sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Atualmente

Me parece que o mal gosto atual advém, não só da péssima qualidade de produção. Da falta de matéria de poesia, de exigência. Mas sobretudo da capacidade instantânea de se emocionar. O ser humano nem sabe mais controlar suas próprias emoções, qualquer frase melosa já aflora uma sensação emotiva incontrolável. Mas pra mim não, eu que não me contento com o baixo nível de intenção, só chego as vias de fato, de chorar, de sorrir, quando alcanço o extremo que a emoção suporta. Poucas coisas são dignas de sentimentos eternos como amor, alegria e esperança. E eu mais do que renegando vender minha alma, renego também ser tão barato. Me desculpem os de senso crítico vazio, mas eu só me entrego a coisas verdadeiras e eternas. Para as outras, deixo que a efemeridade de suas durações respondam por si só a sua pequenez perante aos grandes e eternos artistas, fazedores de arte e não vendedores da mesma.

Caio Leite - 01/01/2011

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

O futuro da dama caída

Hoje ela percebe o tempo que perdeu tentando ser perfeita. Desde que se entendia por gente viu-se pressionada a mudar, querer o que não queria. Chorava. Gritava. Tinha medo.
Foi adaptando-se, passou a comer menos. Horas na academia. Laxantes. Foi emagrecendo e perdeu seu ego. Após isso decidiram que ela não seria tão feliz com aqueles cabelos. Mudou, tingiu, cortou. Agrediu os fios de todas as formas que se pode imaginar. Perdeu então sua genética.
O sorriso – disseram - era feio, dentes precisavam ser brancos. Brancos demais. Correu a garota para o dentista e alvoreceram ainda mais seus – já então perfeitos – dentes. Perdeu agora seus instintos. Mas sua embalagem também era necessária ser bem feita. Gastou tudo quanto podia. E perdeu sua humildade.
Para uma linda menina que se tornou era bom estar bem acompanhada. Trocou seu namoradinho por um sem-cérebro do colégio. Perdeu então o prazer do amor. Queria manter-se popular, para isso, passou por cima de tudo e de todos, foi-se embora sua honestidade.
Nunca fora rica. Para continuar seus mimos, tornou-se promíscua, atirando-se para todos que pudessem de alguma forma, continuar a bancar suas extravagâncias de falsa menina rica. Perdeu sua dignidade. Tornou-se uma dama da alta sociedade, uma importante figura e perdera por fim sua felicidade.
Mirando-se agora no espelho, se sentia como um oco de árvore. Sem espírito. Pesava como uma vida a lágrima sem sentimento que lhe rolava a face plastificada. Quanto deixou de lado? Deixou toda uma eternidade, deixou todo um passado. Mas queria ainda seu futuro.
Tirou o sapato alto e lançou-o ao espelho, partindo em milhares de cacos seu mais antigo amigo. Arrancou as jóias jogando-as num canto qualquer. A maquiagem agora lhe borrava o rosto, misturando o negro, com o rosa e o carmim. Numa sofrida aquarela, uma sombria máscara de partida.
Lançou-se porta afora, descalça, descabelada, o rosto manchado e o vestido amassado. Saiu em busca – talvez inutilmente – de um tempo que perdera há tantos anos. Como um espírito da floresta que retorna ao lugar de origem. Como uma nova a vida a ser parida, nascendo da reconstrução das próprias entranhas, como a fênix mitológica.
Despiu-se de todos os rótulos, todos os amuletos que a prendiam no mundo preconceituoso que se deixou dominar, sem nem mesmo perceber o erro que cometia. Preocupar-se-ia com seu ser interior, sua essência. Quebrou-se o frasco da dissimulação. Era tempo de viver em campo aberto. Como uma ninfa ao encontro da natureza. Como um sabiá canoro ao encontro da vegetação. Como uma rara brisa nas flores das acácias. Era tempo de liberdade. Viva!


Caio A. Leite - 04/11/2010

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Tragédia no mar

Horizonte que me perco
e me acho e me engano.
Horizontalmente me
desfaço de mim.
Num mar que pede
para que eu me rasgue
em morte.

Num salto mortal
de acrobata que
desfecha a vida
num último movimento
perfeito e inspirado.

Caio nas rochas
doídas, manchadas
de musgo e dor.
Caio nos recifes
de coral, caio
no esquecimento.

Enquanto o veleiro
ao longe, sem saber,
invoca a paz inerente
da terra.
As gaivotas, as ondas
e o sol poente irradiavam
uma alegria serena.

E eu nu de todas
as lembranças
caía na pirueta
sangrenta de
findar.

A noite faceira
anunciava-se;
e o corpo moído
de rochas era velado
pelas vagas tristonhas
que escoavam o sangue
em suas águas.
Como que amanhecendo
antes da hora sua face,
num banho cruel de sangue
e espuma marinha.

Caio A. Leite - 07/12/2010

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Carta ao tempo

São Paulo, 26 de novembro de 2010

Ao tempo,

Agora que passastes, encontro no futuro a esperança de encontrar a felicidade. Ando atordoado para o fim.
Deixo a ti todos os meus sonhos moídos, aqueles pequenos desejos infiltrados no inconsciente impossível de querer. Deixo também alguns cabelos brancos que surgiram do desespero, da angústia e das preocupações que me trouxe.
Sr. das Eras não me mates antes que possa rever os olhos gris que se perderam na poeira das ruas. Que eu me despeça dos bons amigos e que eu possa dizer a eles mais que um "como vai você?".
Da antiga casa, que passei a infância, não envelheça a nem se perca em teias de aranha. Nessa manhã que inspira vida, a morte é irônica ao calejar essas mãos cansadas, em fragilizar esses ossos velhos e em escurecer a visão míope de leitor assíduo.
Meu Deus Tempo, carinhoso feitor, devora-me a alma. Devora-me o corpo pouco-a-pouco. Não dê margens para arrependimentos. A chuvinha molha os vidrinhos escoando vitalidade ao redor, mas não em mim. Chove, chove, chove e fim. Morte!


Até quem sabe
O filhos das horas

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* - atividade proposta na aula de literatura

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

A casa do monte

Da alta colina vejo o borrão estático e sem voz da cidade morta. Como um tumor em meio a natureza estonteante de matas, rios, aves e arco-íris. O barulho do ir vir dos carros é atroz como a sinfonia fúnebre da morte inesperada. Os enormes prédios encobrem o miosótis do céu, e os fios de eletricidade matam as altaneiras árvores de século que passou.
As crianças crescem sem saber do puro ar que desprende das damas da noite no findar do dia. Do espetáculo que o arrebol imprime nas nuvens, no firmamento. Enquanto lentamente as estrelas ponteiam na presença espiritual da lua. Ah! os cometas, ninguém os vêem lá de baixo e nem o som das cigarras ouviriam completamente.
Aqui posso andar descalço e transladar energia com a terra roxa, terra fértil geradora de vida. Meus abraços encobrem os troncos rugosos da mangueira. Minha boca sente o gosto da carambola nova, do pé, vinda do próprio ventre desvirginado das folhas. Parindo vida em frutos e sementes.
Ainda visito a metrópole onde, por vezes, preciso realizar tarefas que a vida natural não me permite. Fico logo irritado com tanta poeira, tanto asfalto, tanta dor. Subo na minha casinha encarapitada no fim do tempo, como um Olimpo particular. Onde ainda posso sentir a mão de Deus criando cada abelha a zunir, cada gota de orvalho. Como se as divindades usassem aquele último espacinho para jorrar toda sua criatividade de aquarela mística.
Sempre a acompanhar a cidade da pedra mais alta da encosta. Quando me canso e a noite traz os pirilampos, desço para o meu lar. Fecho as cortinas e durmo com as janelas abertas, como se fizesse parte de algo maior. Compactuando meu viver com a própria energia selvagem ao redor. Como se não houvesse mais medo, só a paz e alegria de recolher do dia a mais pura forma de existir.


Caio Augusto Leite - 18/11/2010

domingo, 14 de novembro de 2010

Poema dos olhos tristes

"Às vezes precisamos esquecer a dor. Não devemos deixar que ela apague a chama da vida. Precisamos nos amar mais."


Das esferas oculares
já não vejo cor,
dos relâmpagos
não me imprime cor.
O cinzento das tuas
íris calam qualquer
sopro de amor.

A face tarde ao
findar celeste.
A boca torpe
como fatigada
em guerra.

O peito ruge
na carência
aberta.
Ferida florida
em constante
inércia.

Daria eu todos
os meus sorrisos.
Para abrir-te
os lábios em
ingênuo riso.

Daria eu minhas
buscas tolas,
pra encontrar
quem te feriste.

Como um pássaro
que agoniza nos
últimos instantes,
sou vento de vida
e ladrão da morte.

Roubo-te as tristezas
para ver-te bem,
roubo-te as angústias
e o chorar também.

Não sei se posso
te salvar da treva,
nem se da minha
dor saberá na ida.
Mas das alvas
peles que se tocam
já não se entendem
como eu vira.

Dos olhos o torpor
é claro. Da esperança
a espera é morta.
E do amanhã a partida
é farsa. Adeus.


Caio A. Leite

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

A última morte

Era Natal. Mas sua árvore não havia presentes, sua árvore era um galho seco com uma fita de cetim amarelo. Seu prazer era ver o vai e vem de transeuntes com seus presentes embaixo do braço para levar para seus filhos. Seus parentes eram as paredes do beco, sujas, frias e úmidas demais para ela. Via as garotas com seus vestidos novos, de mil cores, mil variedades. Sua roupa era uma calça puída de moletom velho, uma camiseta e uma blusa tão ou mais esfarrapada que a calça. Via as pessoas saindo da igreja, impressionadas com o teto ornamentado de peças Renascentistas, ficava feliz em lembrar que a abóbada de seu lar, eram as estrelas, e eram tantas.
Já batia aquele frio de fim de tarde, ela se enrolava em suas cobertas, e olhava as faces daquelas mesmas pessoas, com seus presentes, suas árvores e seus vestidos. Por mais que elas tivessem tudo que queriam, a impressão de tristeza era eterna, as pessoas eram velhas sempre. Ela sorria, e na face confundia com a fuligem da rua, um sorriso se espelhava e transbordava para todos os lados.
Ela dormiu atenta ao barulho dos carros, para que quando desse meia-noite, pudesse ouvir o ressonar dos sinos, e poder dividir junto com seu pequeno irmão, a fatia de pão que recebera de esmola, uma esmola a quem tem tanto de alma e nada de físico. Ela dormiu antes do sino, antes da árvore, antes do irmão, ela dormia solta, voou para nuvens além. E das estrelas que enfeitam o seu teto, ela vigiará seu pobre irmão, sozinho agora. Os sinos badalam fortemente, o garoto acorda assustado, tenta acordá-la, não consegue. Desespero. Fina lágrima corta o rosto do pequenino, cai no rosto dela, ela está fria, o pão está ali, ele come um pedaço e oferece o restante para o corpo inerte, ele recusa, mas ele sabe que uma hora ela comerá. Ela não acordou naquela noite, e nem na outra, o corpo em estado de putrefação chamou a atenção, recolheram-na. Foi enterrada num cemitério católico, indigentes são católicos? Ninguém sabe, mas de que adianta não há como indagar. O triste pesar, mais um que parte sem árvore e sem presente. Agonia das cinzas noites de Natal que jamais foram vistas, nubladas pela felicidade ou pela cegueira opcional. Em sua lápide, apenas o seu nome e o epitáfio:

Esperança.

A última finada, não resta mais nada
Abracem o caos, agora jaz seus sonhos
Suas lutas e suas glórias.
Não há mais, há só uma densa nuvem de calamidade
Chorem e se despeçam, acabou a felicidade.


Caio A. Leite

terça-feira, 9 de novembro de 2010

A voz do Brasil


Qual é a maior cantora do país? Podem perguntar, re-perguntar, gritar, procurar em todos os lugares. Não adianta, essa - aparente - simples pergunta, não possui resposta.
Delegar esse título a apenas uma voz seria como mostar apenas uma parte verde da colcha de retalhos, e setenciar que a colcha é toda verde. Quero dizer que temos vozes demais para entregar um cetro e uma coroa.
Muitos diriam categoricamente: Elis! Claro, não se nega a importância da Pimentinha e sua voz de trovão. Do seu jeito único e eclético, indo de Adoniran para Rita Lee.
Outros diriam Dalva de Oliveira, sem dúvidas o rouxinol também tem seus créditos, seus agudos impressionaram Villa Lobos e a bem longe da terra de origem, a própria Rainha da Inglaterra tremeu ante sua voz de ouro.
Poderia eu dizer, como admirador incondicional, que a maior foi Maysa. A mesma que possuía os dois enorme olhos verdes e que encantou os cinco continentes por onde passou.
Muitos pensariam nas irreverentes Rita Lee e Elza Soares, na passional Ângela Maria. A meiga Nana Caymmi.
Outros lembrariam com carinho de Dolores Duran a sensivel compositora de "A noite do meu bem" e que morreu precocemente aos 29 anos.
Outros trariam a tropical Gal, a sublime Bethânia, a doce Nara.
Uns mais apegados as raízes, lembrariam de Clara Nunes e todo seu molejo de sereia dos rios - levando em conta que Minas não possui praias. Seu samba é um ícone de toda uma geração. A Portela agradece.
Teria outros ainda mais nostálgico que dirão: Elizete Cardoso (A divina!), Linda Batista, Dircinha Batista, Marisa Gata Mansa, Nora Ney, a luso-brasileira Carmen Miranda ou então sua irmã Aurora.
Alguns modernos arriscariam algo como Paula Toller, Ivete Sangalo, Ângela Roro e outras contemporâneas.
Mas ainda nego! Nego todos, não há essa classificação.
Unindo todas essas maravilhas, enlaçamos emoções que Elis não transpassava mas que em Dalva sobrava. Constituindo um firmamento de cantantes.
A voz do Brasil é de Maysa, é de Elis, de Dalva é de todas aquelas que conseguiram passar com sua arte a verdade impregnada em cada poro suado ao expelir a alma a cantar pelo mundo afora. A voz do Brasil é um jogral, é um prisma multifacetado. A voz do Brasil é nossa!!


Caio A. Leite - 09/11/2010

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Música: Serenata do Adeus


"A lua aqui no céu surgiu. Não foi a mesma que te viu." Parecia o poetinha estar inspiradíssimo - talvez com o luar, talvez com uma paixão - ao começar com esses versos "Serenata do Adeus". Já nas primeiras notas é possível entender que a letra discorrida pela veia poética de Vinícius traria - sem nenhuma surpresa - mais uma bela, emocionada e saudosista canção.
Há um pesar imenso de separação, uma dor de amor que terminou. Nem mesmo a Lua, e sua divina inspiração eram a mesma para os dois, tudo os distanciava agora. Só restava o temido adeus. Clama o eu-lírico por uma vontade de ficar. Mas tendo, a contragosto, que partir. E ir morrendo pelas feridas que esse amor lhe trás. Ao fim implora que essa mulher o mate de uma vez, para que não sofra mais, que se esvaia toda dor e desilusão. Compara-se a estrela pura que morreu na triste tarde, assim como ele que morre pelo adeus. Pelo eterno adeus imortalizado na serenata final da separação. Sem mais chorar, sofrer. Apenas tentar seguir em frente. E nada mais.


sexta-feira, 29 de outubro de 2010

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Diálogo na métropole

Esbarro num corpo.
Os papéis caem.
Ajudo a recolhê-los.
Reconheço as faces
rubras.
- Joana! Por onde andavas?
- Desculpe, não estou te
reconhecendo.
Meu olhar era de espanto
com incredualidade.
Esperava que ela dissesse
que era alguma brincadeira,
não foi.
- Sou eu. Mário, estudei
com você.
- Mário, Mário, desculpe
não consigo recordar.
Seu semblante era vago,
como se tentasse buscar
um passado distante.
- Estud... - comecei
mas fui interrompido.
- Hei Joana, consegui um
táxi - um homem distante
acenava.
- Preciso ir, fique com
meu cartão, nos falamos
depois.
Ela correu para o carro.
Beijou o rapaz, e o
veículo partiu.
Partiu no veloz
correr da cidade
agitada e nervosa.
Andei com passos
tímidos, caducos
de tempo.
Olhei o cartão.
Advogada.
Ela queria ser
engenheira.
Caminhei mais,
amassei o cartão
e o joguei no lixo.
Cruel tempo de passar,
nem tudo será como antes.
O fim, às vezes, não se
evita.
Como o meu rosto que
Joana esqueceu, como
o muro que agora se
ergue na construção
a frente. Para trazer
novos prédios ao rugir
da metrópole selvagem.

Caio A. Leite - 28/10/10

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Música: Viagem

Como não concordar? "Viagem" é realmente uma utópica viagem pelas asas da mãe poesia. Depois da chegada da lírica presença é hora de partir e deixar a tristeza para trás, "tô de malas prontas, hoje a poesia veio ao meu encontro, vamos viajar". Sigamos as trilhas de Sol, que de tantas trevas e desamores pensamos que nem existiam mais. Porém elas sempre estiveram ali, escondidas querendo brincar, querendo nos acompanhar em nossa longa jornada. Valsemos com as aves trovas de poesia que são embaladas por nossos versos pequeninos. Colhamos as mais belas folhas do jardim, com uma redenção a nós mesmo pelos tempos de medo.
Mas não chorais poesia, nós vamos voltar num luzir de lua serenizado. No alazão da noite. Raio!
Na voz de Marisa Gata Mansa entendo sua versão mais que definitiva e intransponível, a doce voz-flauta de Gata Mansa atravessa todas a gerações por mais de 40 anos. Essa música resiste no imaginário e na alma das pessoas. Com a leveza das sua interpretação a cantora consegue purificar ainda mais as palavras cristalinas escrita por um jovem rapaz de 14 anos a sua época, Paulo César Pinheiro, que em toda sua imaturidade, maturou em umas das mais inspiradas e poéticas músicas de que já ouvi falar.
Não há análises que definam a letra de Paulo César, nem a voz de Marisa e nem a melodia reconfortante de João de Aquino. Só nos resta ouvirmos, apreciar até a última notinha que pudermos captar. Como um dos últimos bálsamos a toda correria, toda individualidade, todo estresse. Vamos viajar nas asas poéticas da luz, da arte, da imortal poesia-cantada: a música!

Marisa Gata Mansa - Viagem


terça-feira, 12 de outubro de 2010

Dia paulista

O sol surge naquele horizonte matinal. Os pássaros começam suas canções iletradas, as tocas esvaziam-se, a cidade acorda, mesmo sem nunca haver descanso. Já vem o ruído das máquinas ferozes, que penetram a terra ilustre.
Os raios solares vão sendo encobertos, pelas nuvens plúmbeas, e já caem as gotas como balas de revólver, castigando o pedestre distraído. Enche-se o transportador dos desfavorecidos, represam-se os caminhos de ida e volta. Como espetáculo circense a caixa mágica anuncia as tormentas. Enquanto a chuva cessa, o bafo do gigante aquece e incomoda.
Os olhos úmidos não por lágrimas, a casa chega como que por martírio. O sol se esconde infame e sem cor. E nessa ciranda complexa giram as auroras de Anchieta.

domingo, 10 de outubro de 2010

Divagações ao tempo

Hoje é primavera, as flores.
Amanhã verão, amores.
Outono já bate na porta, senhores.
O inverno é meu adeus, sem dores.

O inverno é meu adeus.
O que era jovem, peso
de vida, velhice.

O que era chuva, senão
agora seca e mesmice.
O dia já entardece.

O sol chamusca as
últimas folhas da vida.
É lua no céu.

Agora era o mar,
agora era calmaria?
Não!
Ainda era amor.

Ainda tinha cor.
Era primavera
e tenho vida,
mas logo é outono.
Logo é adeus.

Caio A. Leite - 10/10/10

Eu e você: o Tempo

Éramos crianças. Éramos facilmente enganados
Acreditamos que cada estrela, era aquela tia que morreu
Que cada noite, era o descanso inevitável ao Sol.
Nós éramos crianças e pensávamos que a vida
era só aquele monte de cores em tom pastel
que criava em mim e em você, aquela sensação
de segurança. Que vida foi essa, acho que fomos
crianças demais, mas quem dera, voltar pra esses
antigos tempos. Tão felizes e puros, tão serenos.
Que mal há em querer vislumbrar por trás da
cortina da idade? Querer encontrar a verdadeira essência
da nossas existências? Creio que crescemos rápidos demais,
para nós que dói tudo em dor inteira. Era melhor que nem
tivéssemos chegado até aqui. Tivéssemos voltado correndo
para o abraço da nossa vó, enquanto ainda tinhamos tempo
mas que tempo? O tempo me levou, e te levou, por correntezas
aflitas, inteiras adultas. Tão adultas, tão maduras que nos fez
esquecer como é bela e natural a sinceridade e os sorrisos
das pequenas crianças.
Que doce inverno me desfolha em folhas de luz, luzes,acordes,som, cores.
Ah que bêbadas miragens que rodopiam por entre meus pensamentos lúcidos.
Por que os outros ainda não cresceram? Eles que ainda eternizam as pequenas
lembranças, os pequenos gestos. Nesse mundo não há entidade completa, só há olhos e lábios. Olhos para te estranhar e lábios pra te criticar. O que fazer? Me esconder atrás da cortina e me calar? Ou encarar de frente todos esses rótulos? Sei que ao me alevantar e protestar, será como me jogar a frente de um punhal, de uma adaga afiada. Que fazer então? O que?
Eu quero só a liberdade de uma manhã de primavera, de uma borboleta tentando vencer a ventania com suas asas de seda, tão frágeis e determinadas.
Vem que a aurora desmonta e novo dia cai. E eu não sei o que fazer pra aproveitar,
por que cada dia que passa é como se nem o tivesse? Onde estão aqueles dias da infância?
Das risadas, do lazer e da família? Ficaram perdidos numa realidade utópica em algum canto
do universo, atrás de uma nebulosa, de uma estrela ou há milhares de anos-luz.
Fechem os olhos e não vejam mais as guerras, a paz, o amor e nem o ódio. Deixe todos os
sentimentos, todos ressentimentos. Suba num carro ao fim da noite, fuja para o campo.
Corra por cenários infinitos, pare na encosta mais alta que encontrar. Deite ao chão. Sinta o cheiro da relva molhada, respire fundo, e antes que tudo possa acabar. Olhe para o firmamento e deixe que tudo ao redor se acabe. Deixe cidades ruírem, deixe amores findarem, deixe a voz falar. Deixe tudo, sinta a luz etérea que baixa limpa e única.
Ao passar da estrela cadente, em rumo decadente, deseje nada. Nunca peça o todo. O todo é infeliz e finito, queira sempre o nada que vai se moldar a sua personalidade, mesmo que dela saia o infinito, mesmo que dela saia nada. Ou de nada seja tudo, e seu tudo seja nada.
Caio A. Leite

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

De Luigi Tenco

Música apresentada no Festival de San Remo de 1967 pela cantora Dalida, Ciao amore ciao, traz um ideal de partida. Um adeus para reflexão, não uma ida eterna mas um vagar de auto-conhecimento. De se compreender nesse mundo cheio de luzes, em que somos nada, em que não temos nada. Com a consciência de que por mais que andemos, por mais que digamos adeus (ciao), sempre voltaremos. Mesmo que não tenhamos mais dinheiro para voltar.
Mesmo com a desclassificação da canção, e do possível suicídio de Tenco devido a má colocação, a música de Luigi resistiu ao próprio tempo e as pessoas que não compreenderam a mensagem que queria ser posta no Festival, mostrando como nem todos os julgamentos são definitivos.

CIAO AMORE CIAO

Composição: Luigi Tenco

Ciao Amore Ciao
La solita strada, bianca come il sale
Il grano da crescere, i campi da arare
Guardare ogni giorno
Se piove o c'è il sole,
Per saper se domani
Si vive o si muore
E un bel giorno dire basta e andare via
Ciao amore,
Ciao amore, ciao amore ciao
Andare via lontano
A cercare un altro mondo
Dire adio al cortile,
Andarsene sognando.
E poi mille strade
Grigie come il fumo
In un mondo di luci
Sentirsi nessuno.
Saltare cent'anni
In un giorno solo
Dai carri dei campi
Agli aeri nel cielo
E non capirci niente
E aver voglia di tornare da te
Ciao amore,
Ciao amore, ciao amore ciao
Non saper fare niente
In un mondo che sa tutto
E non avere un soldo
Memmemo per tornare.
Ciao amore,
Ciao amore, ciao amore ciao
Ciao amore,
Ciao amore, ciao amore ciao

TRADUÇÃO

Tchau Amor, Tchau

A sólita estrada branca como o sal,
o grão para crescer os campos para arar.
Olhar cada dia
se chove ou faz sol,
para saber se amanhã
se vive ou se morre.
E um belo dia para dizer basta ... e ir embora.
Tchau amor,
tchau amor, tchau amor tchau.
Ir embora, longe
buscar um outro mundo,
dizer adeus ao pátio
se ir embora sonhando.
E após mil estradas
cinzentas como a fumaça,
num mundo de luzes
sentir-se ninguém.
Saltar cem anos
num só dia,
dos carros nos campos
aos aviões no céu.
E não entender nada
e ter vontade de voltar para ti.
Tchau amor,
tchau amor, tchau amor tchau.
Não saber fazer nada
num mundo que sabe tudo,
e não ter um dinheiro
nem mesmo para voltar.
Tchau amor,
tchau amor, tchau amor tchau.
Tchau amor,
tchau amor, tchau amor tchau.


Luigi Tenco - Ciao, amore, ciao

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Após o pleito

É a manhã seguinte de um dia importante, seria mesmo? Depois de tanta movimentação, tanto vai-e-vem, agora era o silêncio da madrugada. Sem urnas, sem vencedor, sem emoção. Sempre tenso, chato e tedioso o  domingo de pleito.
Do finzinho do horizonte via-se claridade, o velhinho sentado no degrau de cimento batido furtava do chão os últimos instantes de sossego, enquanto um cãozinho passeava pronto para aliviar-se numa árvore próxima. Na calçada não via-se a cor do cimento, um mosaico estranho, como um tapete amassado de figuras disformes e distantes.
Centenas, milhares de pequenos papéis de sonhos e promessas, numerados por um código único que usaríamos para conceder poderes num ciclo de mais quatro anos. "Que sujeira", pensava o senhor alheio ao movimento dos primeiros ônibus da manhã. "Que maravilha" pensava o cão enquanto limpava as patinhas no mais apático deputado caracterizado nos pequenos folhetos sagrados.
O senhor levantou-se, iria até a padaria, desgastado com a sujeira em sua calçada, com a política e com a dor no joelho esquerdo. Saltitando feliz ao seu encalço ia o cãozinho, com a patinhas limpas, com as orelhas empinadas e com os olhos brilhantes ao roubar para si os aromas matinais da panificadora. Seria tão bom ser um vira-lata.



Caio A. Leite - 07/10/10

sábado, 2 de outubro de 2010

Onda verde

Ouvir a voz da natureza foi algo que sempre me interessou. Não acredito num mundo cinza, material e devastado. Creio num lugar anil, verde, laranja, com a predominancia do mais belo matiz da nossa terra. Não quero um futuro duvidoso, escuro e incoerente com as nossas diversidades naturais. Preciso de um grito de alerta pra tanto descaso que vem se seguindo desde que os europeus chegaram por aqui, com fome de poder, de metal, de ganância. Levaram muito do que já foi, agora mais se perde.
Quero uma aliança pensada e estratégica para uma confluência próspera e sadia para os dois lados entre cidade e natureza, entre prédios e árvores, entre o criar e o proteger. Quero poder ter orgulho de ser de um país que estuda as possibilidades como um todo. De ser um país mais verde.

Caio A. Leite - 02/10/2010

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

O vagar no Rio

Sob a luz clara do lampião, perambulava pela orla de Copacabana. A lua já era anúncio, enquanto o Sol morria fatigado no poente além.
Um casalsinho namorava no vai-e-vem das ondas e meu peito ardeu na lembrança etérea da tua carne. Longe, tão disto está o meu amor. Em alguma terra vês a Estrela Dalva, que um dia chamamos de nossa "estrela".
Ainda na praia o rapaz acariciava a face pura da donzela, seus lábios macios tocavam-lhe a nuca. E senti no vento que passava, a sua ausência, em mim a maior presença. Creio que ainda me tens, seus olhos ainda brilham por mim.
Pego um ônibus qualquer, chego na Lapa e os arcos trazem à tona suas curvas e seus seios fartos de paixão divina. Chego a iludir-me ao ver tua face em todas as faces e meus olhos choram finas lágrimas.
Ando a esmo, bobo, louco. Paro num bar, e as noites no Beco das Garrafas renascem na voz quente de Dolores que saía de um rádio antigo. Aguardo a volta, na eterna noite, meus pelos eriçam no leve pronunciar do teu nome. Vem que meu corpo é ara de sacrifícios e meu sorriso estrela da manhã.
O Sol já clareia e nada me acalma, sem as suas mãos, sem teu calor, toda poesia vem embutida com um sofrido mal-estar de morte. Talvez de vida, só preciso que retornes.


Caio A. Leite - 17/09/10

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Poesia: Morte de Clarice Lispector

Eis aqui um curto porém singelo e emocionado poema feito por Ferreira Gullar na ocasião da morte da escritora Clarice Lispector em 1977.

"Enquanto te enterravam no cemitério judeu
do Caju
(e o clarão de teu olhar soterrado
resistindo ainda)
o táxi corria comigo à borda da Lagoa
na direção de Botafogo
as pedras e as nuvens e as árvores
no vento
mostravam alegremente
que não dependem de nós "


Ferreira Gullar

A fonte do colibri

Num cantinho de mato, no remoto presente de um lugarejo quase sem progresso, nascia uma fonte em que todos os dias três pequenas aves iam bebericar a água límpida.
Uma era um canário da terra, amarelo vivo, refletindo em sua tonalidade toda vivacidade da mata. Outra um sanhaço, no seu azul metálico era um pedacinho de céu aos olhos de quem via. Por fim havia um cuitelinho quase cinza, com listras verdes, nada muito especial.
Os dois primeiros quando surgiam do manto espesso de folhas e galhos, traziam a si todos os olhares, as águas paravam, os insetos pousavam e as flores se abriam. Só que o cuitelo passava despercebido, era o que pensava.
Em um dia de Maio, cansado de tanta desatenção, o pequenino não voou para refrescar-se na fonte. Então os seres arredor ao notar sua ausência não sorriram como sempre. Ali do meu lugar privilegiado entendi que sem o ligeiro bater de asas do cuitelo, a beleza dos outros dois estava desfalcada.
Voltei para casa, não mais fugindo e nem escondendo minha beleza que completava os que viviam ao meu lado, e que precisavam de mim. Assim como a fonte precisava do diminuto colibri na sua intocada e essencial imagem de ave-pintura.


28/09/2010 - Caio A. Leite

terça-feira, 28 de setembro de 2010

O carro na noite

Vinha da janela entreaberta do escritório um vento que pronunciava tempestade, a brisa enregelou meu corpo num arrepio involuntário. Levantei-me para trancar a vidraça, da mesma podia observar a rua e o negrume da noite avançada. Apenas uma luz de lampião com alguns insetos de calor me diziam que havia vida naquela escuridão.
Um trovão, e um carro cruzou a rua em disparada em uma curva perigosa que traçou, as marcas dos pneus ficaram marcadas no asfalto. Rodou uma, duas, três vezes e meia e bateu com violência no portão da casa em frente. Num solavanco meu coração me impulsionou ao telefone pronto pra discar a emergência.
Mas algo dentro em mim paralisou meus músculos. De dentro do carro saiu um homem alto e uma jovem ruiva num mini-vestido carmim, sua pequena bolsa barata cintilando aos faróis traseiros do carro enquanto fechava o porta-malas que abrira na colisão.
Luzes se acenderam no domicílio do acidente, o rapaz disse algo para a moça, que rapidamente correu para um beco próximo. Ele também tratou de desaparecer (provavelmente marcaram um lugar de reencontro).
Ouviu-se o grito de uma sirene indo e vindo no vermelho-azul-vermelho sem fim. Parou em frente a casa, aproximou-se da senhora de robe que por fim chegara aos portões devido a lentidão da idade.
O guarda conversou por breves dois minutos, ligou uma lanterna e anotou o número da placa. Ligou a viatura a partiu em busca das duas personagens da cena que presenciei da alta janela de minha humilde casa. Fiquei imaginando o que haviam feito para atrair os homens da lei. Mil pensamentos passando por minha mente criativa, enquanto colocava o telefone que ficara o tempo todo em meus punhos por uma ambulância que não veio. Voltei aos meus afazeres e a chuva precipitou-se, como se tivesse espiando toda cena como eu, para depois desabar.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Noite de paz

Estava acabando Outubro, mais uma vez na boatezinha carioca. Fumava um cigarro distraído o copo de uísque pela metade. Alguns cochichos apressados denunciavam um começo de impaciêcia. Onde estará a cantora e seus enormes olhos?
Já começava a batucar os pés também num gesto incosciente de nervosismo. Porém das coxias vagarosamente surgia Maysa com um semblante diferente.
Aproximou-se do microfone, tocou-o de leve. O olhar para o chão amadeirado. Sua boca abriu-se e a língua moldou as cordas vocais num melodiar melancólico.
Rogava por uma tal noite de paz*, lentamente ela acabava seu teatro, enquanto uma lágrima fina rolava misturada de maquiagem, parando próxima a sua boca vermelha. Ela limpou cuidadosamente e me olhou. Seu olhar me atingiu em cheio então compreendi.
Entendi que não iria ao show dela hoje, não iria amanhã, não iria jamais, sua voz calou-se. Dolores havia partido.


Caio A. Leite 26/09/2010

* A música: Maysa - Noite de paz

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Ainda verão

Chuva fina cai sobre
o quintal.
É inverno em São Paulo.
A garoa é fria.
Todas as estradas
ficam escorregadias.
As pessoas tiram
as blusas do armário,
bebem chocolate com
bolo quente.

É inverno, e ainda
não chegou a hora.
O gear que atinge
as camadas externas
não me aflige.
Estou protegido.

Agora é inverno,
queiramos ou não.
Mas por dentro das
almas dos bardos
errantes, por hora
é verão.

Caio Leite 3/8/2010

terça-feira, 20 de julho de 2010

Canção do último pensar

O desastre é imaginário.
Puramente idealizado
na mente dos suicidas.

Os suicidas são os
que veem o mundo
na verdade crua.

E já não podem
mais se enganar
na ilusão de
menina pura.

Ao som das vagas,
tragédia!
No outono de folhas
doentes,
comédia!

Se não a vida
um teatro, um
cinema.
Se não a vida
uma vírgula na
crônica do Universo.

E longe de toda
as abominações,
viaja a merencória
canção. Rasgando em
noite utópica o
dia de guerra.
A canção do
último pensar.

Das últimas estrelas
a rezar pela volta
do poeta...

20/07/2010 - Caio Augusto Leite

quarta-feira, 7 de julho de 2010

CAZUZA

20 Anos

Ontem ao ouvir
sua voz serena,
louca, grito
transgressor.
Pensei no futuro,
futuro que não pode
ter. E que faltou
pra preencher o vazio
que há no espaço
que ocupou.

Ontem senti sua
presença, vi
sua bandana
pendurada na porta.
E seu jeito de falar
calmo quase rimando.

Pude sentir cada passo
da tua dança, a dança
da vida. Sua presença
ainda me completa
nessa impaciência
minha de te encontrar.

Faz algum tempo
que partiu.
O poeta, trovador
da dor.
O lutador
invencível,
invisível
à todos perigos
de viver.

Ontem eu chorei
uma lágrima
solitária.
Um pequeno
gesto de pesar
e saudade.

Se a saudade
é o amor
de quem está
longe.
Estou cheio
de amor.

A cada minuto
que paro
pra te escutar.
Sempre valerá
a pena.
Exagerado poeta
de Ipanema.

Caio A. Leite - Daqui até a eternidade, num trem para as estrelas...

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Saramago

Sarau Amargo

O mar calmo de vagas límpidas. O sol poente no horizonte mais que poético. No isolado de oceano as ilhas de cães ladrando. O último sol resplandeceu, na mesa os últimos livros lidos, o último romance a ser escrito. Querendo ou não a vida levou-te para campos lindos, não mais belos que os campos de Portugal, do fado, das Tágides e de Camões.
No entendimento pouco que tenho sei do peso da partida, dos pensamentos diretos e imedidos. Voou o poeta-romancista para aonde eu não sei. Viajou para onde dormem os antigos trovadores, desenhando agora poesias para o infinito cosmo.
O que não vê não ama, e se ama pura e fielmente: já não vê. Dou um bandeirola branca amarrada em teu barquinho, que singrará sete céus, contando sobre a vida dos amores inteiros e das dores não vistas.
Vai um dos últimos grandes prosadores, vai uma das últimas mentes abertas ao vácuo da não-entendibilidade do ser.
No último arrebol da tarde quente ao hispânico som da maresia verteu o corpo em poesia, virou estrela na constelação de auras místicas. Cada entonação em mel destoava palavras com subjetivo gosto amargo, aos meninos portugueses que jamais te conhecerão lembrarei teu nome Saramago.

Caio Leite 18/06/10

sábado, 12 de junho de 2010

Algo assim

Céu

Há o céu, mas também não tem.
Os medos são meus, de mais
ninguém.
Quando o céu voltar,
me mandem uma carta,
um cartão-postal;
qualquer coisa
assim.
Quando o amor
renascer não
demorem tanto
venham pessoalmente
no meu refúgio
a boa-nova trazer.
Mas se nada disso
acontecer, me deixa só.
Me deixe andar por aí,
sonhando e cantando
pra poder me perder
de tanto engano.

Caio Leite

domingo, 6 de junho de 2010

Maysa 74



À Maysa

Que olhos, que voz, que vazio
Que dor, que saudade.
Da tua ausência, da tua vida
que lúgubre partida.
Volta nessa tarde triste
e me impera com seus orbes
de cristal em riste.
Falta fôlego, falta ar.
Falta palavras, adjetivos,
verbos, substantivos,
pra te coroar.
Que vazio, que dor.
Fostes tão rápido
nem me esperastes,
na minha casa o canto.
O cantar do seu amor.
Como cantou. Como amou.
Como viveu, linda, passional.
Sublime, triste e só.
Só numa multidão de amores,
numa multidão de carnaval.
Meu Deus! Por que levastes?
A pérola carioca da gema,
que envolve com voz cálida,
nos meus braços uma algema.
Sinto tanto, cheguei atrasado,
tarde demais, ao nascer,
o corpo foi levado.
Mas o canto, e o olhos de Maysa.
Me acompanharão sempre,
ela, eu e a brisa.

06/06/36 - Meu amor por você é imenso demais!

sábado, 5 de junho de 2010

O azul

O futuro é o cantar dos pássaros.
Livres e sem medo.
O vento frio corta o ar.
E regenera a esperança.
Penso num mundo lindo,
com muito azul.
Pois o azul é a cor
que me acalma.
E quando calmo,
volto a existir.

Caio Leite

Algumas palavras...

Meus cabelos estão compridos novamente, esse é o sinal do tempo passando, no vento outonal. Eles voam no sentido efêmero. Sou passado. Não vi o hoje. O tempo passou, meu rosto envelhece rápido, sou uma sombra do que já fui. Estou cheio de dor-de-cotovelo, eu tô cheio de amor secreto. Preciso cortar o cabelo... E não mais olhar no espelho, pois o tempo é cruel e eu respeito. A velhice dos meus versos só provam o quanto tenho a aprender.

Caio Leite

terça-feira, 25 de maio de 2010

E na África...

Copa do Mundo

É tanto amor e ufanismo.
Nada mais que olhos turvos,
pelo tolo fanatismo.

É verde e amarelo, as cores desse vício.
E daí que a taça venha?
Amanhã tenho serviço.

Gastam dinheiro, tempo.
Se enraivecem, gritam.
Como aturar tanta ignorância?

Em tempos de Copa tudo é alegria,
não há fome, violência e nem corrupção.
Vibram tolos e os poetas se envergam
em meio a tanta ilusão.

Não desconsidero o esporte
e nem sua tradição,
mas sim o capitalismo frio
para enganar todo o Brasil.

Voltemo-nos a nossa arte, tão bela e esquecida.
nossas melodias, as telas de Tarsila.

Vendem tudo em amarelo e verde
pra mostrar para a vizinha, nossa
grande simpatia.

Partamos essa coleira,
eu quero tanto os tangos
quanto Dalva de Oliveira.

- Caio Augusto Leite

quinta-feira, 20 de maio de 2010

No rastro do tempo


"O tempo não pára, não pára não" - O tempo não pára (Cazuza)

"E quase que eu me esqueci que o tempo não pára nem vai esperar" - Vento de maio (Telo e Márcio Borges)

"No tempo que se afasta e se afoga na lembrança" Eu e o tempo (Durval Ferreira e Flávia Alvim)


"Tempo, tempo, tempo,tempo, és um dos deuses mais lindos" - Oração ao tempo (Caetano Veloso)


Tanto já falaram do tempo, da efemeridade de viver. Os segundos passam num invariável tic-taquear no relógio da vida. Semeia idade por onde quer que passe e ele passa por todos os lugares. O tempo está em todos os lugares, o tempo está em lugar nenhum.
Será que a morte nos livra do tempo? Ou continuamos a sofrer nas mãos desse Senhor mais velho que a própria existência?
Há quem tente parar seus efeitos sobre o corpo, com plásticas, cosméticos e tantas outras bugigangas e birutices que a sociedade moderna coloca-nos num prato fundo para que caiba mais do nosso suado dinheiro. Onde querem chegar com isso? Não se pode reter o agir do tempo na matéria é impossível. Aceite o que és, aceite que não será mais jovem nem belo como antes, que não terá mais tanta força para correr, brincar, etc. Mas não é preciso desistir da vida, extraia dela cada gota do existir, até o fim não desista, a vida é uma só e ponto final.
Se queres a eternidade então viva. Viva mais do que lhe é permitido, viva além dos limites. Extravase, use o manifesto das artes, das sete artes sagradas. Se no jogo da vida usares as cartas certas, imitando a realidade em arte lírica, então te eternizas. Torna-se mais vivo que o próprio tempo, pois o tempo não pode retroceder o segmeto da história. Uma vez seu nome gravado nas páginas do passado seu ser ecoará para sempre por todas as gerações, por todas as estações. Por todo o delinear de tempo.


"Tudo passa sobre a terra"

terça-feira, 18 de maio de 2010

Os dias de hoje



Crescem as cidades na espantosa explosão demográfica. E a cada hora mais gente ficando rica e mais gente morrendo na sarjeta. E as notícas teimam no alarde inútil dos comoventes documentários. Da tragédias que embalam as vinhetas artificialmente preparadas. Gritam, berram, chamam nossa atenção. É assim que tentam resolver o problema?

Palácios E-NOR-MES erguidos com luxo de reinados antigos, e o proletariado pegando o lixo que lhes é de direito. Sorrisos sem dentes da saúde que não há. E os senhores de engenho da era moderna chicoteiam indiretamente os escravos da globalização. As garotas inocentes desde nunca, se desvirtuam em praça pública com as pombas e os "homens-anúncio".
Pequeninas crianças com seu canivetes de afiada ponta prontas para laçaram uma bolsa, uma carteira ou uma vida. E os magnatas chamam a polícia, sim com o dinheiro mal dividido, os mais favorecidos são sempre as vítimas, os oprimidos.
Desde o início dos tempos foi assim, mas terá que continuar? Vejo além de toda fumaça, uma pequena fagulha de rebeldia. Jovens e adultos lutando por melhorias. Por terras, por educação, por respeito e ecologia.
Tenho fé nesses que se alevantam, pois é neles que me firmo pra acreditar que o mundo tem outra opção de destino, que não seja a destruição e a morte de seus filhos.




(A liberdade guiando o povo - Delacroix)



sábado, 15 de maio de 2010

Os meus sonhos foram todos vendidos


"Não há utopias mais em nossa época, nós somos ou não somos."

Essas palavras da cantora Maysa ainda ecoam atualíssimas em nossa sociedade.
O que somos? Ainda há sonhos? Esperanças? Ou a verdade é que o que tiver de ser será, sem formas de mudar o destino cruel da vida moderna?
Hoje em dia as pessoas tentam mudar seus conceitos de vida, de arte, de preconceito, de amor e de paz. Não sei o quanto disso é válido.
Mas sei que mudar apenas para me enquadrar num certo grupo para não me sentir rejeitado é complicado, onde fica minha essência? Meus príncipios e minhas vontades? Sinceramente não entendo essas pessoas que vendem sua personalidade por um pouco de "prestígio" e "fama".
Cansei de tanta fraqueza de alma, perante as vontades impostas pela sociedade. Da super-exposição de certos ritmos, danças e estilos. Nos esmagando com suas vontades, sem dar espaço para outras formas de expressão, colocando sua vontade, como verdade absoluta. Com "artistas" movidos apenas pelo desejo de se dar bem na vida, sem a preoucupação de fazer bem feito. Quando teremos novamente artistas atemporais como Elis Regina, Elvis Presley, Marilyn Monroe e tantos outros que nos brindaram lindamente no século XX com arte verdadeira? Colocoram o sentimento à venda e pagaram só pelo lixo comercial que nos fazem engolir dia após dia. Encerro com uma frase dita pela mesma Maysa.

"Vivo da arte, não do dinheiro que vem da arte"