segunda-feira, 30 de abril de 2012
O mais remoto de mim
Meu coração separado
e unido por um oceano.
Um lado é da América,
o outro é africano.
Esse mar chama-se Europa,
que assim me dividiu.
Pra lá ficou a África,
aqui o meu Brasil.
Que negue-se o pai, até vai.
Mas jamais a mãe.
Minha Mãe é tua mãe,
que é mãe de todos nós.
Em meu sangue as águas
do Amazonas correm
e nas do Congo,
tão remotas, caem.
Meu coração separado
por lágrimas de sal.
Inda nos une a boca,
língua pai de Portugal.
Canto, distante canto,
que ecoa nos recantos de lugar nenhum.
Pelas cidades, pelas marés, pelos muceques,
logo seremos um.
Meu coração estava separado,
encontrei minha metade.
É seu grito d'outro lado do oceano
que me devolve a identidade.
- Caio Augusto Leite
domingo, 29 de abril de 2012
Reflexões sem resultado
Dentro de mim, talvez alma,
creio que água.
Dentro da terra, talvez inferno,
creio que magma.
Não sei qual verdade
é a mais absurda:
A que me contaram,
a que creio ou a que inventaram.
- Caio Augusto Leite
Brasil mestiço (Alumiai)
Alumia o breu,
alumia o meu, o teu,
todos os corações.
Rompe as emoções,
tamborim,
samba eu canto assim...
Ê Candeia,
Ê Nogueira,
Ê Pinheiro.
Vai resplandescer,
é alvorada no morro
é o sol, vamos sorrir.
No seio do seio da vida,
Brasil e África
na mesma batida.
Ê Cartola
Ê Cavaquinho
Ê Caymmi.
Sangue mestiço,
brilha a morena,
é o gingado nas veias.
Micróbio do samba
me pegou,
e agora doutor?
Ê Mãe do mar
Ê Clementina
Ê Ijexá
Deusa, deusa Clara.
Clara claridade.
Santa Clara alumiai
- Caio Augusto Leite
sábado, 28 de abril de 2012
Bastidores
Levanto, coloco meus chinelos com meia.
Tomo meu café, meu pão com manteiga.
Olho pela janela:
Um homem rouba uma mulher,
um carro quase atropela um cachorro,
um avião plana nas nuvens.
Um vaso cai na cabeça do bandido,
o avião desparece no céu,
o cachorro faz pipi no poste.
Tudo perfeito.
Cerro a cortina,
desligo a TV.
Pego a caneta,
suspiro em silêncio.
Agora sim virá a poesia...
Quixotesco
Eu sou a notícia,
eu sou o agora.
Eu sou o pra sempre.
Eu sou o instante,
eu sou o hoje.
Eu sou tão hoje, que sou ontem.
Eu sou o cavaleiro,
eu sou o escudeiro,
eu sou o inimigo.
Eu sou o vento,
eu sou o moinho,
eu sou o trigo.
Eu sou o tempo,
eu sou o nunca,
eu sou, eu sou, eu sou.
E de tanto repetir eu acabo sendo.
- Caio Augusto Leite
Pinheiro-do-Paraná
Altas araucárias,
atualmente autistas.
São serradas,
são surradas,
são vendidas.
Gralhas gritam,
gralhas querem:
guerra, guerra.
Muito Paraná,
pra pouca pinha.
Muito mato, mata não.
Mato manso, mansidão.
Altas araucárias,
aliteram a poesia.
Vem o homem, corta tudo,
faz seu pasto, faz seu lastro, faz seu ritmo.
- Caio Augusto Leite
Do arquivo nacional
Descrição: Relato de um índio transcrito por José da Silva, homem letrado de sua época. Versão em português atualizado. R.O - 1990.
Eu tinha um cocar,
eu tinha um arco,
eu tinha amor.
Veio o branco e me levou.
Eu tinha Tupã,
eu tinha Iara,
eu tinha um amor.
Veio o branco e me levou.
Eu tinha uma oca,
eu tinha uma língua,
eu tinha um amor.
Veio o branco me levou.
Ganhei novo nome,
ganhei novo deus,
ganhei nova língua.
Nunca me deram outro amor,
o amor que tive,
o branco veio e me levou.
José da Silva, 19 de abril de 1570
- Caio Augusto Leite
sexta-feira, 27 de abril de 2012
Brazil, meu Brasil
Globalização, não te quero.
Meu peito ainda nem se embrasileirou.
Mundo, mais tarde te ganho,
primeiro preciso domar o verde e o amarelo.
- Caio Augusto Leite
Paixão
Um barulho de vidro quebrando e eu desperto de repente, cochilei, pesquei – como diz o popular. Meu olhar vaga pelo quarto e ela não está mais, o lençol apagou, o sol acendeu. Levanto e sinto uma dor aguda nos pés, era a taça que havia caído, quebrado, me acordado pra realidade. A marca de batom ficou espatifada pelo chão em mil cacos, mil beijos refletidos, mil beijos partidos, perdidos. Um ventinho frio como a morte entra pela janela, os meus lábios estão frios, estavam anestesiados. Anestesiado estava o coração, e eu ainda sou jovem, jovem demais pra entender o quanto vai doer a desilusão de uma paixão, da primeira paixão. Por enquanto estou suspenso no espanto, mas logo vem a punhalada que afundará em meu peito, pouco a pouco, no correr dos anos. Na vida, só se morre de amor, de paixão a gente sofre. Vênus foi embora, Vênus nunca esteve.
- Caio Augusto Leite
A farda empoeirada
Todas as guerras, não lutei.
Não subi em avião,
não disparei canhão,
não quis pegar fuzil.
Todas as minhas guerras, já perdi
O amor não procurei,
a amizade não prendi,
a saudade não matei.
Todas as guerras que ignorei
hoje voltam piores do que foram.
O homem morto no navio, a criança de Hiroshima,
a doce amante que não tive.
Mea culpa,
mea culpa,
mea maxima culpa.
Pequei a omissão,
grande amargura
me corrói o coração.
Essas guerras, antes lutasse.
Talvez perdesse.
Mas jamais vivesse
com o risco dessa bomba em mim.
Tic-tac,
dia pós dia.
Tic-tac,
mas que agonia.
Tic-tac,
logo explode.
Tic-tac,
tic-tac
tic...
- Caio Augusto Leite
quinta-feira, 26 de abril de 2012
Modernismo moderníssimo
No meio do poema atravessou o toque do telefone...
trim, trim, trim.
Falava de amor,
voltei e perdi o tom.
Acabei falando de mar,
nada com nada. Nem sei nadar.
Nada mais precisa ter sentido,
depois que inventaram o telefone.
Quem é poeta pode responder
Os poetas não são tristes,
tristes são as camadas mais superficiais do ser.
Os poetas moram no fim do fundo do peito,
protegidos do vento, do tempo, das dores do momento.
Os poetas não vivem a miséria,
não passam fome,
não temem guerras.
Os poetas falam de tudo, grande coragem.
Os poetas de verdade não sabem que são,
vivem no limiar da dúvida,
ficam caçando estrelas,
colhendo flores.
Os poetas são tolos, mas no bom sentido.
São tolos como meninos
que tomam choque na tomada.
Os poetas escrevem,
e só se percebem no mundo
quando alguém os nomeia.
Os poetas não gostam desse nome:
toda palavra é redutora,
isso o poeta sabe.
O sonho dos poetas é alcançar a palavra que expande,
que faz do grão poeira de areia,
a grã galáxia Láctea.
Os poetas estão falando menos,
quisera eu ser poeta,
mas falei demais, queimei a poesia.
Os poetas, eu não sei.
Incautas afirmações sobre o amor
O amor é um termo variante,
quando tentar prendê-lo na gramática
pá! já mudou.
É plural, são singulares,
são menino, é meninas.
O amor é um pássaro diletante,
quando tentar prender sua voz,
pá! já subiu o tom.
Uma, duas, três oitavas.
Voz absoluta.
O amor é a luz na máxima velocidade,
quando tentar capturar seus fótons,
pá! já alcançou a eternidade.
Pra lá do céu, do sol,
das estrelas mais remotas.
O amor é um risco.
Risco que é efêmero,
risco que é perigo.
- O amor é ambíguo,
o amor não tem sentido.
- Caio Augusto Leite
Naquele olhar
Num momento exato,
seus olhos, de relance, capto.
Vários olhares,
todos os olhares,
olhar nenhum.
Não era meu o teu olhar,
mas eu que sou sozinho
queria te espiar.
No momento errado,
seus olhos, de relance, capto.
Me perco num amor inexistente,
que se esvai no tempo...
Não era teu o teu olhar,
era só reflexo em arco.
Admirava o nada,
e nada me tornava em seu olhar relapso.
- Caio Augusto Leite
quarta-feira, 25 de abril de 2012
Afogue-se
Afogar-se,
afogar-se de súbito.
De decúbito dorsal
e afundar dizendo adeus
para as estrelas do vasto imenso.
Afogar-se
de corpo e água,
que se vá a alma.
Afogar-se
tão completamente
que a luz do sol
não mais me encontre.
Afogar-se nesse mar
e encontrar a paz
do paraíso.
Mas um paraíso refletido,
o inverso que Deus criou
nesse mar português.
Quando a vida for dura,
quando o amor for triste
quando a saudade apertar...
...diga adeus às estrelas
e se afogue nesse mar.
- Caio Augusto Leite
Triste canção da canção que não é mais canção
Todas as canções perderam o valor,
o sentido, o dom de iludir.
Não encontro o amor nos versos,
não encontro a paz na melodia.
Todas as canções perderam a voz,
as canções foram embaladas
e não mais embalam
meus sonhos juvenis.
- Caio Augusto Leite
A poesia de todo dia
Vermelho, vermelho, vermelho.
Um mar, uma fruta, um amor.
A palavra encerra em si a poesia.
terça-feira, 24 de abril de 2012
A segunda aroeira
No galho da aroeira
o pássaro avança na conquista,
a bela pássara almeja.
O vento da tarde passa pelas penas,
treme a árvore
e as folhas rumorejam.
É o sinal da natureza,
que algo se aproxima,
toma cuidado aroreira.
Botas de couro duro
pisam com força as folhas secas,
o perigo ronda o casal de aves negras.
Um estrondo maior que a morte,
dispara no ar feito trovão
e faz no destino um corte.
..vão se embora os caçadores...
Ela vai, ele fica.
A aroeira de testemunha
encobre a vítima.
Em folhas, em frutos,
o viúvo chora
lágrimas de luto.
Do solo ali nova árvore surgiu,
o pássaro negro sempre volta,
voltará a vida inteira.
O amor brotou da terra em forma de aroeira.
- Caio Augusto Leite
Gira-gira
No cerne da rosa,
voltas e voltas
de cetim vermelho,
doce aroma.
Na conha do caracol,
voltas e voltas
na dura casca,
eterna casa.
No redemoinho de vento,
voltas e voltas,
um saci peralta
fervendo o leite.
Na cintura do planeta,
voltas e voltas,
o dia, o ano,
o tempo passando.
Na dança de nossas vidas,
voltas e voltas,
você indo, você voltando
meu coração desesperando...
- Caio Augusto Leite
Destinado a ser
Medroso demais pra jornalista,
curvo demais pra ser cubista.
Essa coisa é o que me resta,
ser menino, ser poeta.
Morreu Omar
O mar mareou Omar.
Omar caiu no mar,
naufrago, trágico.
Morreu Omar no mar.
E o Osmar que mora em São Paulo,
nada tem a ver com mar, com Omar.
No fim da rua morre Omar,
e a gente sem saber, somos Osmar.
- Caio Augusto Leite
Fora da média
Minimalismo,
contenções,
micro-canções,
sussurro de voz.
E EU AQUI ESCREVENDO EM LETRAS MAIÚSCULAS,
BERRANDO MEU TEXTO,
GRITANDO MINHAS CANÇÕES,
IMPLODINDO TODA CONVENÇÃO MODERNA,
EXPLODINDO TODO O TÉDIO DO CORAÇÃO.
segunda-feira, 23 de abril de 2012
Nem eu
Quem dera o vento não soprasse,
a dor não martelasse,
o medo não apertasse.
Todo mundo me chama de sozinho,
mas erram de verdade.
Pois meu nome,
meu nome é saudade.
Certidão que o tempo me deu,
que a vida entregou,
que a treva alumiou.
Às vezes nem isso.
Sem vida,
sem nome,
sem saudade.
De fato, sem mim em absoluto.
- Caio Augusto Leite
domingo, 22 de abril de 2012
Sem meias, nem meio amor
Por que as meias estão no quarto dos meus pais?
Agora eles dormem
e faz frio.
Não posso fazer barulho,
não posso pegar meias,
mas faz frio.
O meu amor é um par de meias,
sei que existe, mas não tenho
e faz frio.
O pé na noite escura,
o amor na vida curta,
o frio pra todo sempre.
- Caio Augusto Leite
Nunca amou
Porque eu sou triste
e você não me ama.
Porque eu sou sozinho
e você não me ama.
Eu invento meus motivos,
eu finjo que estou bem.
Eu fujo da verdade,
eu não consigo viver sem.
A noite caiu sobre as rosas,
as estrelas estão longe.
A lua nem apareceu.
A beleza de tudo se foi,
porque eu estou triste,
porque eu sou triste
e você não me ama.
- Caio Augusto Leite
A carta que não fiz
Eu queria fazer um poema de amor
que fosse uma carta pra você.
Onde eu pudesse escrever coisas banais,
mandar notícias, falar do clima.
Um poema, uma carta,
que dissesse do meu amor.
Que não deixasse dúvidas,
que te fizesse sorrir.
Queria fazer esse poema num dia de sol,
num banco de praça,
a tarde azul, repleta de desejos.
Quem dera eu fizesse essa carta,
mas eu não lembro seu endereço,
e não lembro seu nome.
Se um dia eu escrever esse poema,
eu jogo no fogo.
Para que as palavras, agora cinzas,
encontrem abrigo na lareira do seu coração.
Eu queria fazer um poema de amor...
sábado, 21 de abril de 2012
Românticos demais
Quanto medo fingido.
Quanta solidão inventada.
Quanta dor de mentira.
Quanta saudade de nada.
- O mal do século é a presunção.
- Caio Augusto Leite
Aproximações linguísticas
Piri, Pari, Peri.
Ceci, saci, Saussure.
Teta, teto, tete.
Morango, maçã, coração.
Banana, sol, maracujá.
Abacate, clorofila, limão.
Casa, lar, apartamento.
Rua, viela, avenida.
Menina, garota, mulher.
Vida e morte.
Conflito e Paz.
Medo e coragem.
Cansei das teorias,
de que serve reunir palavras
se as conversas vão sempre misturá-las?
Em qualquer dia
Corpo sob o chuveiro,
chuva sob a cidade.
Cidade num tiroteio.
Tiros perdidos no vento.
Gente morrendo,
gente nascendo.
E eu cantarolando
sob a água do chuveiro.
Amoroso
O mistério de um no outro,
a coisa mais simples,
mais remota
e mais natural.
As flores unidas,
um beijo fecundo.
Poderia ser só um ato,
só propagação de espécie.
Seria, se fossem egoístas.
Se fossem humanos de fato.
Mas havia uma coisa estranha ali,
um som indefinido, um chiado no peito.
Poderia ter sido só mais uma noite,
mas os corpos se entendiam,
as almas se entendiam,
e as bocas, ah as bocas nada diziam.
Poderia ter sido, mas acontece que havia mel,
havia cor,
havia céu.
Pra ser mais claro, havia amor.
Tipo Carolina
Pelo cristal da vidraça
um crime ocorreu.
O rapaz de rosto macio
se encriminou quando a faca
de cozinha na moça atravessou.
Pelo cristal da vidraça
um acidente aconteceu.
O carro capotou
três morreram,
um viveu.
Pelo cristal da vidraça,
um casal se formou.
Uma aliança de prata,
um beijo estalado,
meu coração invejou.
Pelo cristal da vidraça
o mês acabou,
o ano acabou,
o mundo acabou.
Pelo cristal da vidraça,
minha vida passou...
- Caio Augusto Leite
Não sei meu lugar
Não sou a grande promessa
do futebol,
da música,
do cinema.
Não vou ser indicado
ao Grammy,
ao Oscar,
pra craque da bola.
Não vim pra salvar
o Brasil
o mundo
você.
Não sou a revelação do ano,
sou um mistério até pra mim.
Ou talvez seja só o vazio,
não sou o anjo que prenuncia o fim.
Não sei,
não sou.
Não vou.
Eu vim só pra poder voltar.
- Caio Augusto Leite
Marcha do amor que já vem
Vem, vem, amor
vem que a folia já chegou.
Vem, vem sambar.
que a alegria foi feita pra gastar.
Vem, vem, amor
não demora,
vem agora,
faz favor.
Vem, vem, amor
abre os braços
canta alto
espanta a dor.
Vem, vem, amor.
vem que a tristeza já secou.
Vem, vem cantar,
que a saudade não foi feita pra ficar.
Vem, vem, amor
não demora,
vem agora,
faz favor.
Vem, vem, amor
abre os braços
canta alto
espanta a dor.
- Caio Augusto Leite
Azulejo
Azulejo lascado na parede,
azul vejo ao meio.
A lua do lado esquerdo,
repartido o barco negro.
A viagem que não foi,
o naufrágio do sentimento.
Foi seu murro furioso
que partiu o azulejo.
Azuelejo lascado na parede,
coração lascado permanente.
Azul que pode ser trocado,
vermelho que não tem mais jeito.
O beijo ficou no meio,
a dor ficou inteira.
A saudade fez morada,
na parede aqui de casa.
Azulejo lascado na parede,
ferida latente.
Sangra pelo buraco as memórias,
não valeu a pena, o amor mente.
Mas formigas saíram do rachado,
em fila, alegres, perdidas.
Nada é em vão, ficarei bem,
mas ainda o azulejo.
Azulejo lascado na parede...
Ruindo o amor
Vai, leva tua certeza.
Tuas cartas, tua leveza.
Vai, leva teu sorriso,
teu amargo sorriso.
Vai, leva tudo que não é meu.
Essa cara amarrada, essa cara de nada.
Vai, leva o beijo rompido, o amor desistido,
tua voz, teus nós, teu vestido.
Vai, leva a saudade, a amizade, a coragem.
Tudo que já foi, tudo que não vai ser.
Vai, leva a mortalha do tempo e a muralha do tédio,
mas deixe as cópias das chaves do prédio.
Vai, o tempo passou.
O poema enclichezou.
Se você não for,
eu vou.
- Caio Augusto Leite
Caducagem
Não há mais utopia,
todo lugar é lugar,
lugar-comum,
arremedo de invenção.
As pedras que rolam,
a chuva, o sol, a luz.
Tudo é refletido, tudo é repetição.
Até minha rima, que evito,
traz o passado no som,
saudável recordação.
Vivo preso num quadro, numa foto.
A lagoa azul na sessão da tarde,
o último capítulo da novela.
Quem sabe de um, sabe de todos.
Quem sabe de todos, sabe de ninguém.
A não-pessoa, o não-interior.
Meu verso quer a utopia,
lugar ali, sem lugar,
lugar-nenhum,
tentativa vã de abstração.
- Caio Augusto Leite
sexta-feira, 20 de abril de 2012
O que eu amo em você
Amo teus pleonasmos,
entrar pra dentro do coração.
Amo teus erros ortográficos,
deicha o destino decidir.
Amo tua concordância,
as flores é linda.
Amo também a falta de vírgula,
amo comer você cinema.
Eu amo seus pingos nos is
corações pequeninos.
Amo como corta os tês,
traços precisos.
Mas o que eu amo em você,
apesar de tudo, são suas palavras.
Que voando no ar preenchem
minhas páginas tão vazias.
Conselho de mulher
Mulher larga disso, larga as panelas.
Não se prende no homem,
que homem é arapuca.
Te dá beijo,
te dá presente,
mas tem sempre uma desculpa.
Presta atenção, abre esses olhos.
Falou que vai na esquina
e já te meteu os cornos.
Mulher larga disso, larga as flanelas.
Não se prenda em casa,
não faz do lar sua cela.
Cuida dos filhos,
mas cuida de ti.
Não seja mucama.
Presta atenção, não cai nesse jogo.
Lábia de homem gruda na gente,
é pior que piolho.
Mulher larga disso só se ruim for,
mas zela esse homem, se ele tiver carinho,
se ele te der livros, se ele te der amor.
- Caio Augusto Leite
O samba, o samba e nada mais
Eu queria ser bamba,
ser corda
de caçamba.
Mas não tenho cadência,
nem paciência,
não sei fazer samba.
Não sou viola,
não sou pandeiro,
não sou cuíca.
Sou verso sussurro,
quase calado,
ritmo duro.
Não tenho o berenguendem que a mulata tem.
Não tenho a malícia do malandro,
mas não deixo de cantar...
...quem não gosta de samba bom sujeito não é,
é ruim da cabeça ou doente do pé...
- Caio Augusto Leite
Lamento noturno
Minha dor é enorme,
ecoa meu lamento
por todas as ladeiras
por todos os cantos
do chão ao firmamento.
Minha dor é enorme,
não relaxa, não afrouxa.
Aperta meu peito,
marca a pele, deixa roxa.
Minha dor é enorme,
está pra lá do horizonte.
No sem fim do mundo,
no começo de tudo,
no profundo do ser.
Minha dor é enorme
está no seio da alma,
no adeus dos amores,
na perda da calma.
Eu choro torrentes, eu canto ninar
e a noite não dorme.
Sofro, corro, quase morro,
mas a dor quer ficar.
Minha dor é enorme...
- Caio Augusto Leite
A segunda pessoa
Eu te amo, está errado.
Você é Tu. Mas tu és você.
Essa segunda pessoa é louca,
de pedra!
Não sabe onde fica,
se sou eu, se és tu,
se é ele.
Eu te amo, está errado
- mais na vida que na gramática.
- Caio Augusto Leite
Nova estação
Quando nasceu, os olhos eram verdes,
da mais pura água de Bonito.
Era vida em efervescência.
Mas veio o vento da idade,
que foi aos poucos
escurecendo aquelas íris.
Quase negro já os olhos,
duas jabuticabas luminosas
no término da existência.
No momento que antecede a morte,
os olhos caíram no chão
- duas sementes lustrosas -
e fincaram-se no solo.
E da terra morta,
depois da chuva, do sol
e do orvalho,
nasceu a árvore.
Girou o planeta,
gerou novo tempo,
é nova estação.
- É Vida!
- Caio Augusto Leite
quinta-feira, 19 de abril de 2012
Precisa de sentido?
Nem morro,
nem morto.
Mortido.
Nem sarta,
nem sorte.
Sortido.
Nem farda,
nem Ford.
Fordido.
Nem amor,
nem amora.
Amido.
Nem poesia
nem prosa.
Provinça...
Sei la q issu, si é bunito si é feio
mais deixô meu peito ardido adido
axo que é peosia,
ou será que a meta
foi ser metapoesia?
- Caio Augusto Leite
Feio feio
Eu quero acordes
quase crus.
A voz cantando
no limite da fala.
Quero o verde,
mas verde Bandeira.
Não quero nada,
que eu não queira.
Quero os ritmos
tradicionais,
mas novíssimos.
Quero a nova poesia,
mas me deem livros
bem antigos.
Nem sei o que quero da vida,
mas tudo, tudo, tudo
que é flor será bem-vinda.
Tudo que amo
Amo meus pais,
meu país,
meu pé
que anda por aí.
Mas meus pais sumiram,
meu país tá em guerra,
e meu pé
tem chulé.
É sempre assim,
tudo some,
tudo explode,
tudo morre.
- Tudo que amo acaba.
- Caio Augusto Leite
Um uísque pro Vinícius
Que não seja chama,
posto que é duro.
Mas que seja imortal
enquanto isso.
- Caio Augusto Leite
Aquietamento
Baila a palavra
no convite e converge
para o encontro afinal.
Baila a palavra
no beijo, rodopia.
Tonta cai.
Baila a palavra
no ar, declaração
acústica, mero sussurro.
Baila a palavra,
que samba é esse?
Gritos loucos.
Baila a palavra,
pra lá, pra cá,
valsa de sedução.
Baila a palavra
em compasso quebrado,
tantas vírgulas, alongar o momento.
Baila a palavra,
mas a música para,
o amor acaba.
Bailava a palavra,
não mais se agita
as reticências chegam.
E as palavras,
murchas e acuadas,
se deixam levar pelo silêncio.
Pelo silêncio da noite,
da morte,
da solidão...
- Caio Augusto Leite
quarta-feira, 18 de abril de 2012
Supostamente opostos
Modesto conselho
Maré de estrelas
terça-feira, 17 de abril de 2012
Canção do não-cantor
Serenidade
Gal
Inanição sentimental
segunda-feira, 16 de abril de 2012
Ficou nas trovas
Captura de um instante
Inversão de planos
domingo, 15 de abril de 2012
Poema reserva
Na rua
Mais um metalinguístico
Mirando o cosmo
Um estranho no meu poema
Fadiga
sábado, 14 de abril de 2012
Dilema
Ou me inspirei da coisa linda,
ou ando escrevendo muita porcaria.
Não decidi ainda.
- Caio Augusto Leite
Confissão
Pro poema anterior, fui consultar a fórmula.
Já esqueci como conta,
só canto o amor.
- Caio Augusto Leite
Aviso ao crítico
O crítico não põe o gosto no meio.
O autor bate no crítico.
O crítico sai ferido, o autor com um poema.
- Caio Augusto Leite
Equação de nós
A flor da poesia
Saber
Processo
Mini-Poética
Quiromante
No porto
Tentativa de poesia
Multiplicação da Rosa
sexta-feira, 13 de abril de 2012
Verb*
Nem tudo que reluz...
Tarde em risco
Do poema ao coração
Agora é o Sol
quinta-feira, 12 de abril de 2012
Um novo passado
Andorinhas
terça-feira, 10 de abril de 2012
Particular, Eu.
Sinal - amor - fechado
Desilusão
segunda-feira, 9 de abril de 2012
Tempo de amor
sábado, 7 de abril de 2012
E se acaso...
E se um ladrão abre a porta
com balas de prata
que me fuzilam no peito?
Pra onde que vão aquelas palavras
que eu não disse?
Aquele amor que eu guardei
e aquela raiva que plantei?
Os sonhos,
os doces enganos,
os meus vinte anos,
pra onde que vão?
Nem Rita encontrei...
Quanta coisa que leva um ladrão
que abre a porta com balas de prata.
Me leva a mobília, me leva a família,
me rasga os versos do coração.
Se dependo do acaso,
como seguir?
A vida é fácil,
o difícil é existir.
Debaixo da pele
nem tudo é decifrável.
Deixo algumas páginas incógnitas,
umbigo de sonho, trama sem fecho.
Não é ser hermético,
é só questão de manter
bombas para os momentos
de tédio no deserto...
Silêncio é o meu profundo estado,
de quem é, mas não diz.
De quem sabe, mas não estraga a surpresa.
Não brigue comigo,
todo mundo é assim.
Por fora tantos brilhos,
mas por dentro os desejos mais remotos e sombrios...
São vales, são mares,
são príncipes a cavalo.
Mas sempre há Esperança,
em cada alma uma Caixa de Pandora...
sexta-feira, 6 de abril de 2012
Cruzamento
Me consome, me sorve, me some.
Me vira, me inspira, transpira.
Transpassa o sexo vivo no meu
e faz a noite virar éter.
Rodopios cegos de paixão,
sangue pulsante, as mãos trêmulas
o olhar sincero e dúbio
oh indeciso coração!
Nada falta, que falta fez
o beijo que se espalha pela boca
feito onda em maré cheia
e que saliva quente no horizonte dos meus lábios.
Vem e vai, vem e vai, maré amorosa.
E paira no recanto do meu corpo o silêncio
como a noite que chegou depois da tempestade.
Só eu e você - úmidos, impuros, despidos de castidade.
Do Eu até chegar em Você
Saudade danada
Na tua ausência, a poesia
Você se foi,
mas logo voltou.
Entre os dois instantes,
em tua ausência,
a poesia de mim brotou...
- Caio Augusto Leite
Senda minha
Espectro noturno
Ouve como a mata se dissolve na noite,
logo o verde e o silvo das serpentes silenciam.
O breu devora o contorno do dia
e circunscreve toda a luz que havia...
Boa noite, noite, noite.
Repousa o vento no leito de folhas secas
onde reina o segredo absoluto do silêncio...
Dorme a natureza,
e as nuvens que passam, passam suaves
para não estragar o sono de quem parou pra descansar...
Puxo a seda da cortina
saio da janela
e me lanço no silêncio...
Amarcomigo
Faz tempo que não te vejo,
as cartas não sabem de você.
Os presentes no passado.
E a cama não desarruma...
Faz tempo que não te vejo,
o último beijo já secou,
o último abraço já esfriou,
o último adeus emudeceu...
Faz tempo que não te vejo,
o vento sopra dor,
a lua depressiva
e o sol não me alumia...
Faz tempo que não te vejo,
meu amoramigo.
Vê se volta...
Faz tempo que não te vejo,
vem amarcomigo.
Não demora