Ato I - Pela Natureza - desastre
A chuva caía soberana.
Sob o asfalto escorregadio,
rodas giravam.
Um momento de descuido,
o estrondo no poste.
Um estrondo nas vidas.
Todos puseram as cabeças para fora.
A rotina do bairro rompeu-se:
faltava luz.
Por instantes todos se uniram.
E por mais irônico que pareça
a desgraça nos igualou.
Éramos pequeninos, indefesos, tolos.
Oprimidos pela falta de energia:
- Éramos apenas homo sapiens.
Ato II - Submissão à cidade
Escrevo, mas quase não enxergo o papel.
Estou numa quase escuridão,
O poema não vai sair bom.
Minha caligrafia aos trancos e barrancos.
Estou no escuro físico.
Mas minh'alma também não enxerga.
Não enxerga que a vida é curta.
Breve como uma batida de carro.
Estou no escuro - poema ruim.
Não consigo pensar: amor, universo, regras ortográficas.
Tudo me escapa - só fica o cansaço.
Cansado de depender tanto de um poste de concreto.
Ato III - Iluminação crítica
O resto do dia foi Idade Média:
absoluto breu de ideias.
Nada pensei, nada quis.
Depois de uma noite mal dormida.
De luz de vela na cara.
De sonhos estranhos, eis que acordo.
A luz de volta. De volta a voz.
De volta o lirismo - eu de volta.
Era agora iluminação - mente aberta.
É preciso acender a luz dos outros.
É preciso colocar mais postes:
poste livro, poste amor,
poste cultura, poste Manuel Bandeira.
Precisa-se também retirar os cactos das avenidas.
- Caio Augusto Leite