sexta-feira, 12 de novembro de 2010

A última morte

Era Natal. Mas sua árvore não havia presentes, sua árvore era um galho seco com uma fita de cetim amarelo. Seu prazer era ver o vai e vem de transeuntes com seus presentes embaixo do braço para levar para seus filhos. Seus parentes eram as paredes do beco, sujas, frias e úmidas demais para ela. Via as garotas com seus vestidos novos, de mil cores, mil variedades. Sua roupa era uma calça puída de moletom velho, uma camiseta e uma blusa tão ou mais esfarrapada que a calça. Via as pessoas saindo da igreja, impressionadas com o teto ornamentado de peças Renascentistas, ficava feliz em lembrar que a abóbada de seu lar, eram as estrelas, e eram tantas.
Já batia aquele frio de fim de tarde, ela se enrolava em suas cobertas, e olhava as faces daquelas mesmas pessoas, com seus presentes, suas árvores e seus vestidos. Por mais que elas tivessem tudo que queriam, a impressão de tristeza era eterna, as pessoas eram velhas sempre. Ela sorria, e na face confundia com a fuligem da rua, um sorriso se espelhava e transbordava para todos os lados.
Ela dormiu atenta ao barulho dos carros, para que quando desse meia-noite, pudesse ouvir o ressonar dos sinos, e poder dividir junto com seu pequeno irmão, a fatia de pão que recebera de esmola, uma esmola a quem tem tanto de alma e nada de físico. Ela dormiu antes do sino, antes da árvore, antes do irmão, ela dormia solta, voou para nuvens além. E das estrelas que enfeitam o seu teto, ela vigiará seu pobre irmão, sozinho agora. Os sinos badalam fortemente, o garoto acorda assustado, tenta acordá-la, não consegue. Desespero. Fina lágrima corta o rosto do pequenino, cai no rosto dela, ela está fria, o pão está ali, ele come um pedaço e oferece o restante para o corpo inerte, ele recusa, mas ele sabe que uma hora ela comerá. Ela não acordou naquela noite, e nem na outra, o corpo em estado de putrefação chamou a atenção, recolheram-na. Foi enterrada num cemitério católico, indigentes são católicos? Ninguém sabe, mas de que adianta não há como indagar. O triste pesar, mais um que parte sem árvore e sem presente. Agonia das cinzas noites de Natal que jamais foram vistas, nubladas pela felicidade ou pela cegueira opcional. Em sua lápide, apenas o seu nome e o epitáfio:

Esperança.

A última finada, não resta mais nada
Abracem o caos, agora jaz seus sonhos
Suas lutas e suas glórias.
Não há mais, há só uma densa nuvem de calamidade
Chorem e se despeçam, acabou a felicidade.


Caio A. Leite

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