quinta-feira, 30 de agosto de 2012

O distante reino de cá


É coisa de saber,
mas que não sei que sei.
É um segredo embrulhado
em casca de bom-bom
a sabedoria do mundo
dentro do caramelo.

Caramelo,
caramujo,
caravela,
Caramuru?

Que cara é essa?
Custa caro não saber.
Vê-las, as palavras,
estiradas pelo chão
das histórias e nunca lê-las.

- Mãe, compra aquele bom-bom?
- Que é bom-bom? Dose dupla de bom?
- É onde se encontram as palavras-agorinha-mesmo-nascidas.
- Xismágrifo!
- Mamãe, você é um bom-bom?

Ela era um bom-bom.
Como eu e você.
Dentro de nós
o gestar-parir de xismágrifos ainda, por cá, sem dedo-apontamento.

- Caio Augusto Leite

terça-feira, 28 de agosto de 2012

A garça


Pousada no concreto,
sob o córrego,
suja e alva.

Voando e estática.
O lá e o aqui.
As águas correm,
ela fica.

Olha o homem,
o homem não vê.
Garça bela,
de graxa, de falta,
morrerá intoxicada.

Intocada garça.
Que graça.
Pena que caiu
em desgraça.

A garça
é tu.
A garça
sou eu.

A farsa
da garça.
A garça
morreu.

- Caio Augusto Leite

domingo, 26 de agosto de 2012

Nacaradas


Belas, macias, coloridas.
Dormirei o sono mais leve
por cima da sua pele de algodão.

Bonitos carneirinhos que vão,
vão pelo infindo azul
levar ao longe azul
um cobertor de plumas.

Mas um dia, como toda beleza, acabarão.

E eu cairei de lá de cima
para a terra impossível,
onde a água molha
e leva o sonho.

Tão lindas,
tão minhas,
pena que chovem...

- Caio Augusto Leite

Liberte-me


Eu quero queimar essas folhas,
desintegrar o meu livro.
Me libertar das palavras,
reescrever meu destino.

Não quero mais versos,
nem chorar, nem chorar
essas sílabas.

Eu preciso queimar essas folhas,
mas queimá-las é apagar minha vida.

- Caio Augusto Leite

sábado, 25 de agosto de 2012

Às boninas


Belas boninas, que tão de repente
surgem nos chãos duros da cidade.
Quisera eu poder fazer com que os versos
viessem assim do pleno gozar da Primavera
acariciados pela palma da mão de Zéfiros.

É que as suas pétalas devem ser pintadas
uma a uma, cada palavra-cor no seu lugar.
O pólen colocado na medida certa,
chinesa paciência.

Mas em algo se assemelham:
na espera, no seu tempo.
Não apresse as boninas,
não force o verso.

Do chão, do corpo, da mente.
As florezinhas vão nascendo,
tecendo imagens que são por si.

E os versos que surgem
só sabem refletir a flor
que já não é mais a flor bonita,
mas a beleza de botar flor
onde flor não havia.

- Caio Augusto Leite

Amem seus filhos


Não amem seus filhos,
eles que vão decepcionar
todos os seus sonhos.

Que não amarão as mulheres pretendidas,
que não seguirão o plano traçado,
que vão fazer tudo aquilo
que você mais teme.

Não amem seus filhos,
que sairão de casa,
que levarão os brilhos,
as estrelas e deixarão
aqui todas as preocupações.

Que matarão aos poucos
os seus fios de cabelo.
Que um dia não mais voltarão,
que terão seus próprios filhos
e as mesmas penas que vocês.

Por isso não amem seus filhos...

Mas quando eles vierem pedir conselhos,
chorar o sonho ruim,
trouxer os risonhos netos...

Ah, não sejam insensíveis...
É o caminho mais difícil,
mas amem seus filhos.

- Caio Augusto Leite

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Desrazão


O nosso amor, tão nosso.
Tão de ninguém. Quando existirá?
Nosso amor vive do quando.

Tempo-quando, espaço-quando,tudo-quando?

E nesse não-lugar,
nessa hora nula,
nesse vazio cheíssimo
eu te preciso tanto.

O sol, o mar, as pedras
- coisas que vivem perto de você,
mas vivem sem precisar.
Sorte delas que nunca sofrerão
a tua ausência que só existe
pra me deixar feito Sorôco,
cantando, cantando, cantando...

- Caio Augusto Leite

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Conversa de gente grande


Coloquei Quintana
por cima de Guimarães,
agora eles estão conversando.

E eu, espantada criança babona,
fico ouvindo essas coisas de gente grande
que não compreendo.
Que só entendo,
desentendendo.

Não sei bem o que quero,
preciso ouvir mais.
E quanto mais ouço,
menos sei desse mistério.

- Caio Augusto Leite

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Dedin de prosa


Se a poesia não mais calha,
se não encontro ritmo e metro,
vou largar de mão.

Com pesar te deixo,
que nasçam os parágrafos.
Farei das prosas coração.

- Caio Augusto Leite

Acostumado


O feliz do nosso amor é um vácuo,
coisa sem coisa. Nada.
E são tuas memórias, nas minhas memórias,
que dão notícias de você.

Pois o tempo não nos permite,
o caminho não cruza
e a vida é um mar de desencontros.

Flutuante conserva de ossos,
essa coisa morta que vive,
o amor impossível que fica martelando
no meu crânio e me carcomendo o coração.

Mas o dia é tão bonito, Primavera no ar.
Tudo tende ao idílico, mas não,
não deixa o pensamento pousar as penas.

E voando pelo ar, te procura,
não te encontra e tudo,
tudo que podia transcender,
fica na mesma.

- Caio Augusto Leite

sábado, 18 de agosto de 2012

Silêncio-lêncio


Dentro da biblioteca o vazio,
pois nós já não existíamos.
Os cães, gatos e outros animais
que resistiram passeavam por entre os livros.

E mesmo que não possuíssem o dom
de decifrar as palavras ali contidas,
podiam ouvir o funcionar das engrenagens
que se escondiam dentro de cada exemplar.

Engrenagens emperrando
pela falta de uso.
Mas ainda vivas
e pulsando as coisas
que alguém escreveu para
ser eterno, sem saber
que nós não éramos eternos.

A humanidade não conseguiu lê-los a tempo,
Cronos desenfreado, criou mais filhos
do que poderia devorar.
E agora a palavra ficou sem ter quem a diga.

Os livros encerram em si grandiosos feitos,
grandes teorias, milhares beijos.
Mas sem nós, pobrezinhos,
estão fadados ao silêncio.

- Caio Augusto Leite

Abracem-se


Prefiro abraço que beijo.
Beijo molha, alaga,
deixa a gente cheio
de sede da sede da sede.
Beijo é sede.

Abraço quente,
quem te der um
sentirá teu cheiro
e o cheiro do outro
em cheio em ti.

Que caiam as pedras do apocalipse,
a paz, branca e pura,
vai perdurar.

Eduardo, amigo, abrace os livros
quando faltar braços.
Vire palavra,
doce poema.

Que ler é abraçar o mundo
dentro do próprio mundo.
É ter todas as coisas do mundo
nessa finitude de palavras.

Elas que guardam, no seu subterrâneo,
o movimento secreto do magma.
Preparando no silêncio das suas faces tipográficas
a verdade que pode explodir inesperademente.

Abracem!

- Caio Augusto Leite

Descobrindo o mundo


Derrubei, derrubamos café.
Eu aqui, tu lá, aí, onde?
Não sei, mas derrubamos.
Gêmea coincidência.

Reconectamo-nos
nesse momento
de epifania
cafeína.

É assim mesmo, banais momentos
que dilaceram e descortinam
a verdade da vida.

O importante não é descobrir o amor,
isso nem derrubando uma garrafa inteira de café.
Não há entendimento de amor.

O importante é saber
que não ficou impossível viver sem você,
mas que ficou insuportável.

E a vida insuportável tende ao cegar-se.
E então é preciso derrubar café para descobrir
as coisas que de tão achadas,
estavam já perdidas.

- Caio Augusto Leite

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Imolação


Uma bomba no centro da cidade,
bomba suposta, quem se arrisca?
Areia, artimanha ou explosivos?

O medo não é da explosão,
é da bomba coisa em si,
da bomba parada no meio da rua
que tiquetaqueia sua (talvez) iminente destruição.

Os carros passam pelas calçadas,
as pessoas se abrigam em lojas,
em bares, em casas desconhecidas.
- todas as casas são conhecidas,
estamos todos juntos no momento de trauma.

E vamos vivendo na paranoia da bomba
que não vai e nem vem.
Que não se sabe, a polícia não chega,
um cachorro - inadvertidamente - cheira o pacote,
todos suam, nada acontece.

As pombinhas de cima do fio admiram
aquela coisa temida.
Pomba branca, cinza, preta, multi-cor.

A mais branca, alvanca-de-branca,
desce e pega no bico a incerta-bomba
- oliveira mecânica -
e leva para o mais alto céu.

Lá no indivísivel espaço
a pomba vira luz
na bomba que voava.

Uma bola de fogo, bola-bomba-pomba.
Clarão!
Salvação!
Arco-íris.

Terra firme novamente
e as pessoas podem andar na rua,
pois sabem que sempre haverá
uma pomba para sacrificar-se por elas
em nome do pafilhespirisantamem.

- Caio Augusto Leite

sa-da-de


Hei de não chorar e nem sofrer
com tuas ausências tão constantes.
Inventarei outros tus nos outros eles.
Deslocarei tua voz para o patrão
que insiste em ficar chamando minha atenção.

Tuas pernas para a colega da frente,
que se mostra sempre e sempre,
numa saia curta, por baixo do gabinete
é o grande assunto da repartição.

Teu cheiro nas pessoas tantas
dos ônibus e metrôs,
que exalam o suor do dia,
quero agora seu perfume de lavanda,
de pimenta, de cebola, daqueles temperos
que você usa na comida.

E todas as partes vou jogando
e multiplicando por aí.
Criando alegrias em similitude,
mas nunca plenas como as de ti aqui.

Mas o coração eu poupo,
deixo no lugar de sempre.
Que é pra eu poder saber
que tu és tu e não outro qualquer
que eu transfigurei em presença.

Transfigurei para não morrer de saidade,
saudade de idade, que saudade muito velha
descola da moldura coração.

Mas por vezes te esqueço um pouquinho,
que saudade muito nova
não dá graça de matar.

E quando não se tem saudade na medida,
o caldamor começa a esfriar.

 - Caio Augusto Leite

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Qual amor?


Não quero seu amor cortês,
idealizado em fontes,
delícias, flores
e ovinos pastando sossegadamente.

Não quero seu amor cartesiano,
repleto de certezas, solidez
e objetivismos que não
me deixam sonhar.

Não quero o amor cortesã,
que não sabe encontrar a beleza
nas coisas bonitas além carne.

Quero cortesia,
mas disse que não queria.
Já não sei que quero da vida,
nem que amor espero, se espero,
nem sei se quero.

Eu quero?

- Caio Augusto Leite

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Vestir-te


Visto coisas que não me servem,
ou sobram ou me apertam.
Visto o cotidiano
e às vezes penso
que ele que me veste.

Invisto no futuro,
mas não tenho mais presente.
Presença, ausência, tu
e todos os fonemas de saudade.

E eu já não quero mais brincar
de ser brinquedo.
Nem de chorar o choro
que não é meu.

Preciso tirar teu sorriso, tuas mãos
e teu coração de dentro da gaveta.
E vestir teu corpo no meu corpo,
tua alma, tua ferida, teu cuidar.

É preciso vestir você, pois só em você
o corpo se acomoda, se encontra
e se despoja das tristezas
do mundo que não quero pertencer.

- Caio Augusto Leite

O que quero e não tenho


Quero o poema, mas o poema hermético
onde só eu me reconheça
e não pouse sobre ele
a pena de outrem,
em pálida presença.

Quero circuito fechado,
um quarto,
um quadrado,
uma solitária.

Quero os versos da solitária,
verme prodigioso que cresce
no escuro de nós.

Quero seus segmentos feito estrofes,
quero o encerramento aqui,
não copiem meu poema.

Desejo o mais fechado e incomunicável versejar
e por desejar e por escrever o desejo,
logo mato o desejo.

Todos os poemas são de encontros
ou de desencontros.
Ou aceito o teu mote,
ou declaro a ele morte.

Nunca farei o poema que pretendo,
nem mesmo esse alcançou a plenitude.
A impossível plenitude de ser.
De apenas ser, sem refletir nem espelhar.

- Caio Augusto Leite

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Ama-me



     É preciso considerar as coisas que temos. E as que não temos, mas queremos ter. Os planos meus, teus, nossos. Os medos, as desculpas, as obrigações, as necessidades. Te ver também é bom, uma vez por semana, pelo menos. Ouvir também um pouco da tua voz, semi-voz de sussurro, que você me ouça também. E que me toque, me retoque, me descubra a pele nua, a alma vestida de olhos – teus. Não matar os rivais, mas também não ficar indiferente se alguém chegar muito perto de você. Desprezo e odeio as segundas intenções dessas pessoas que não perceberam que a gente já se pertence, não há socialismo possível.                                                                                       

     É preciso comunicar em cartas, mensagens, de alguma forma te contar as novidades do dia. Brincar no parque, almoçar no domingo, ver o futebol, o filme sem graça, o clássico em preto e branco “As time goes by”, ouvir música, cantar junto, dormir no tapete. Fazer brigadeiro, brigar um pouco, ficar distante, ter saudades, suspirar no meio da noite, chorar no banho, pegar fogo no desejo mais ardente. Matar tudo isso no próximo reencontro. Sorrir.                                   

     É preciso não seguir os conselhos, siga o coração, o clichê indomável. Coração, coração, grande perdição. Perdurar. É preciso perdurar. Mas não se arrastar, isso não. Seguir de pé, saudável, sem saudosismo. Cada dia um novo dia e no novo dia uma nova constatação do querer que precisa continuar querendo. Verbalizar às vezes, demonstrar sempre. Não espalhar essas coisas por aí, deixar um pouco oculto sob a face da Lua que nunca vi.                                        

     Mas não, não sei. Será assim mesmo? Falo besteira? Falo do quê? Ah, é só uma tentativa de teorizar o que nunca viu certezas. É melhor deixar tudo em paz, corre riacho pra onde tiver que correr. Que as águas sempre sabem os caminhos, mesmo que sejam tortuosos, pedregosos, cheios de limo, poluição, desgraças. Segue o rio, atravessa o rio, seja o rio. E quando chegar a hora, quando chegar a vez, saberá que deve atirar-se ao mar e amar de uma vez. Dessa vez para valer, pra sempre – até onde a vida permitir. 

- Caio Augusto Leite

Anagnórise


Procuro em ti a marca fundamental,
é preciso revisar teu corpo e alma,
despir-te, tocar-te, vasculhar-te
pela frente, pelo verso, pela rima,
pela aparência, pelo som, pela essência.

Estou cheio de paixão,
mas não encontro
o risco, o círculo,
as ondulações
ou qualquer sinal.

Nem uma pinta,
mancha. Nada.

Mas hoje, num momento divino
de reconhecimento, eu te percebo.
Em sua perna a cicatriz,
porque você é meu Ulisses
e eu tua Penélope rendeira.

Costura, procura, descostura, espera.
Chegou de uma vez, de vez, pra sempre.
Longas vidas e devidos reencontros,
junção de almas, de calmas.

Talvez precises partir,
longa viagem.
E eu te espero, te reconheço,
te perdoo como sempre fiz
nessas vidas todas.

- Caio Augusto Leite

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Nunca foi acaso


E o acaso sombrio vem numa revoada
de urubus que desfazem a alegria
que um dia tentou brotar
nessa terra infértil.

As plantas minguam,
os meninos choram
e os corações apertam.

As aves negras voam,
se camuflam de nuvens
e chovem, chovem
sobre a cidade.

Nos meus cabelos,
nos quintais,
nos telhados.

Em todos os lugares
as fezes, os abutres,
a carniça de um tempo
sem tempo para comunhão.

O relógio da torre
não anuncia o futuro,
funciona ainda?

Todos os ponteiros
estão prontos para
parar suas funções.

E o clímax (ou anti-clímax?)
está no bater de asas
que varre as casas
e nos deixa morando
no não-morar.

No parodoxo inexplicável
dos acasos que surgem
do céu por obra de Deus
ou do Deus que sugerimos haver
para não nos comprometer?

- Caio Augusto Leite

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

A incompreensível criptologia de tudo


Onde habita a sagrada matemática de tudo?
Que triângulos, quadrados e cubos (mágicos)
costuram a verdade absoluta de nós?

Será mesmo que tudo nasceu para o encaixar
milimétrico, cadeias atômicas de um destino consumado,
todos os amores como vagas de estacionamento
- sai um e logo chega outro?

Estranha equação, há mesmo paridade?
Ou pra lá do sinal de igualdade
existe um sem fim de letras que não
se identificam com os algarismos
que moram do lado de cá?

Esquadros, esferas, retas.
Retas infinitas, no infinito
ainda estaremos?

Clepsidras, ampulhetas, quartzos.
Ponteiros, tantos ponteiros.
Ponteiam e apontam nossos corações
em compasso, marca-passo das estações.

Inverno, verão, sei lá que mais.
Não entendo, não consigo, não me digam.
Apenas exista e deixe de lado os cálculos
que não sabem o peso dos nossos momentos.

Embaralho as cartas, as coisas, os motes.
Tenho seus olhos, braços e lábios tão perto
que espanto essa mosquinha sem razão
e esqueço a (impossível e nunca vista)
sagrada matemática de tudo.

- Caio Augusto Leite

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Cartaz desbotado


Me chamaram para brincar no parque,
mas o parque já não era.
Era apenas saudade do parque,
meus amigos não viram
que o tempo passou.

Girou no gira-gira,
subiu na gangorra e ainda era menino,
desceu um homem.

Eu sei o que restou,
muita ferrugem,
muita ponta de lança
- brinquedos quebrados.

Vultos risonhos de um passado,
passado bom, pensando bem.
Meus amigos chamaram para
brincar no parque.

Mas eles não sabem
que o tempo voou.
Que não tem mais parque
e que eles nem são mais meus amigos.

- Caio Augusto Leite

Inexistente alhures


Às vezes é melhor te ver de longe
e captar seu sorriso mais inocente
sem a influência sorrateira
dos meus olhos que tanto te amam.

Aí eu percebo que existe felicidade,
existe além de nós.
E quando percebo meus risos
em espelhos partidos,
entendo que também posso ter.

Hoje cedo, na rua, eu te vi
e sorrias como se eu estivesse ali.
É possível que sim, acho que quando
os corpos dividem a cama,
também dividem a alma.

E quando sorrio, também estás aqui.
Não há amor distante.
Meu riso, meu brilho, meu coração
é você em todo instante.

- Caio Augusto Leite

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Amando menos


Te amar é amar menos,
medo de não te amar
e vou te amando,
e menos amando.

Não amar é não amar,
viver para amar
é não viver, pois
amando ou não amando
não se ama.

E se não se ama,
não se vive.

Amar viver é não amar
morrer.
Não amar viver é morrer.

Amar é viver e morrer.
Não amar é morrer sem viver.
Amar é não.
E não amar é.

Só não sei o que é,
pois amo e sou não.
E se não amasse, seria.
Mas não quero ser.

Prefiro não ser amando
do que viver sendo,
mas morrendo um dia
com o silêncio do que não ama.

Pena que agora te amo menos.

 - Caio Augusto Leite

Hecatombe


Retiro minhas vestes mundanas,
limpo meu corpo com álcool
e esfrego a pele até sangrar.

Acabo com todas as impurezas
que o dia me dá.
Estou cândido novamente.

Aparo as unhas,
faço a barba,
corto os cabelos.

Deito sobre a ara
e espero sem medo
o corte fino da adaga.

E quanto mais morro,
mais permaneço.
Nunca te esqueço.

É o decepar de toques
que me lanha o corpo,
que me salva a alma.

É o necessário sacrifício
que me submeto por vontade própria,
só pra não te perder, nem me perder.

Uns acham que é loucura,
outros nem conhecem.
Eu chamo de amor.

- Caio Augusto Leite 

sábado, 4 de agosto de 2012

O sumiço de mim


Deu no jornal,
busco agora o homem
que desapareceu na quarta.

Mas pode ter sido na terça,
ninguém o viu naquele dia também.
Sumiu em qualquer dia,
sequer sumiu
será que existiu?

Esquinas, esquemas, equações...
é inútil buscar,
as ruas estão vazias,
os planos falham,
a matemática não computa o que não há.

Sei que existe muita ocupação
nos seus afazeres, irmãos humanos,
mas me ajudem, procurem,
preciso revê-lo.

Debaixo do tapete,
atrás da porta,
no vão dos muros.

Em qualquer sábado,
nos Natais passados,
no fundo de fotos aleatórias,
quem sabe alguém o captou?

Se ninguém o encontrar,
o que será de mim?
De mim? Quem?
Eu?
Onde?

Sumiu,
deu no jornal,
você não viu?

- Caio Augusto Leite

O sonho acabou


Caetano faz setenta,
e ninguém mais tenta.
Não há mais lua,
nem sol,
nem a luz de Tieta.

Algo escureceu, alguém mais percebeu?

Gil faz setenta,
não há o que se refazer,
o amor chegou no fim,
rebentou,
falei com Deus, ai de mim.

Falei e ele nada respondeu.

Milton faz setenta,
morreu na travessia,
não há baile na vida,
nem fé, nem faca, nem Maria.

Chamei Maria, ela acenou adeus, não mais sorria.

Paulo faz setenta,
foi só um rio,
foi vendaval,
foi leviano.

Todos parados num sinal fechado.

Só resta esperar que Chico faça também,
que faça também setenta.
Aí voará o Carcará,
numa gota d'água,
numa lágrima de sabiá
a Banda vai findar...

- Caio Augusto Leite

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Que nunca virem estrelas


Toco nos teus cabelos
e sinto a beleza dos fios,
que um por um tramam
a imensa confusão da tua cabeça,
dos teus pensamentos, dos teus anseios
em forma de revoltosa cabeleira.

Lavanda, limão, cravo:
aromatizados pelas próprias mãos de Flora.
Ninfa par de Zéfiros, ele que passa
e ondula teus cachos feito Medusa,
mas Medusa contrária, só teu olhar
pra despretrificar meu coração.

Preciso te esconder do mundo,
guerras nasceriam, tantas mortes,
todos buscando a seda sinuosa
que brota de tua cachola.

Buscarei belezas outras para ofertar aos deuses.
Que Afrodite nunca te encontre
para raptar teus dourados fios
que pendurados feito estrelas - ao lado de Berenice -
só seria possível o toque ao morrer, de afogar-se, em largos rios.

- Caio Augusto Leite

Xodó


Yupi, uipi, Uipi-você.
Meu atualizado Dindi.
Ficará aqui, ou baterá asas
indo para outro jardim?

Tudo verdeja, se te vejo.
Ribeirões, rosinhas
e todas as delicadezas
que a natureza cria.

Já não sofro, sei que é vão.
E as lágrimas que teimam em cair
são prefácios de felicidade.

No reino dos sorrisos és soberano,
Uipi-lá, Uipi-cá, Uipi-você em todo lugar.
Tem Tom seu Dindi e eu criei você.

Um carinho,
um afeto,
um Uipi pra mim.

- Caio Augusto Leite

Integração de corpos


Tão perto de ti que ouço tua barriga roncar,
sinto o cheiro do xampu,
do sabonete,
da colônia.

Tão perto de ti que sinto teu coração
quase saindo, teu sangue correndo,
teus pulmões recebendo ar.

Tão perto de ti que sei o que pensas,
por onde andam o sinais elétricos,
as sinapses, as mitocôndrias trabalhando.

Tão perto de ti que me perdi
dentro do teu eu.
Sei lá quem sou.

Sou esse que fica perto de ti,
só pra não ficar sendo eu,
sendo ninguém.

- Caio Augusto Leite

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

( )


Havia dentro de mim um poema pronto
nascido dum relâmpago de (in)consciência.
Verbalizaria de vez tudo o que em mim chorava,
sussurrava, pedia para sair do escuro.

Mas o tempo me deu um susto no meio do caminho
e do meu coração escorreram todas as estrofes,
versos e palavras que aqui moravam.

E foi tudo minguando, não há discurso possível.
Descoloriu, esmaeceu, virou silêncio.
Nada têm, as palavras. Elas apenas são:
opaca parede, grande sigilo, nenhum mistério.

Nada perdi, pensando bem.
Só daria ao mundo mais falseamento.
Quanto mais palavras digo,
menos há de entendimento.

- Caio Augusto Leite

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Impossível afago


Está tão frio
e sua ausência
é vontade de chorar.
Mas se choro, choro agulhas congeladas
que queimam a pele triste.

Traste, trágica vida nos dividindo,
em qual mundo distante nossa história deu certo?
Ou será que dará ainda,
depois de todas essas hesitações,
provações, provocações do destino.

Ânimo, menino.
Cuida dos teus silêncios
e grite quando puder...

Grite, chame, implore, apele!
Apelo, ah pelos, oh beijos.
Cuidado, criança, o jogo é de queimar.

Que mar é esse em que se nada,
nada pra nada achar,
de que vale tanto esforço
se tudo é afogar?

Está tão frio
e sua ausência,
e sua presença em gestos casuais,
raras lembranças.

Quanto mais chove,
mais choro, mas choro
com tanta delicadeza
que talvez Deus se compadeça...

É triste não te achar,
é longe te perder.
É fácil sorrir,
(brilhar e vencer)
quando eu sou você.
Sol de você.

- Caio Augusto Leite

Da plenitude




     Era preciso escolher um dentre os três escrínios. Não era uma decisão fácil, pois ninguém sabia o conteúdo deles. Havia muita ponderação, medo do risco, lágrimas rolavam com a perspectiva do erro. Mas não havia tempo para esperar uma resolução da vida.  Só ele podia apontar o dedo e dizer: Eu escolho esse do meio, ou da esquerda, ou da direita? Por que não podemos ficar com todos? Mas não resistiu e acabou por escolher e na escolha encontrou apenas três moedas de ouro, era a prosperidade material...                              
     Viveu alguns anos com todos os prazeres da vida, os luxos, os regalos, tudo de lindo estava dentro do seu alcance, mas sentia que faltava alguma coisa e negociando, com seu dinheiro, conseguiu a chance de trocar o escrínio. Dessa vez tirou de dentro dele uma pena e um par de óculos: era o saber mais puro.                                                                       
     Sabia de tudo, todas as esferas do conhecimento, as fórmulas, os cálculos, as artes, os ritmos, as métricas. Nada ficava longe dos seus olhos atentos e da sua mente extremamente treinada para entender todos os fenômenos existentes. E por saber tanto, sabia que faltava algo e usando da sua astúcia trocou novamente os escrínios. E pela última vez abriu a tampa e retirou um coração sangrando enrolado em um pano de seda. Tinha em mãos o próprio amor, o amor de todas as eras.                                                                        
    Amou, amou sim. E teve todos os sorrisos, beijos, toques e esperanças que só esse sentimento pode trazer. Mas por amar demais, também sofria, pois sabia que ainda faltava alguma coisa. Não tendo ouro e nem sabedoria, não podia trocar de destino. Sendo apenas mais um apaixonado, tomou uma decisão radical: jogou todos os escrínios no fogo ardente da eternidade. E sem nem um tipo de algema que o prendesse, seguiu seu caminho com a felicidade mais primitiva. É uma pena, não teremos a plenitude e sendo assim a total ausência de tudo é a única maneira de ser pleno, mesmo não sendo.



- Caio Augusto Leite