Eu acredito na poesia que mente e que finge.
Mas que não julga minhas ações
e nem me pune pelo modo que levo a vida.

- Isto é que é livre arbítrio, queridas carolas.

- Caio Augusto Leite

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Saudade de vovó

Pois é, minha vida não tem instagram...
As cores são essas,
o sorriso é esse
a saudade é só essa.

*

Encontrei uma foto de vovó,
e ela me comoveu mais que aquela sua no Carnaval,
no Carnaval de Salvador.

*

O bonito da vida está nas fotos mais antigas
- em preto e branco -
naquelas bem apagadinhas.

- Caio Augusto Leite