segunda-feira, 31 de dezembro de 2012
Fui esquecido?
Saberá que a porta
ainda está aberta?
Melhor não saber:
melhor eu acreditar
na ignorância,
do que na confiança
que você talvez tenha
pra passar por mim e dizer:
Agora não.
- Caio Augusto Leite
Som de conchas
O menino e o mar,
o menino e suas conchas:
basta pôr no ouvido
para desolvidar
o mar perdido.
Quem dera as conchas
pudessem sussurrar
a voz de quem perdi
no areal, no cais, na vida,
nessa nossa vida sem sentido.
- Caio Augusto Leite
Obsoleto
Eis que sou as pedras
que não atiraram
em Madalena:
a curva que
o Titanic
não fez:
o freio que falhou,
o paraquedas
que não abriu:
a luz que não acendeu,
a bomba que não
explodiu:
sou a rima
que rimou,
onde não precisava:
sou feito de virtudes
inúteis:
sou fogo em caixa d'água.
- Caio Augusto Leite
A Dora
Dora
diz
que adora
a dor.
Mas que dor
a Dora pode ter
que é maior
que a minha?
Que é a dor
mais dorida,
a dor de querer Dora
e de Dora não querer
ser por mim querida.
- Caio Augusto Leite
Escadarias
Queria ser escada
pra que tu
me escalasses
e eu te cuidasse
quando chegasses
cá no alto
já cansada.
E que eu pudesse
te derrubar
se me deixares
e te ver agonizar
rolando,
vestida de linho,
morrendo linda
na calçada.
- Caio Augusto Leite
Caixinha de lápis
Quando nasci
- lápis grafite -
me largaram na mesa
e eu caí.
Meu cerne se quebrou
e não adianta,
por mais que me apontem,
tudo desaponta-me.
- Caio Augusto Leite
SP 40°C
Ondas de calor
pela cidade.
São tantas,
não adianta
ventilador:
ondas de calor
pela casa,
luz em modorrenta
refração:
o sol chegou,
inundou,
e ele no sofá
- suado -
se afogou.
- Caio Augusto Leite
Dolores Duran
Dolores,
quanto dura uma saudade?
Uma noite,
uma estrela
que cai,
uma vida,
mesmo curta?
Dolores,
é preciso
mesmo viver
toda essa dor?
Toda essa dor
que custa tanto passar,
que passa dando passagem
a outras dores pra durar.
E por que não me respondes,
Dolores?
- Caio Augusto Leite
FAMA póstuma
Atiro-me do décimo terceiro
floor,
a velocidade
me transmuta em
light,
morro na hora
do rush:
The cars
param,
as pessoas
amam-me.
In the street nasce - onde já não estou - uma
star.
- Caio Augusto Leite
A estrela da tarde
Vésper,
estrela fingida:
quantas vezes
te vi no céu,
pontiaguda
e eras na verdade
um planeta sem cor,
sem luz, sem vida.
Tu foste o meu primeiro
e único amor,
Vésper querida.
- Caio Augusto Leite
O bicho que não serei
Gente,
se for bicho:
inconsequente.
Bicho,
mais que gente:
coisa quente.
Já nasce sendo,
andando,
brigando,
morrendo.
Deus, dê-me vida de bicho
em outra oportunidade.
Não, deixe-me gente
que ser bicho é demais
pra minha mediocridade.
- Caio Augusto Leite
Sonhares
Sonhei com tuas mãos,
não com o corpo todo.
Sonho por partes,
amanhã com teus pés:
E não é sempre o amor
um incessante juntar
de coisinhas perdidas?
Hoje vi teus olhos,
negros olhos de fim de mundo,
em você eu me acabaria:
de-sar-ra-zo-a-da-men-te.
E você, quando achará
as partes que perdi?
Quando acabará
com as minhas mortes,
que de te sonhar
tanto já morri?
- Caio Augusto Leite
Sem escala
É que a natureza não depende da gente,
a água, por exemplo, ferve no ponto
sem saber de Celsius ou Fahrenheit.
- Caio Augusto Leite
Ano-novo
As palavras são opacas,
mas é preciso que se diga
e que se siga:
Obrigado.
mas é preciso que se diga
e que se siga:
Obrigado.
Obrigado pelo tempo
que se arrasta
e que nos empurra
ao "isto".
Obrigado a quem veio,
a quem veio e foi,
veio e ficou.
a quem veio e foi,
veio e ficou.
Quem foi
que me mudou?
O que de nós sobrou?
Restam as lembranças:
ocas.
E os planos:
falhos.
Mas existe o futuro:
caminhemos.
É preciso que se aceite,
que se deleite
no que está por vir
e que ainda é grande demais.
- Caio Augusto Leite
que me mudou?
O que de nós sobrou?
Restam as lembranças:
ocas.
E os planos:
falhos.
Mas existe o futuro:
caminhemos.
É preciso que se aceite,
que se deleite
no que está por vir
e que ainda é grande demais.
- Caio Augusto Leite
domingo, 23 de dezembro de 2012
Ratinhos brancos
Faço da língua minha cobaia.
Será que estou forçando demais?
Será que esmagarei o código
- tão frágil -
com a indizível simplicidade
do que é apenas Ser?
- Caio Augusto Leite
Como te tirar pra dançar?
Essa estranha vontade de falar,
mas falar o quê?
Eis meu caos:
ter a vasta língua portuguesa
e paralisar em gelo,
seria tão mais fácil
se eu pudesse dizer
- te dizer tudo -
com o silêncio.
- Caio Augusto Leite
Orelhas baixas
Apenas o anseio
de ligar-se ao outro,
trouxe tantas fichas
e não sabia
que agora só cartão servia
Voltou pra casa, mudo.
E além do mais, de nada adiantaria
ter cartões, todos os corações estão ocupados.
- Caio Augusto Leite
Frustração de um pessimista
"O céu não se cobriu de treva
e nem viramos poeira espacial"
era o que pensava,
deitado na relva,
olhando estrelas.
Olhando estrelas
e ainda triste,
pois sozinho.
"podia ter acabado..."
Uma estrela cadente
cruzou o céu:
íntima esperança,
mas o que veio foi
uma brisa suave
que nem conseguiu
mover a saudade do lugar.
Suspirou.
"onde anda você?"
perguntava-se, angustiado.
- Doía tanto ser poeta.
- Caio Augusto Leite
Pão de natal
Comia panetone
e jogava as frutinhas fora.
Tanto tempo te dando tempo
sem saber que eu era uva
em suas mãos.
E como uva passa,
passei, que me resta agora?
- Caio Augusto Leite
De alma seca
Tentei sonhar,
sonhei preás.
Sou homem
ou sou cão,
tenho ainda coração?
Talvez mais do que antes,
quero esses preás que saltam.
Não quero a máquina,
quero a lágrima
- mais urgente -
desses retirantes...
- Caio Augusto Leite
Depois da brisa
Gosto de vento nos cabelos,
desfaz de vez a forma
do que não quer ter forma
e tantos pentes passarão,
não,
a alma jamais amansará,
deixe-a despenteada
deixe-a
deixe-a
desvairada.
- Caio Augusto Leite
Sem par na gangorra
Tenho grandes,
vários, amigos.
O problema é que eles não sabem disso.
- Caio Augusto Leite
Citadino
Estranho a vida
sem os ruídos
e sem os clicks metálicos
das engrenagens do tempo,
não caibo nessa serenidade,
preciso da poluição,
do cinza
do ácido da cidade
é que essa paz não me pertence.
- Caio Augusto Leite
Bolsos vazios
Não terei meus
textos em jornais
semanais
para que virem
no domingo
suado
embrulho
silábico
de peixe.
- Caio Augusto Leite
Não falar
Estaria Clarice certa,
ao escritor brasileiro
cabe falar o menos
possível:
Calo-me.
- Caio Augusto Leite
Pra não deixar o poema fugir
Escrevo rápido
e erro.
É que o pensamento
é mais urgente
que a gramática:
Depois de feito,
achos os defeitos,
que não são defeitos
é a língua pura
sem enfeites.
- Caio Augusto Leite
E isso não é poema
Coloquei de título em outro poema
"Nem título quero e isso não é um título".
Nem queria esse poema e isso não é um poema.
É um espaço em branco,
não leia,
porque ele não terá um final,
e é isso que eu mais quero:
-
- Caio Augusto Leite
Nem título quero e isso não é um título
Deixo pros poetas
- aos que querem ser poetas -
o reino das palavras,
quando escrevo
nunca é poesia,
só é poesia quando dizem
os homens de Teoria,
antes disso é coisa pura,
quente e cheia de vida,
não quero ser poesia,
quero esse antes
onde o som se espalha sem atrito
e a luz é maior que a luz:
verbete finito.
- Caio Augusto Leite
Que grandes frutos seriam
Se livros nascessem em árvores,
estariam mais ou menos
ameaçados?
Não sei,
mas seria incrível
ter sonetos de Camões,
contos de Clarice
e romances de Machado
como ar respirável.
- Caio Augusto Leite
Ponto cego
Não tenho convicções,
tenho convexões.
Tenho espelhos dentro do corpo,
tenho alma longe do espelho?
Como saber,
se nem sei
quantas almas tenho.
Não tenho conexões,
sou em mim o próprio deserto.
Imagem do estio,
na prata do espelho.
- Caio Augusto Leite
Quando te vi passar
Quis ser estoico,
mas desejei o novo.
Mais sete anos de atraso,
voltei ao ovo.
- Caio Augusto Leite
mas desejei o novo.
Mais sete anos de atraso,
voltei ao ovo.
- Caio Augusto Leite
A necessidade do mito
Não vi passarinho verde
e nem achei dinheiro na rua.
É que amarrei minha tristeza
num balão de hélio,
cruzou o mar,
cruzou o hemisfério.
Foi além,
foi pro céu,
foi pro sol.
Condensou,
explodiu,
corri pra rua.
Caíam gotas
no asfalto:
inventei a chuva.
- Caio Augusto Leite
Livros aéreos
Apesar de tudo,
tenho livros
- não publicados -
livros aéreos,
permeiam a sombra,
pairam nas nuvens
enclausuram a poesia
que queria ser dita,
mas permanece em mistério...
- Caio Augusto Leite
Não contenho
Tenho
tentado
o tipo
tenso.
Tipo
reta,
tipo
tenda
túrgida.
Mas vem o lirismo esguio
deslizar nos meu dizer,
as palavras sambam no ar
sinuosas de prazer.
- Caio Augusto Leite
Defasagem
É que eu escrevo
em atraso de agrado.
O papel é lento
e demora dizer.
Quando acabo,
a coisa infartou.
O poema morreu,
preciso de outro
*
É que eu escrevo em atraso
:
- Caio Augusto Leite
Oximoro
No rosto
caiado,
a figura
alegre
de quem
nasceu pra
dificuldade:
lúgubre palhaço.
- Caio Augusto Leite
Disposto, mas pálido
Meu problema é ser full time
e ninguém nem aí.
Quando eu for,
quando eu cansar de esperar,
alguém irá chamar-me?
Não,
pois sou parco.
Falta-me essência,
falta-me charme.
- Caio Augusto Leite
Mel amaro
Eu te avisei,
mas não,
não ouviste meus conselhos...
O que falo é um ontem,
mas o que é o futuro
- para quem se decepcionou -
do que um eterno revival
das antigas amarguras?
Elas que se envolveram
de açúcar melado,
grudaram no peito
e se cristalizaram.
- Caio Augusto Leite
Chora a chuva
Chuvas são choros,
não chore.
Mas quando eu morrer
e chover, chore.
Lembre do choro da chuva,
chore na chuva.,
chore comigo na chuva,
chore a chuva,
chora-me que eu te chovo.
Apenas
chova,
chova,
chova,
e
não se estie de mim.
- Caio Augusto Leite
Não pertenço
Desculpe se sou.
Desculpe existir.
Desculpe ter voz
para pedir desculpas.
Prometo o silêncio,
Ao silêncio pertenço.
Mas dá pena não pertencer
ao que queria, mas apenas
ao que poderia ser.
Eu sou um quase.
- Caio Augusto Leite
Tornando-se impossível (viver)
O trágico é essa reversibilidade
literária,
os contos absurdos
estão virando
Realistas...
- Caio Augusto Leite
Porta dos fundos
Tudo que escrevo vem com um "não"
implícito.
Só sei dizer o inverso
do que preciso.
- Caio Augusto Leite
sábado, 15 de dezembro de 2012
Quando compro um livro
Não compro o poema,
não compro o romance
e nem as Leis de Newton.
Compro o papel,
a tinta,
a mão de obra escrava chinesa.
Compro a forma (ó)
a forma (ô)
o invólucro.
Mas o segredo,
editorado e agenciado,
é sagrado e flutua
quem captura
um verso em rede?
Quem prende a metáfora
em linha de costura?
O que compro é a madeira,
só pra poder
beber a seiva.
- Caio Augusto Leite
Macabéa II
(A Matheus Jacob, por deixar que a mitose falhasse: poema gêmeo)
O mundo não entra pelos seus poros,
pois estão fechados
de suor
e sebo.
Poros
são buracos.
Buracos
são
caros.
Quanto
custa
um
buraco?
As estrelas são altas e inalcançáveis
e multiplicam-se em (explosão).
Aquela moça [virgem] não recebeu
visita de anjo e nem Salvador concebeu.
Ele, antes, teria que soprar-lhe vida
- balão murcho -
mas o sopro do futuro
foi demais...
Grande demais o trajeto
entre um buraco
e uma estrela.
Sinto saudade
do que é delicado.
Do que é precioso,
do que não é Eu.
As estrelas estão morrendo,
posso ouvir os estalos
ao longe, tão perto,
dentro de nós?
(Explosão):
- Caio Augusto Leite
O mundo não entra pelos seus poros,
pois estão fechados
de suor
e sebo.
Poros
são buracos.
Buracos
são
caros.
Quanto
custa
um
buraco?
As estrelas são altas e inalcançáveis
e multiplicam-se em (explosão).
Aquela moça [virgem] não recebeu
visita de anjo e nem Salvador concebeu.
Ele, antes, teria que soprar-lhe vida
- balão murcho -
mas o sopro do futuro
foi demais...
Grande demais o trajeto
entre um buraco
e uma estrela.
Sinto saudade
do que é delicado.
Do que é precioso,
do que não é Eu.
As estrelas estão morrendo,
posso ouvir os estalos
ao longe, tão perto,
dentro de nós?
(Explosão):
- Caio Augusto Leite
Nosso último desencontro
Só queria te convidar,
se o mundo acabar,
vem se acabar comigo?
- Caio Augusto Leite
Como se me amassem
Sendo meu aniversário,
me ligam,
mandam cartões,
desejam tudo de bom.
- Como se me amassem...
- Caio Augusto Leite
Catavento
(Os poemas só querem girar)
Dado o primeiro impulso
o ler não para.
No vento, no breu,
no vácuo da página...
Mesmo onde nem se pensa
- micróbio danoso -
se multiplica:
palavra.
- Caio Augusto Leite
Dado o primeiro impulso
o ler não para.
No vento, no breu,
no vácuo da página...
Mesmo onde nem se pensa
- micróbio danoso -
se multiplica:
palavra.
- Caio Augusto Leite
Cirandeiro
Não tendo idade
pra brincar de roda,
parou de contar os anos.
Então sorriu-se.
- Caio Augusto Leite
(De)canto
Quando me sinto só, eu canto.
Então aparece
gentes berrando:
- Cala boca, seu desafinado.
Cantar me deixa tão aliviado...
- Caio Augusto Leite
Só pode ser castigo
Vivia em prados galáticos,
mas cansei.
Suicidei
e a morte era aqui.
- Caio Augusto Leite
Só uso relógio de pulso
Reclamo a modernidade,
mas toco fitas,
troco fichas
de orelhão,
aceito passe de busão...
Sou tão noventas,
década retrô,
sou tão cinquentas,
nem sei pegar metrô...
Modernidade que busco
em polaroids
e que não acho...
Dentro de meus baús,
de cedro e cerejeira,
imersa em poeira
só espirro a eternidade.
- Caio Augusto Leite
Pés em nuvens
Ausente de mim,
sou e estou.
Mas quando me capto,
me deparo
com a pergunta:
Quem sou?
E me sobe um calor de infarto,
não estou pronto para esse fato.
E então volto a ser ausente.
Quando me chamam,
dou de ombros.
Acho a Lua,
me perco em vasto.
- Caio Augusto Leite
O que começo a adivinhar
Criei coragem de riscar os papéis,
as tuas cartas mal redigidas.
Criei coragem de botar a mala pra fora
de mandar você embora.
de criar galinhas no quintal
- careço de companhias.
Criei coragem
de espionar o sol nascendo.
E veja só o que eu perdia.
Além de ti, o mundo se fazia
e eu não estava nem sabendo.
- Caio Augusto Leite
Oferecerei a outra face
As tardes são grandes
demais para o meu existir.
Enorme solidão.
Mas o que me dói
- e me dói inteiro -
são os outros.
Os outros que se amam,
pois amor, sim,
é agressão.
- Caio Augusto Leite
O que é?
O que é a solidão
senão esse medo,
incontornável,
de apenas Ser?
O que é o amor
senão esse desejo,
incontornável,
de não apenas Ser?
O que é Ser?
Penso que sou,
mas por vezes sinto
que me falta nascer.
- Caio Augusto Leite
Rente ao real
Não tenho medo de que o vento
me pegue e me leve pelo ar.
Sei que sou de chumbo.
O chão é meu limite.
- Caio Augusto Leite
Prometo não insistir nesse tema
Faria com facilidade
jogos sonoros
como pássaros canoros
canários,
sanhaços,
apitos,
bandas,
estardalhaços.
Mas quero fazer silêncio,
e é tão impossível quebrar o ritmo.
Sempre me vem o dizer,
que é meio e freio.
Querendo chegar, não chego.
Querendo parar, não paro.
Vivo o dito insatisfeito.
- Caio Augusto Leite
Isso
Água.
Água-viva.
Viva
a água.
Água, viva!
Viveria a água,
sem meio, começo ou fim.
Puro fluxo,
mas puro em defasagem.
A minha água atrasa
e quando digo "água-viva"
ela já está longe
da linguagem.
- Caio Augusto Leite
Desenfeitar
Para manter a idoneidade plástica
usarei metáforas
para falar dos teus pedaços.
Abismo fundo,
fruta,
rosa.
Mas o que quero mesmo é tocar tuas vergonhas, sem o respaldo da palavra.
Quero teu seio vivo, tua boca rubra, tua vagina ácida, fértil, bela.
O que quero é o fato, duro e impossível, em pedra.
- Caio Augusto Leite
Ainda dentro da história
Sou só uma Macabéa
esperando
que um Rodrigo S.M
me conte.
Será que dará conta?
- Caio Augusto Leite
Enredo de mim
Eu empilhei palavras
sobre esse meu esqueleto frágil.
Pensei que poderia disfarçar
minhas falhas essenciais.
Mas a palavra escorre
nessa chuva factual
e o que me sobra
é a carcaça da vida
que podia ser linda,
não fosse ficcional.
- Caio Augusto Leite
Eterno enquanto presente
Você me esqueceu muito fácil,
ou vai ver sou do tipo
que não se agarra na memória.
Talvez meu modo seja esse,
existir fluindo no tempo
e nunca, nunca mesmo,
virar história.
- Caio Augusto Leite
Falta-me um botão de stop
Meu peito
de pretérito
se enfeita.
E quanto
mais busco
mais me enjeita.
As fitas não voltam,
antes correm
em desfeita.
Meu peito
de pretérito
se enfeita.
E mesmo longe
o pensamento
o ir se ajeita.
O presente,
verde,
me arrebenta.
- Caio Augusto Leite
Fim de tarde
Agonizantes
moscas
que caem
nas lamparinas...
Dançarinas
tão serenas
quando fritam
amenas
no calor mercúrio...
E se há silêncio
sei que morreram
mas não antes do lirismo
sádico, que não adapto
ao morrer humano, que é sempre triste
pois não sabemos perder sem sofrer
não aprendemos
que somos
tão banais
quanto pardais
em fios de alta tensão
dão-me um choque
e caio em baque oco,
tão tosco,
no chão.
- Caio Augusto Leite
Libidinagem
Aproveitar-te-ei
inteiro.
Pelo começo,
pelo rabo,
pelo meio.
Aproveitar-te-ei,
na próclise,
na mesóclise
pela ênclise.
Aproveitar-te-ei
sem nenhum receio,
puramente devasso,
um casto na língua
e de língua dar-te-ei
imponderáveis beijos.
- Caio Augusto Leite
Puro sendo
Não me deem futuros,
é demais para alguém
que nem se sustenta no presente.
É pesado.
O futuro é o que há de mais devastador,
com um futuro me torno homem.
Mas eu queria mesmo é ser bicho
ou melhor viver sem desejos,
melhor ainda, só desejar o que já tenho.
- Caio Augusto Leite
Falso suicida
Morrerei, morrerei, morrerei.
Mas antes serei rei.
Serei sereia,
serei areia.
E aí morrerei, morrerei, morrerei.
Todo dia morrerei.
Seria sério,
mas sou riso,
mas sou mistério.
Serei impropério.
E aí morrerei, morrerei, morrerei.
Mas depois serei vento de montanha,
teia de aranha,
húmus de vulcão.
Não,
Não morrerei, não morrerei, não morrerei.
Desculpe a depressão,
sou um saco, sou um sarro, sou um só.
Que só precisa de atenção.
- Caio Augusto Leite
O mundo que não seguro
Não sou desiludido,
é que as ilusões não grudam mais.
Adesivo velho,
ventosa usada,
tatuagem de chiclete.
Tudo escorre
pelos fatos
do meu corpo.
Cheio de marcas,
e demarcas de quem não voltou.
Não sou desiludido,
só estou querendo ser
a realidade mais urgente.
Mas perco a medida
quando sinto
o "amor"
- nada o segura -
pois é divino e quente.
- Caio Augusto Leite
Além do véu
Esqueci o que ia escrever,
lembro que pensava com "A hora da estrela" na mão
e que acharia muito mais graça se eu fosse atropelado ali...
Mas tinha algo antes,
e esse antes é meu mistério esquecido.
A gente que sabe, mas perde.
A gente que tem, mas é roubado.
Dane-se, o fato - amo fatos -
é que o que quer que eu fosse dizer
seria arremedo. Seria medo.
Seria opaco.
Seria palavra.
Não seria.
- Caio Augusto Leite
Eu devo parar
Leio coisas tão boas
que sinto vergonha
de ter ousado
a primeira palavra.
- Caio Augusto Leite
Estafa
Queria tanto escrever,
como um doente que anseia
a vida nessa cama branca
e nesse cheiro cadavérico de hospital.
Tento um movimento, mas sinto cansaço,
uma preguiça pueril, grande e maior do que eu
e escrever ou viver não se completa.
O jogo não se fará,
estou muito cansado
pra fechar a janela
ou fazer rima bela.
Estou muito cansado,
os braços não se movem
as pernas dormem,
as ideias correm,
e não posso ir atrás.
Deitado,
coitado,
parada cardíaca.
Vinha um troço bonito,
mas foi entubado,
o lindo no limbo.
E o corpo cansado.
- Caio Augusto Leite
O sino que não chegou na capela do oeste
Vou dobrando o ar
que dobrou o avião.
O que sobrou
do que ficou no chão?
Meu som, meu blem-blem.
Caindo, imaterial,
não temo a morte.
Mas dobro triste,
pela bailarina
que não verá seu bem.
Dobro, dobro, dobro.
Atinjo o solo:
Amém.
- Caio Augusto Leite
Degenerado
Não.
Eu não sou um representante do nós.
Sou muito só pra ser plural,
mas muito muito pra ser sozinho.
Sou duplo, sou fútil,
sou querido, sou diário.
Odiado.
Ordinário.
Periclitante,
viciante,
maçante.
Contista? Romancista? Poemista?
Transformista.
Gênero não me pega.
Olham pra minha palavra e pensam:
que cargas d'água é isso?
Olham pra minhas pernas lisas,
homem ou mulher?
Nunca me detectam,
sou criptografia:
puro esgar de Monalisa.
- Caio Augusto Leite
Aos que já não precisam da gente
Não, não temos amigos em comum.
Temos saudades em comum.
- Caio Augusto Leite
Procuro-me
Não sorria porque eu vim.
O que quero de ti, não é você.
É outra coisa, chamada eu,
que se desgarrou de mim.
- Caio Augusto Leite
Meus encantos
A partir do momento que amo,
logo não amo.
As minhas coisas estão de passagem,
num trem pra não mais voltar,
com destino ao desencanto.
- Caio Augusto Leite
Briga de estilos
O ruim de ser escritor
e crítico
é que comecei meu mestrado
e terminei com romance.
- Caio Augusto Leite
O que não se evita
Evito o suicídio,
é perda de tempo.
É só sair na varanda
e cantar...
Os homicidas preferem
os que sabem pensar.
- Caio Augusto Leite
Saudosismo
Eu já não tenho matéria de poesia
abri meu caderno de versos
"Ouve como a mata se dissolve na noite,
logo o verde e o silvo das serpentes silenciam.
O breu devora o contorno do dia
e circunscreve toda a luz que havia..."
e pesquei esses quatro para ver
se algo acontecia.
E nada.
Eu era poeta, ainda nessa vida,
mas o que agora tenho é Saudade
e Saudade é vertigem, nunca poesia.
- Caio Augusto Leite
Me diz teu silêncio
Se só temos isso por dizer,
não é melhor calar?
Não é melhor dar ao outro
esse nosso silêncio
- que mesmo duro -
é mais afago pra mãe em luto,
do que os jargões de sofrimento?
- Caio Augusto Leite
Olhos nos olhos
O metrô tem muitos olhos,
eu morro de medo de olhos.
Eles podem olhar
e só por isso podem
- num átimo -
me desnudar.
Pior é elevador,
oito andares,
vinte vidas,
a eternidade.
Estou todo dia correndo, parado, o risco do desmascare.
- Caio Augusto Leite
A via única do corpo
Sou mais do que a palavra pode dizer,
a palavra é meu oco.
Mas só pelo meu oco
que chegarão ao muito prazer.
- Caio Augusto Leite
O que a gente precisa
Gosto das tuas palavras tímidas,
o silêncio do que tens de mais belo
é o que me para o tempo.
E é no tempo que para
que crio meu silêncio de dupla verdade.
Cravo no teu peito um verso
e ali nasce a eternidade.
Não sendo assim,
a gente não existe.
Eu preciso de você,
e você de mim.
A gente precisa se precisar.
- Caio Augusto Leite
Eternefêmero
A eternidade
é um farol vermelho,
bexiga cheia,
rua alagada.
A eternidade é puro relativismo.
- Caio Augusto Leite
Xis
Para Gabriela Gonçalves
Quando me fotografo
saio mais feio do que sou.
Só o outro pode captar,
num ângulo de relance,
a fugacidade de meu Adônis.
- Caio Augusto Leite
O belo outro
A beleza está nas coisas
que não são minhas.
Exatamente por não serem minhas
e não se contaminarem com
o que tenho de mais vadio
é que elas permanecem belas.
- Caio Augusto Leite
Vontade mansa
As coisas por fazer
ainda estão naquele
estado de vontade mansa.
Vou começar,
bocejo.
Vou começar,
espreguiço.
Vou começar...
O nosso mal são os prazos,
tenho ainda uma semana.
Mas é tão urgente a vida,
viver e morrer
não marcam datas.
Ah! essa vontade mansa
que se faz fera.
na vida e na morte
tigresamente avança.
- Caio Augusto Leite
Queria voltar
Quis ser só por inteiro
e me larguei.
O problema é que não sei
onde me deixei.
- Caio Augusto Leite
O que não me alcança
Procuro músicas,
poemas,
textos tristes
para que eu me alie a eles.
Mas é impossível,
linguagem nenhuma
se alinha com minha menor dor.
Nem quando bato o dedinho na quina da mesa,
consigo contar o que senti com clareza.
E então sofro mais.
- Caio Augusto Leite
O que não me alcança
Procuro músicas,
poemas,
textos tristes
para que eu me alie a eles.
Mas é impossível,
linguagem nenhuma
se alinha com minha menor dor.
Nem quando bato o dedinho na quina da mesa,
consigo contar o que senti com clareza.
E então sofro mais.
- Caio Augusto Leite
Masoquista vida
A felicidade em gotas,
mas podia ter cotas.
Carregas o mundo nas costas,
mas sorri, pois no fundo gostas.
- Caio Augusto Leite
Desacolhidos
Rapaz, como eu,
e como te entendo.
O que existe
em nossas mãos?
Por que não temos rosas,
e por que dói
a dor que não é nossa?
Por que temos essa chaga,
será que não chega
de espalhar o carmim
e se chegar em mim?
Rapaz, como eu,
como é viver
com a impressão
que se morreu?
Estou completamente desponderado,
ou foi a balança do mundo
que perdeu o tino?
Se me mato, traio Deus.
Mas me matam e Deus me trai.
Eu rezava, até ontem,
eu cantava até ontem.
Mas como os sonsos,
que precisam sobreviver,
eu me calei.
E a minha mudez,
de súbito espanto,
se espalhou em grito geral.
Estamos perto do que é ilegal,
do naufrágio subjetivo.
Estamos calando a palavra,
para não colher balas de oitocentas metralhadoras.
Não estamos ficando em,
estamos virando o:
O Silêncio.
- Caio Augusto Leite
Plural
Passa outono,
passa inverno,
o verão
que primavera.
E não me adapto,
pois sou diverso.
Tenho mais estações,
constantemente mudo,
meu fim é o universo.
- Caio Augusto Leite
Caso curioso
Acho engraçado
quando minha palavra
chega no outro.
Ela costuma ser meu maior muro.
- Caio Augusto Leite
A dor que deveras sentes
Caio Augusto Leite
Caio Augusto Leite
Caio Augusto Leite
Caio Augusto Leite,
espera, sou eu mesmo no poema?
- Caio Augusto Leite
Coração sem verbo
Ando muito metalinguista,
mas que posso fazer
se ela foi embora,
se não tenho mais conta no florista?
É o que me resta,
falar do falar.
A vida não é bonita.
- Caio Augusto Leite
Quem souber me explica
Apaguei muito do que escrevi,
é que eu não sei escrever.
Eu intuo a palavra,
porque ela está aqui,
eu sinto suas contrações
e sei que pulsa.
Eu não escrevo,
eu vomito,
eu desmaio,
eu transito... que são verbos intransitivos?
Ah, não sei o que é,
mas estou escrevendo
e isso é natural
como respirar,
está vendo?
Não, não está.
O milagre não se anuncia.
Não sei como faço.
É como quem planta e não colhe,
como quem multiplica rosas apenas por ser.
Escrevo sendo e por isso apago,
mudo muito. Não tenho contorno.
Escrever é morrer
e nem todos estão dispostos.
Não sei como faço,
veja só, está aí
e nem sei de onde é que veio.
Entre as entrelinhas
é que há mistério.
- Caio Augusto Leite
Estoico
Não corra,
não breque,
não pire...
Não-pira,
não queime tudo.
O já é já
e já passou.
Sei que me iludo,
escrevo num já,
tu lês um lá,
já somos cá.
E sou feliz.
Não corra, porra!
- Caio Augusto Leite
Inconcluível
Sei que preciso
não aceitar-me.
Tornar-me seria
o meu crime maior.
Não quero completar-me,
deixe-me faltando,
deixe-me elipse,
Viu as estrelas?
Serei anacoluto,
sou reticências...
- Caio Augusto Leite
Maisena
Foi por perder,
melhor,
por perceber não ter
o que podia ter tido
que entendi
que o amor era mingau
ficou aguado
puro amido.
Só amigo.
- Caio Augusto Leite
Papinho cético
- O que será que tem depois da morte.
- O mesmo que antes.
- O quê?
- Nada.
- Caio Augusto Leite
Versinhos conformistas
Meu modo é sozinho,
não adianta sonhar,
sou muito desistível.
- Caio Augusto Leite
A que não morre
Mato baratas,
formigas
e mosquitos,
odeio insetos.
Mas tenho uma paixão,
uma exceção
que mantenho viva
- verde e frágil -
A esperança.
- Caio Augusto Leite
Quase Natal
Já era fim de ano,
cheguei e a casa enfeitada
com luzes e luzinhas.
Estrelinhas na varanda,
pisca-pisca.
E eu me perguntava
com a vista colorida...
... quem é que botaria estrelinhas
na minha vida?
- Caio Augusto Leite
Entrelinhas
E das formas de comunicar,
o que me restou?
A palavra,
é por isso que sofro.
Fiquei com a pior,
enquanto digo - não digo -
eis minha salvação
e meu perigo.
Te ganho e te perco,
te anuncio e te dispenso.
Não sei fazer sentido.
Talvez eu cale,
mas como calar
se só a palavra
pode revelar?
Revelar a ostra oca?
Revelar o mistério a mais.
Dentro da entrelinha
se aperta a coisa viva
que não é a palavra,
que por mais que queira
será sempre a Impedida.
- Caio Augusto Leite
A causa maior
Vivemos em função de um "tu".
Cuidamos do cabelo,
emagrecemos,
ganhamos dinheiro,
tudo por um "tu"
que não existe
e que se existe
está vivendo por "tu"
que não sou eu.
Será você?
- Caio Augusto Leite
Esgotados
Saiu de cartaz
o filme que não fomos ver.
O que nos adiou?
De que adiantou
comprar os ingressos
se queríamos ficar em casa?
Nós queríamos ficar em casa?
Não,
apenas não queríamos encarar
o que já não era espelho.
Eu já não te conhecia
e nem me reconhecia
em você.
Onde foram parar
aqueles gostos
em comum?
O ódio pelo domingo,
chocolate branco,
cinema mudo.
Mudamos.
Saímos de cartaz
e nunca mais íamos nos ver.
- Caio Augusto Leite
Restos de poesia
Escrevi "Vou-me embora pra Pasárgada"
no livro de Engenharia.
No outro dia, nada mais havia.
A realidade esmagou a
f a n t a s i a.
Mas reescrevo.
vai que fica? Um dia fica.
E se sumir, amanhã recomeço...
- Caio Augusto Leite
Existencialismo impossível
O que não entendo,
não existe.
E por pensar em mim,
desapareço.
- Caio Augusto Leite
Desígnio alterado
O fato do meu horóscopo nunca dar certo só comprova o fato de que fui adotado.
- Caio Augusto Leite
Parteiro
Eu teria mais sucesso profissional, se não houvesse tantos textos pedindo pra nascer, pra me nascer.
- Caio Augusto Leite
- Caio Augusto Leite
É flor foi
Tenho o calor
da flor
que nasceu
das mãos
do tempo
nesse instante
e por isso
sou vivo
e me furto
o direito
de te contar...
... contar
aquilo
que não
é mais
pois
a flor
só é
quando...
... e não tem,
e não sei
como ser
novamente...
... novamente
é perigoso
por isso esqueço
e me torno o sim...
... o sim
que não suporta
o fim, que precisa
existir antes
de reticências,
depois,
que precisa
ser as reticências...
... é,
não é,
o que fica
é a lembrança
do calor
de ser flor...
... acabou ...
- Caio Augusto Leite
Distraído
Eu nunca soube aproveitar a felicidade. Borboleta azul. Quando a noto, pássaro tímido, já voou. Preciso ser feliz sem saber.É meu modo. Por exemplo agora, estou feliz? Melhor não pensar, vai que a encontro e ela começa a voar?
- Caio Augusto Leite
- Caio Augusto Leite
Dissecando um canção
Me peguei pensando em Cazuza e me desculpe, mas que ideias correspondem aos fatos? Uma ideia é sempre uma promessa, um escândalo, uma revolução. Ideia que corresponde ao fato é conformismo.
- Caio Augusto Leite
- Caio Augusto Leite
Feriado, abacate e consciência
Me deu vontade de falar sobre abacates. Mas não muito, pois me sinto cansado. Apenas me intrigou o fato de que tem gente que os come com sal. Elas são estranhas. Ou seria eu o estranho? É por achar o que come abacate com sal estranho que eu me torno humano. Pois não é assim que nascem os preconceitos?
20/11/12
- Caio Augusto Leite
Pedro pedreiro
Pedro.
Pedra.
Rocha.
Duro.
É duro
ser Pedro e aguentar essa água mole todo dia.
- Caio Augusto Leite
Açougue
Por que me retalham em prosas que não sou? Em poemas que não sou? Em frases que não sou? Talvez seja mais fácil me entender, como o cientista que precisou dividir o corpo em tantas partes. Cabeça, tronco e membros. Mas a verdade é que conhecendo meus pés, meus braços serão sempre desconhecidos. E o que for entendido será ato falho. Se não me entendo na completude, como me entender na fração? Quanto mais me dividem menos sabem de mim e mais sei de vocês que só querem um Santo para coroar. Um homem pra sacrificar. E eu não aceito. Não sou tábua de salvação. Gosto da minha humanidade impossível. E mesmo inteiro estou sempre me multiplicando, qual rosto te olha agora, qual boca que fala? Nem mesmo eu sei. É que eu sou trezentos, trezentos e cinquenta...
- Caio Augusto Leite
Estado terminal
Desde criança tenho essa sensação de possuir uma doença incurável. Cada dor de dente podia ser o início da minha morte anunciada. Mas eu não morria. Um dia, talvez, eu descubra que isso é o que chamamos de "Vida". Pois não é partir do momento em que o óvulo é fecundado (começo) que se contrai essa doença terminal?
- Caio Augusto Leite
- Caio Augusto Leite
No meu tempo
Não me imponham a escrita. Escrever é meu ato desesperado. Escrever é o remo que me ajuda a chegar nesse Eldorado. De me religar ao elo perdido do mundo, que é a palavra "Liberdade".
- Caio Augusto Leite
- Caio Augusto Leite
Ilhamento
Só não venham podar a minha timidez. É através dela que vejo o que ainda não viu a humanidade. É através dela que carrego o mundo nas costas e que amo nos bastidores. É só pela timidez que eu consigo ser. Longe dela eu sou um profano. Longe dela eu sou vocês.
- Caio Augusto Leite
- Caio Augusto Leite
Meu crime maior
Certo dia numa estação de metrô, enquanto subia as escadas, dei com um senhor na minha frente. Ele subia com vagar. Eu, como tinha a pressa do mundo, o ultrapassei com passos duros e barulhentos. Aquilo era uma agressão. A maior que se pode fazer. Querer adiantar o tempo que cada um de nós temos. Isso não se faz. Eu não podia me perdoar. Foi então que descobri: Eu era um facínora.
- Caio Augusto Leite
- Caio Augusto Leite
Não amar
Meus amores eternos
vestiram ternos,
foram enterrados.
Meus amores errados
foram cremados,
jogados no mar.
Meus amores,
quantas dores
rimar.
Meus amores
não ter,
perder.
Meus amores,
não sei.
Cansei.
- Caio Augusto Leite
Todo dia
Por não ter todo o mundo
olho o mundo que tenho.
É assim que escrevo,
minha poesia é feita
de nadas.
- Caio Augusto Leite
Guerras
Quando não explodem por fora,
explodem por dentro.
Não sei qual mata mais,
só sei que não tem jeito.
Somos o avesso da paz.
- Caio Augusto Leite
Impossível ciclo
Não tenho leitores, tenho amigos. Tendo amigos, não sou sozinho. Tendo companhia, não mais escrevo. Sem escrever, não tenho leitores. Sem leitores, não tenho amigos. Sem amigos, volto a escrever. E escrevendo ganho amigos. Tendo amigos, não sou sozinho. Não tenho fim.
- Caio Augusto Leite
- Caio Augusto Leite
Agora sou
Não é verdade que eu não me amava.
Eu simplesmente não existia.
Foi preciso perder-me tanto, para achar-me imenso.
- Caio Augusto Leite
Eu simplesmente não existia.
Foi preciso perder-me tanto, para achar-me imenso.
- Caio Augusto Leite
Liga-vida
Nervo ciático,
Nero incendiário.
Verso caótico,
Mais um crediário.
Coisas assim
que parecem
não se ligar
e que chamamos de vida.
- Caio Augusto Leite
Químico
Química é poesia,
dois elementos,
suponhamos que pessoas,
juntos demais:
explodem.
- Caio Augusto Leite
Complicações do primeiro encontro
Olhos nos olhos,
eu fico sem jeito.
Mão na mão,
eu morro de medo.
Você me chamando,
Ai meu Deus!
Teu cheiro exalando,
tentação.
Teu rosto perto,
o resto é só longe.
Tua boca. A minha.
Se tocam.
Tenho medo de amar,
pois sei que a saudade
pode ser maior que eu
quando tudo acabar.
Fique.
- Caio Augusto Leite
Continuar
Nem parece que ontem te amava,
quem diria, que coisa louca.
Mal partiste e meu coração
já palpita por outra pessoa.
- Caio Augusto Leite
Acabou, Pixinguinha
Meu coração não bate feliz
quando te vê,
porque não existe felicidade
e você é uma idiota.
Meus olhos não sorriem
porque não têm boca.
E não te seguem
porque não têm pernas.
Você não foge de mim,
eu é que não te quero
nem pintada de ouro.
Não sou carinhoso.
Sou disperso, desapegado
e sem tempo para
declarações de amor.
E esse, muito, muito que te quero,
entendam, é só sexo.
Sincero? Melhor não ser,
assustaria.
E só assim serei feliz?
Acho que preciso de mais
do que alguém tão insonsa
como você para me satisfazer.
O amor, meu amorzinho, não existe.
- Caio Augusto Leite
Esquálido e noturno
As coisas nunca são,
porque ser é perder.
As coisas quando planos
são pianos desafinados.
Queríamos aquela sinfonia,
a mais bela primavera.
Mas o que ganhamos
foi a rabeca, foi a elegia, foi a treva.
- Caio Augusto Leite
Sonho
Não escreverei livros de prateleira,
lidos,
nem lidos,
esquecidos.
Escreverei livros de cabeceira.
- Caio Augusto Leite
Restos do carnaval
(De Clarice Lispector)
Papel de rosa,
da mãe da outra.
Broto novo,
cidade velha.
Boca rosa,
Mamãe chorava.
Inveja boa,
alegria cinza.
E eu saía
para achar
o que eu não era.
Os mascarados,
a minha dúvida.
O meu medo,
eu tão sozinha.
Mas os confetes
no fim do dia.
Eu entendia,
não mais menina:
eu era rosa,
agora,
na rua
no corpo
na fantasia.
- Caio Augusto Leite
quinta-feira, 29 de novembro de 2012
O amor
Como prometido, vou falar de cebolas.
Não é que encontrei uma humanidade nesses vegetais? Estava cortando algumas
para colocar nos bifes e como sempre chorei. Mas dessa vez eu entendia o choro
de outra maneira. Sabe quando você convive tantos anos com uma coisa e não percebe,
de fato, como ela é? Pois foi isso o que me aconteceu. Depois de anos chorando
sobre cebolas que eu consegui tirar algum proveito e aprendizado disso. As
cebolas tinham essa pureza impossível, que tão lastimosa, me fazia chorar
quando as cortava. Eu estava depredando o que havia de mais puro no mundo.
Estava fazendo em fatias o próprio amor de Deus, que ao criar as cebolas deu a
elas essa sabedoria de se envolver em milhares de camadas para não revelar o
núcleo fundamental da vida. Mas quando eu, mão agressiva, resolvia despetalar
esse segredo, caía em lágrimas. Chorava, pois encontrava o Amor. Mas não o
encontrava mais pulsante e renovador. Quando eu abro uma cebola, com faca
afiada, quando eu estraçalho esse legume ou raiz, ou sei lá a que gênero pertença
(nunca fui bom em botânica), é que me encontro com o mais cruel de mim mesmo. E
isso me assusta. Pois eu, na ânsia de descobrir o ponto máximo da existência. O
grão da felicidade, por precisar tanto encontrar esse dom escondido eu acabava
o destruindo. Eu assassinava o bem inocente. Eu tinha uma garra afiada, garras
de águia, mão de facínora. Não saberia nunca acariciar o que era feito de
beleza sem machucar. Porque eu era feio, era feio não no sentido estético grego
da coisa, eu era feio na alma. Na verdade eu me tornava feio cada vez que abria
uma cebola. E as fritava, e as comia. Comer as cebolas era a pior parte do
crime. O contato dela com meus dentes ferozes fazia um barulho de trituração
que me era impossível de aturar. Nesse momento eu chorava mais do que quando as
retalhava. Pois o barulho era a prova final da minha animalidade. Não
animalidade dos bichos, porque esses são sagrados e feitos de material quente.
Vindos diretamente do forno da Criação. Não, era uma animalidade própria dos
humanos. Bestialidade, se preferir. O
fato é que estava acabando com as cebolas de uma vez e elas não tiveram chance
de se proteger. Elas apenas existiam com esse grande amor que, por puro ato de
burrice, resolveram mostrar a mim. E eu não sabia lidar com tamanha grandeza.
No fim do jantar eu estava sozinho e ponderava, olhando meu passado, a
quantidade de cebolas que eu já tinha mastigado.
- Caio Augusto Leite
domingo, 11 de novembro de 2012
Fome-forma
Escrevo pra não perder a forma,
pra perder a fome.
Mas como como
fico com mais forma,
gordurinhas versificadas.
E a forma me deforma.
Sem reforma,
minha casa
tá um caco.
E sem você
meu coração
tá um caos.
Escrevo pra
dizer adeus.
Mas também pra manter perto,
escrevo pra não morrer.
E só sei morrer escrevendo.
Escrevo pra encontrar a forma.
Mas só tenho a palavra de caminho,
daí me foge a libidinosa, escorregadia, lagartixa,
quimera deslizada, a impossível
Forma.
- Caio Augusto Leite
Nada ficou lugar
Passará a sazão das rosas
e a sezão amarela.
Como passará todo o azul
e todo o verde sobre a terra.
Até o universo
se prepara
para o não existir.
Quando digo que te amo
estou já apodrecendo.
E quando digo
que estou indo,
já passou o verde,
e sem saber
estou partindo.
- Caio Augusto Leite
Raiar de aurora
Agora daremos as mãos
e nos encontraremos
no local de sempre.
Levaremos pás
e blusas pretas.
Abriremos uma cova
bem funda
e clocaremos
o que não nos pertence mais.
E por mais que grite,
ali sufocado,
não olharei pra trás.
É que tem um sol tão bonito nascendo,
deve ser amor, ou pelo menos paz.
- Caio Augusto Leite
Teorema
O amor só tem 100%
de rendimento na teoria.
O tédio come 5%,
a distância uns 10.
A insegurança uns 20.
As responsabilidades
mais 30.
30 perco em
medos.
E só restam 5
pra te amar.
- Caio Augusto Leite
Enquanto não te esqueço
Agora ouvirei as músicas
que você não gostava.
"Me deixas louca"
da Elis.
E quem sabe,
quando o coração estiver remendado
eu posso ouvir sem suspiro ou ai
a boa e velha, a nossa,
"Chet Baker - My funny valentine".
- Caio Augusto Leite
Quando fui escrito
Clarice me escreveu
e jogou fora.
Caí na terra
e brotei poeta.
Caberia melhor num conto,
espantado com aves,
ovos,
rosas.
Clarice me pariu
e não me cuidou.
Agora preciso viver
num mundo cheio de Adeus.
Onde Deus não pode me ajudar,
pois sou só linhas falidas
de uma grande escritora
que desistiu de me terminar.
- Caio Augusto Leite
Agora chovo
Agora eu quero amar
como não amei outrora.
Quero rimar novos braços
nos meus, sem demora.
O amor não acaba,
vira nuvem.
E chove longe daqui.
Ai de mim, que sou só tempestade
em copo d'água.
A vida é um exagero
e o amor, sem exceções,
será sempre desespero.
Lembrará de mim,
daqui uns cem anos?
Lembrará de nós?
Triste destino dos que amam
mas chovem.
Caem
feito
gotas
nesse
chão
escorrem
e ficam
sós.
- Caio Augusto Leite
Fim de amor
Os poetas não têm tempo
para sofrer de amor.
E nem de buscar
lágrimas dentro de versos.
O tempo é curto,
oh sim,
é preciso viver.
Enquanto partes,
eu me reparto
em novo parto
e renasço novo.
Meu coração é novo
e está pronto
para amar
o que não cabia
em você.
- Caio Augusto Leite
Florindo
É tempo de não buscar as flores,
já arranharam demais com espinhos.
Quem sabe eu faça saudade
e elas brotem novamente
em algum campo,
no coração,
nas íris.
Não colocarei elas em copos
com água gelada,
já gelei demais
os sentimentos.
Deixarei que venham a mim,
essa beleza maior,
que brotem aqui.
Ramos pelos cabelos,
ouvidos,
peitoral
e pés.
Eu coberto de flores,
que eu não precise nunca mais
caçar amores.
- Caio Augusto Leite
O que eu não mais sei
Não sei
se te amo ainda,
ou se me amas
ou se amo quem não é você
ou você ama quem não sou.
Não sei
quantos anos se passaram,
quanto te esperei?
Quanto perdi
aqui parado
querendo o que não veio.
Não sei se somos felizes.
Olho pro lado e tantos casais
vivendo nessa base do não sei.
Talvez eu precise ir embora,
para que sintas minha falta
e voltes e me ames
e tenhamos filhos
e morramos velhos,
não sei.
- Caio Augusto Leite
O que restou das rosas?
Agora o que direi às rosas,
se elas foram embora
levando o aroma,
a doçura,
e as boas cores
que tanto preciso?
Míticas rosas,
rosas de todo dia,
como não as notei
se permaneciam
belas no quintal?
Murcharam e eu fiquei
com o gosto daquelas palavras
que não reguei.
Sequei o coração,
mais murcho que rosas
lá fora.
O que fazer com a vontade
de colhê-las se também já foste embora?
Se não tenho a ti,
já nem me servem rosas,
e da vida, que resta agora?
- Caio Augusto Leite
Em face dos futuros acontecimentos
Rezo para que o mundo acabe
e que eu esteja do seu lado.
Que nossas poeiras se encontrem
e permaneçam vagantes pelo universo.
Trocando partículas
numa eterna cópula.
Ósculos eternos,
gozaríamos nas nebulosas.
E não sofreríamos,
meu bem.
Rezo para que acabe já,
e que acabe essa saudade.
Que esse amor
não suporta o mundo
como é.
Dentro dele sou sujeito
não sendo.
E o futuro parece tão maior
nesse universo infinito caótico
e cheio de imortalidade.
- Caio Augusto Leite
Noite de eclipse
Havia aqui, no bairro,
um cão e uma cadela.
Ontem o cão morreu
e ela ficou serena
e viúva, com a memória triste
do que sempre fora dela.
As estrelas precisam subir,
é a ordem natural dos relógios.
Mas como não indagar a falta,
como colocar o nome de entes queridos
em grandes necrológios?
A vida se espanta,
tão severa
e sedosa.
Baile de máscaras.
Quando damos por nós,
a música parou,
a festa acabou
e na rua as sobras
da fantasia que usávamos
e que lavadas de chuva,
nos trazem de volta
a imagem do barro criado.
Dentro da memória
somos belos e cheios de defeitos.
Sem a vida
a distância aumenta
mas torna os laços
- tão roídos -
novamente estreitos.
- Caio Augusto Leite
Sem horizonte
Amar,
verbo longevo.
Tanto exite,
mas não vejo.
Mas vive lá,
onde não alcanço.
Fica na barra das
coisas que almejo.
Amar,
verbo sem sujeito.
Pelo menos não
sou eu o agente
nem o objeto.
É como olhar pra lua,
mas não vê-la, mas não ter estrelas,
pois me impede a vida,
me impede o teto.
- Caio Augusto Leite
Quando real
Quando escrevi um texto realista,
no outro dia já era abstração.
Como muda o tempo,
a realidade não tem coração.
Ontem quando escrevi aqueles
versos tão loucos de hospício
e roupa branca, pensava que fugia.
Mas hoje abri a janela
e lá estavam as imagens que pintei.
Gaivotas em chamas, meninos de terno.
És louca, Maria?
A realidade não me perdoa
e nem me deixa na poesia.
Tudo que escrevo se despede,
vira arquivo morto,
pão de ontem na padaria.
- Caio Augusto Leite
Criação
Um oco
tão profundo
que poderia
me atirar nesse poço
e nunca tocar seu fundo.
Um nada
tão completamente
que se me dessem
milhares de reais
não compraria
nem um sabonete.
O que fazer depois
que se acaba?
Começar de novo?
Entre um poema,
entre um livro,
entre um verso
e outro eu sou só esse oco.
- Caio Augusto Leite
Ter não tendo
Meu poema é floema
ou qualquer coisa que rime,
não tema,
não tem trema.
Nem trema,
nem fuja do laço,
do grande abraço
que te ofereço.
Se te escrevo uma carta,
são só notícias que passam.
Se te escrevo esse poema
é pra durar.
É pra ler quando tudo
o que for novo envelhecer.
Pra quando ficar com vontade de mim.
Essa que é a forma mais fácil do impossível de me ter,
que não me tem, mas tem.
- Caio Augusto Leite
Reunião
E não é porque te amo
que os outros viraram pó.
Apenas foram sufocados
pela sua presença.
Mas debaixo dos teus afetos,
beijos e promessas
eles habitam
feito matéria decomposta
há milhões de anos.
E basta você sair de cima,
largar de mão,
fazer saudades
que tudo o que dormia
jorrará petróleo.
Negro amor,
marcado,
sangrado,
feito para queimar
e ser queimado.
Reunidos em mim
de mãos dadas.
Fazendo ciranda,
em minh'alma.
Um vem, outro vai.
E no fim me fica
o vácuo de ser nada.
- Caio Augusto Leite
Responsável
Invejo a liberdade
das aves,
das folhas,
das coisas
que podem ir
sem se preocupar em voltar.
Quem dera errar o mundo,
girar por aí.
Sem hora,
sem automóvel,
sem lembranças.
Mas nasci pra ficar,
pra ter saudade,
pra morrer em noite fria.
Pra viver colorindo desenhos
que se apagam, sem dó,
no fim do dia.
E amanhã recomeço..
- Caio Augusto Leite
Câmera e luz
Quero seu olhar panorama.
Seu olhar focado,
deslocado,
seu olhar
de foto.
Um fato é seguro,
teus flashs
me revelam.
E viver sem ti,
é puro negativo,
eu juro.
- Caio Augusto Leite
No primeiro de novembro
Morrerei nesta quinta feira
só para não sofrer
a tua ausência
tão martelada.
Morrerei na véspera,
comemorarei no dia
e ressuscitarei
depois de três
com imensa alegria.
Renovarei meus hábitos,
compararei pratos,
garfos,
toalhas de banho.
E olha só como serei feliz
depois de morrer e voltar.
Só quem atravessa as glebas
noturnas do inferno,
pode cantar,
pode viver,
pode luzir
como sempre quis.
- Caio Augusto Leite
Pessimismo
Só veio para que
eu pudesse perdê-la.
Não tem segredo.
A felicidade existe
para não tê-la.
- Caio Augusto Leite
Paulistriste
Pois temos mais carros
do que ruas.
Mais amores do que flores
para mandarmos.
Mais garoas,
tempestades
que guarda-chuvas
na cidade.
Pois temos essa necessidade
de sermos mais,
de termos mais.
Enquanto não vencermos
não seremos São Paulo.
Enquanto formos essa vila
cheia de conservadorismos
não passaremos de um rascunho
do que nos fora planejado.
- Caio Augusto Leite
Tanto
Quanto mais vivo
mais me apego.
Quando é ti aqui
nada mais vejo.
Não sei mais
ficar em paz.
O amor é só
desassossego.
- Caio Augusto Leite
Tão efêmero
Você vem,
logo vai.
Você é,
você quem?
Fica tão pouco,
some tão já,
que já já
será ninguém.
- Caio Augusto Leite
O iludido
Beijo tua boca
de coral.
Caralho,
boca de vidro
cacos de beijo
cacos de coração.
Tem tanto amor no que dizes,
mas não.
É arame farpado, arapuca, armadilha.
Me prendi,
me perdi,
agora sangro pela boca,
pelos becos,
sem querer nova paixão.
- Caio Augusto Leite
Por que tão longe?
Prezo a saudade,
preso à saudade.
Que saúde tenho
se só penso em ti?
Se a rima ri,
da cinza realidade,
sem nenhuma sanidade?
- Caio Augusto Leite
Beber
A felicidade não cabe
nesses outros novos dias.
Só vive um pouco e morre,
é expansão demais
pra essa nossa vida
tão quadrada.
Beba a felicidade
antes que evapore.
Vai saber quando ela volta,
talvez demore.
- Caio Augusto Leite
Censura
Há poemas impublicáveis,
pois te citam
e citam pessoas que não suporto.
Poemas que falam de sexo
com muita explicitez
ou que criticam o governo.
Poemas que rimam,
poemas livres,
poemas de paz,
de guerra, de loucos.
Poemas que trazem as lembranças mais afáveis,
dos dias, das noites, das tardes que não temos mais.
Ah! Todos os poemas são impublicáveis.
- Caio Augusto Leite
Teu beijo de noite
Enquanto uns brigam pela felicidade,
eu repouso na espera dela
que suavemente pousa
e fica, fica pois gosta da minha paz.
E se um dia ela vai embora,
a alma não magoa.
Qualquer dia, numa rua deserta,
a borboleta oscular
efemeramente me desmonta.
- Caio Augusto Leite
Lapa
Meu coração se enche de pus
só quando cruza a Tibério
com a Guaicurus.
É que aqui é longe da Sé,
e os poemas que nascem,
caminham a pé.
E as rimas são pobres,
e não emocionam o mundo.
Tento pegar, mas me escapa.
Não tenho canções por fazer.
Que me importa a Ipiranga,
o que eu vejo é a Lapa.
- Caio Augusto Leite
Sótão
Tão só.
No sótão.
Tão eu.
Então saio e nada.
Volto ao pó,
volto ao só,
do sótão.
- Caio Augusto Leite
Desachando
E é por te perder cotidianamente
que mais foco tenho nas vitrines,
como se você pudesse estar ali,
ou lá, ou cá, em qualquer lugar.
Se é tão fácil perder-te,
por que o avesso
não é de mesma sorte?
E quando eu me distraio da busca
e viro na rua errada,
ai que susto me dá - pular de coração -
é você ali, novamente.
Será você, ou eu
que sumo demais?
Quando amamos perdemos a dimensão
do que é achar,
do que é perder,
do que é pra sempre.
- Caio Augusto Leite
Ganhar um livro
Ganhei um livro.
Ganhei essas palavras
que há milênios foram ditas.
Mas ainda interditadas,
isoladas por faixas de segurança,
não chegarão nunca ao morto,
ao morto, ao morto, ao morto.
Ganhei um livro usado,
nenhum abalo.
Ganhei as lágrimas,
os tremores
e as angústias
que se debruçaram por essas páginas.
E como faz bem pro coração
ter essas histórias
- deveras bonitas e bem escritas -
mas o bom mesmo é ter aqui
esse pedaço, vivo, do João.
- Caio Augusto Leite
Sereno e sozinho
Vai, pode ir.
É inútil te seguir,
pois se sempre fui tua Eurídice
nunca na vida foste meu Orfeu.
E não olhará pra trás
para experimentar o inferno
que existe nessa coisa,
nesse impossível caminho.
Cansei de ser teu estorninho.
Vai, é assim e é preciso.
Quanto mais anda,
menos te sigo
e pode ser que alguém olhe pra trás
e queira arder, nesses quintos,
aqui comigo.
- Caio Augusto Leite
O que dizes
Porque não dizes "Eu te amo"
me amas menos
ou permanece o amor
pois ainda está no irreal
das possibilidades linguísticas?
Ama, não diz. Finge que não sabe.
Finjo que não, não digo.
E vamos amando pois não formulamos.
Pois apenas somos.
E a palavra não pode.
E nós somos, pois não somos feitos de gramática.
- Caio Augusto Leite
Enxergar
Paro e te contemplo,
nada mais que o tempo
de um olhar que pestaneja.
E esse mínimo instante
é suficiente para explodir
em mim as coisas que dormiam.
Uma faísca e tudo
que eu conhecia
era nada.
E nada do que vejo
é familiar,
uma faísca.
Bastou para iluminar,
bastou para dar-me
a dimensão de que tudo
é indimensionável.
E que as direções,
as durações
e até você
são apenas convenções.
- Caio Augusto Leite
Quando não vier a primavera
Assustei-me no caminho,
as rosas começavam a brotar
e nem era primavera.
Se não seguem as rosas o seu tempo,
como posso seguir eu o meu?
Se ontem elas nasceram,
mas só poderiam nascer
daqui um mês,
como confiar nas leis mundanas?
Eu não dependo (mais) da realidade.
Passo sobre todas as projeções,
tratados e prospecções da natureza.
Lei da física não me pega mais.
Quando vier a primavera
e as rosas olorosas
já estiverem há tempos
sob as sombras da figueira
eu saberei que não existe tempo
para quem vive de começos.
- Caio Augusto Leite
Memorial
A palma da mão de pedra
erguia-se sangrenta
sobre a terra.
E eu saía dali
do fundo do mundo,
o suor no rosto,
as armas em punho.
O coração batia fraco,
o latino é um fraco.
Mas gotejava o sangue, da mão
gigante, que escorria feito mapa.
E me achava nesse lugar,
que era tão meu quanto
de todos os mexicanos.
Eu olhei a noite,
eu cantei, eu abri os braços
e abracei a grande mão.
Reconheci o meu irmão,
dentro da pedra batia
numa firme moleza
o nosso coração.
No desespero de estar sozinho
eu vi - pela primeira vez - os rostos cansados
que iam renascendo das trevas metroviárias.
Foi aí que aprendi a amar.
- Caio Augusto Leite
Ressendo
Não quero mais seguir o caminho
que me levará para a morte bruta.
Eu sou o avesso,
me visto de começo
e estou aqui de novo.
Um novo neném,
uma criança.
Sou sempre lembrança.
E a vida é essa massa de bolo,
que bate, assa e partilha-se.
E que se sofre.
Sofro, pois eu sou eu
e você é você.
Sendo o outro sempre possível,
fica impossível não chover.
E eu sempre volto
para amar o outro.
O avesso, o começo do caminho
é o final daquele primeiro.
Pra não morrer
eu sigo andando.
Cheio de finais,
eu vivo me me acabando.
- Caio Augusto Leite
Estava calor
E o cão se espalhava pelo asfalto,
roubando as últimas refrescâncias do solo.
O céu fazia azuis
e o sol trocava as cores
num harmonioso alvorecer.
O coração podia parar agora.
Para essa potência,
nada era contra potência.
E tudo podia ser.
Se houvesse mar,
banharia-me.
Se houvesse silêncio,
cantaria.
E nem sofreria a solidão,
não precisava do teu abraço
- QUENTE -
pois estavam as coisas no lugar.
Estava calor e o cão...
- Caio Augusto Leite
Amarelo
A bacia cheia de urina,
caldo do corpo mais urgente.
A poesia quente,
mas passada.
Olho,
leio,
acabo.
Dou descarga.
- Caio Augusto Leite
Calos
Mãos vermelhas,
quente atrito,
trem que vai, meu bem.
O que não tenho
não busco mais.
Se choro, se sofro.
Ah, você não vem.
Tão cheio o vagão
mais cheio o meu coração.
De tremores, de dores.
Vai descarrilar.
Mãos com calo,
ando calado.
O trem para
pra eu descer...
Mas continua a trepidar meu peito.
Sei que é vão querer aquilo
que anda por trilhos tão opostos ao pensamento.
- Caio Augusto Leite
Só falta achar
Meu amor é a beleza encarnada,
ele é tanta flor,
tanta chuva,
tanto molho de macarronada.
Meu amor é um perder-se
tão completo
e inconsequente
que a ele me fez prender-se.
Eu sou do meu amor,
quando ele vem na sexta.
Eu sou do meu amor,
até na sua ausência.
- Caio Augusto Leite
Lágrima
Ah,
se o amor for prisão,
não.
Não quero amar.
O espaço, o vasto do horizonte.
O pasto das estrelas,
todo o azul do mundo.
- Deixa-me voar.
- Caio Augusto Leite
Sendo
A vida e seus ir embora,
o tempo de antes
e o de depois.
Nada disso me compõe.
Você diz que me amará pra sempre
eu te beijo, eu te abraço
e respondo:
Te amo pra agora.
- Caio Augusto Leite
Este grande nada
Não há mais poemas por fazer,
os poetas atingiram a comunidade clímax
dos versos, das estrofes e das metáforas.
Tudo que se diga é esvaziamento
e a realidade nem pode ser possibilidade,
as palavras nem chegam a roçar
o véu balão das coisas que são.
E não sendo possível mais nada,
escreveremos sobre futebol.
Sobre galinhas d'angola,
sobre planetas e ciências avulsas.
Não há mais poemas por fazer,
quanto mais me aprofundo
mais me aparto,
por isso escolhi
viver essa pequena glória
de só dizer das poeiras sobre móveis.
Das camadas fáceis,
que não adianta esforço
pois é esforço nulo.
E já nem há mais poetas por nascer.
- Caio Augusto Leite
Problemático
Alguém que me entenda?
Me poupe.
Eu quero é alguém que me pergunte.
- Caio Augusto Leite
Poema alterado
Sou a única persona possível,
sem máscaras,
sem véus
e nem desconfianças.
Estou aqui,
eu jogo duro
para me mostrar,
eu ralo a pena
para tirar as mentiras
de outro eu avulso.
Perceba meu olhar
que mira o papel
feito espelho
que o texto
se fez.
Qualquer identificação
com minhas palavras
é pura neurose,
não tem nada aqui
além de mim...
- Caio Augusto Leite
[mas parece que quanto mais
me aproximo de mim,
mais me espalho pelo outro.
Ser Eu, é ser o todo,
eu sou todo mundo]
- Caio Augusto Leite
Tão tão
Tão conservador
que usa trema
Tão romântico
que adora a dor.
Tão sozinho
que quer amor.
Tão eu que nada quis,
nem rimar ou rimou?
- Caio Augusto Leite
Pela rua
Cães no colchão.
Aviões decolam
para o Japão.
O homem toma café.
sai de casa
beija a mulher
e cães no colchão.
As avenidas partem,
o sol queima
novo câncer no menino.
Cães no colchão,
talvez chova.
Vento, gripe, trovão.
Inundações,
bombas,
especulação.
O tudo gira
e nada estanca.
E ali - dormem -
cães no colchão.
- Caio Augusto Leite
Cidadão do mundo
A cidade é uma pedra,
e quando cai no mar
- longe da pluma -
pesa e afunda.
Vamos com ela,
se formos
rochas
também.
Não curve-se
ao fácil
estático
das certezas
engarrafadas.
Estancar,
empacar,
regressar...
A cidade é uma pedra,
quase não nascem rosas.
A poesia não é ditadura,
quando abro os versos
pra dizer, digo,
e não tem pedra
que me impeça.
E voo.
Do ciano céu,
vejo a cidade
e dá pena
vê-la tão pequena.
- Caio Augusto Leite
O grande caminho
Queria te pôr no bolso,
te levar pro mundo.
Te mostrar o mundo.
Queria te pôr no osso,
te fazer medula,
te fazer espinha,
te fazer hemácia
- pulsões de vida.
Queria alçar um voo
no teu mar plano,
pleno e sem alvoroço...
Mas quem disse que se pode amar nos ares?
Amor é esse vai-não-vai, esse freia e segue,
esse parte e perde.
O amor é essa estrada esburacada - sem luz, sem voz, sem volta.
- Caio Augusto Leite
Oração
A mudez da noite é indestrutível,
dentro dela as estrelas morrem.
As engrenagens por dentro dos planetas
giram com uma paciência impossível.
Os cometas não anunciam passagem,
por aqui o vento não passa.
As corujas ignoram a presa
e os passos pararam.
Quando a mudez da noite grita
o resto se faz quimera em pó,
que repousa no chão
dessa cidade...
... e quando tudo parecia ócio,
o sol nosso de cada dia
nos desperta, e nos dai hoje
o arbítrio do pecado e da tentação,
só para que no fim do dia,
ante a cama vazia,
eu peça você perto
e o mal distante
- sem saber que os dois são unos -
Eu peço perdão,
mas o sol volta
com novas promessas de orgia
e eu nem posso dizer não.
E eu sou só diabruras
enquanto você não vem.
Toda noite rezo,
mesmo sabendo que sou caso perdido:
Amém.
- Caio Augusto Leite
Identidade
Tudo precisa ser dito.
Nada pode ser esquecido.
A vida é um sopro,
a palavra é um vento.
Elas não podem viver sem nós,
eu posso viver sem elas.
Elas podem ser sem mim,
eu não posso ser sem elas.
A palavra me põe no mundo,
o mundo me põe na dúvida,
a dúvida multiplica a palavra
e a palavra é pura dúvida.
- Caio Augusto Leite
Vidinha
A vida parecia
tão mais comprida-ida.
mas cabia no poema,
num verso,
numa palavra:
despedida.
- Caio Augusto Leite
Poeminha
A vida comeu tantas horas do meu dia,
que já nem sei
quando
nascerá a poesia.
Nasceu?
- Caio Augusto Leite
Meio a meio
Minha metade é mistério,
lado oculto do cubo na mesa.
uma dor de cabeça,
impossível hemisfério.
Ela é azul, quando eu verde.
Quando me vedes, não acho.
Quando procuro, ela é vão
e no ar desaparece.
E fica a cor que não tem: saudade.
Ouve-se canções, tenta, não pode.
Ela fica dançando,
eu fico metade...
- Caio Augusto Leite
Duvidosa resolução
????????
Por que você?
Mas, por quê?
Você é meu porquê e meu por quê (?).
- Caio Augusto Leite
Ao seu lado
Não sei como,
mas você veio
e eu me entendi.
Não sofro mais,
o céu é claro
e a tristeza ri.
- Caio Augusto Leite
Angústia
Tenho lutado todos os dias de minha vida,
diários,
analistas,
amigos,
ninguém vai entender meu desabafo.
Tenho lutado todos os dias
mas já tenho pouca vida.
Que vida, que vontade pode haver
se tudo, se tudo, se tudo
é só saudade?
Que se pode fazer se o meu sonho sempre foi caçar estrelas?
- Caio Augusto Leite
Amando menos
Te amar é amar menos,
medo de não te amar
e vou te amando,
e menos amando.
Não amar é não amar,
viver para amar
é não viver, pois
amando ou não amando
não se ama.
E se não se ama,
não se vive.
Amar viver é não amar
morrer.
Não amar viver é morrer.
Amar é viver e morrer.
Não amar é morrer sem viver.
Amar é não.
E não amar é.
Só não sei o que é,
pois amo e sou não.
E se não amasse, seria.
Mas não quero ser.
Prefiro não ser amado
do que viver sendo,
mas morrendo um dia
com o silêncio do que não ama.
Pena que agora te amo menos.
- Caio Augusto Leite
Poema da contenção
Amor.
Amar é delimitar.
amor.
Agora já não é mais tão grande,
dizes que cabe numa pessoa,
num nome, numa lembrança.
Como que cabe?
Amaria as estrelas,
mas também é pouco.
Amaria o céu, o universo, Deus,
é pouco.
Amaria o nada. Sim, nada.
Só o nada permite a expansão maior
que a palavra Amor tem como potência.
Mas tendo-o, não tenho, Amor excesso.
Amor ideia.
Nós, humanos, queremos a plenitude
mas só aguentamos o encarceramento.
- Caio Augusto Leite
Um passarinho morreu
Eu vi no chão, na grama, eu vi.
Mas nem doeu pena
e nem lágrima escorreu.
Estava passeando com meu amor
e tudo era bom,
mesmo a sabiá calada
- sem penas, sem a pena de mim -
era uma beleza possível.
- Caio Augusto Leite
Remanso
(É doce morrer no mar)
Beira de mar,
rede da boa,
coco-verde,
canoa.
Brisa leve,
areia branquinha,
peixe na brasa,
Janaína.
Cantar Dorival,
o sol bem morninho.
De você
um bocadinho.
Descansar e nada
mais querer.
Viver do mar,
de amar morrer...
- Caio Augusto Leite
Passarando
O presente como um passarinho,
no peitoral da minha janela,
voa e já é passado.
Eu sei que essa é a regra
inabalável das coisas.
Um dia nós também seremos éramos.
- Caio Augusto Leite
Tardio
Você me chamou pra ver o sol
e enquanto caminhávamos
perdia algo que sempre fora meu.
Sentamos nas pedras,
o sol caía
e o meu olhar marejava.
Eu via o cão,
tua mão,
e as nuvens se dissolvendo.
E tudo era antecipação de um nada maior,
o sol,
o sal,
o cão,
tua mão,
tudo estava partindo,
sem querer, sem dizer, sem se poder evitar.
E eu choro, pois só agora fiquei sabendo - iríamos morrer...
- Caio Augusto Leite
Ruptura
Você já não pode mais fingir saber quem é.
Os teus olhos mentem a verdade soberana
que você espalhou pela terra dos homens.
Você não pode ser mais homem
mentindo o que sua essência cobra.
Você é quem mesmo?
Você é dois.
Dois em um.
Um em dois.
Ninguém.
E tudo o que você quer não será plenitude,
será ponte bamba, sem fim, sem começo.
Nunca será,
nunca terá.
O nunca.
Não tenho muito tempo
e odeio tuas certezas.
Um dia eu canso e me vou.
Será que você não repara,
você não é.
Para e pensa:
"Quem sou?"
E pode ser que consiga me entender...
- Caio Augusto Leite
Pedindo perdão
O que vem ali é o indefinido.
Homem? Mulher? Espírito?
É um não-ver noturno,
uma sombra difusa
que se esparrama pela rua.
E mesmo perto não vejo.
E mesmo ouvindo não ouço.
Para mim tudo é nulo,
tudo é fugido, tudo é osso.
Talvez o mundo seja bom
pra quem é bom e vive bem.
Um reflexo do que sentimos,
do que queremos, do que plantamos.
E se colho tempestades
foi por muitos ventos.
E se o mundo é triste,
a culpa minha.
Não cacei respostas.
E o que falo agora, é com esperança
de remissão, de entender
o que sempre soube.
De fazer um pedido,
um só pedido:
perdão.
- Caio Augusto Leite
Caminhaduro
(O viajante)
Não, já não acredito em muita coisa.
Certeza mesmo, só a não nenhuma,
pra que haveria de ter
se ela é só apaziguamento?
Quanto menos creio,
mais vivo.
A dúvida me põe em caminho.
Vivo como o determinado animal
de carga que precisa cruzar
longa estrada pedregosa.
Passo, passo, passo.
Vai tudo passando
e eu duvidando.
A flor, o riacho, o brejo.
Todas as paisagens eu atravesso,
pelo verso que rasga a estrada,
que força impedirá a palavra:
qual chuva, qual sol, qual vento?
O que a vida atrasa, a palavra adianta.
O que numa é tempo,
na outra é sempre.
O quando.
O talvez.
A certa incerteza num Eterno-momento.
- Caio Augusto Leite
Prominto
Duzentas escolas,
amanhã eu vou,
chego em uma hora,
a gente se vê.
Nem te vi aí,
vou bem e você.
Eu garanto.
Eu te amo.
- Caio Augusto Leite
quinta-feira, 8 de novembro de 2012
E depois do amor
Agora nós vamos seguir em frente, não mais dois lado a lado. Mas separados. Ainda que te ame. Ou que você me ame. Sabia que a vida era uma tragédia e eu me espanto com ovos sobre a mesa, com cachorros ruivos, com rosas. E você gosta de filosofia. Você quer pensar como as coisas vieram parar no mundo. E eu tento sobreviver dentro desse mundo, mundo de liquidificador. Estaremos misturados, pra sempre. Ainda que a vida tenha coado nosso sumo. Beberemos e brindaremos a vida com outros sorrisos. Com outros braços. Tua boca, que boca é essa que jamais sentirei. E a minha que também não sentirás. A vida me anestesiou, a cada pequena tragédia foi me preparando para o que era certo. O final. Estamos no ponto final? Sempre podemos pegar o mesmo ônibus, com sorte e rever aquele amor secreto que guardamos em olhares espiados.
Como ontem, passei pela rua e a lâmpada piscava. Pensei em nós. Sabia que estávamos piscando. Hoje eu passei e a lâmpada queimara. Estava escuro e suas mãos foram pra longe. Você se apagou. Eu me apeguei. Eu sofreria mais um pouco, quem sair por último que desligue a luz. Sobrou pra mim a tarefa de soprar a pequena flama de uma paixão que se prometia eterna, e foi enquanto durou. Esses clichês cheios de poesia.
Quando escrevia pensava que podia te colocar dentro de todas aquelas coisas, agora eu sei que a arte é maior do que qualquer amor. Roberto estava certo, ficaram as canções e você não ficou.
E é tão pouco que posso falar. Que vai minguando as possibilidades da escrita. Da língua. Das nossas línguas separadas.
Agora vivo o Amor, sem ninguém por perto. E não tenho mais medo da vida e nem do perigo que é viver.
- Caio Augusto Leite
A entrada do mundo
Penteava-se. Moldava-se para sair. Tinha que ajeitar as curvas e dar limite aos seus poros para que o mundo não entrasse. Ser perigosa era sua salvação. E o seu medo era diluir-se. E por se pensar menor do que era, alongava-se com essas plataformas à la Carmen Miranda e com esse vestido vermelho que a acendia. E quanto mais se brilha, mais se ofusca. Não ser ela era também o seu segredo. O era. Pois se alguém se apaixonasse, não correria o risco de perder-se. Não teria obrigação nenhuma de amar, pois amada não era. E não é sempre assim? Ama-se primeiro o que não é. O amor era esse despentear-se. E para que os cabelos não voassem por essa rua, ela puxava com força os fios. Habitual agressão. Doce dor. Doeria agora, mas amanhã se perdoaria, quando visse aquelas outras. Aquelas outras que conservariam olheiras e noites mal dormidas. E ela dormia cedo, pra acordar cedo, pra dormir cedo. Tudo era cedo pra quem não se atrasa nunca. E ser assim era fazer com que tudo seja tarde demais, descobriria ao despertar.
Capaz de ser feliz, era. Mas como o tímido cantor que nunca soltou a voz, nunca saberia que podia sorrir. Que medo era esse, que havia nela e em mim, de lançar-se? Tem gente que jamais pula. Por isso não existiram e nem sei o seus nomes para citar exemplo. Outras precisam ser empurradas. A mãe pássaro não ensina o voo. Não ensina-se a sair do chão. Mas sim a não querer ficar nele.
Certo. Estava pronta, queria acreditar. E levantando-se cheia de uma pressa vagarosa tinha de ir. A porta era um convite ou uma sentença? Só havia a certeza de que era inútil não sair, dentro de casa também morria-se. E por não poder evitar, ia. E o primeiro passo lá fora era o instante de decisão e como torceu o pé na soleira da porta. E como caiu. E como ralou joelhos e mãos. E como soltou um grito de dor – o primeiro - e só por causa disso algo começava a cambalear num caminhar cheio de liberdade que só os bêbados têm. A vida entornava-se e embriagava-se de uma cadência que não se pode prever.
Pássaro fora do ninho.
Flávia. Agora ela tinha um nome. E as ruas também tinham. E as praças e as flores. Tudo era, ao mesmo tempo, estranhamento e reconhecimento do que estava ali parado. É preciso cair do alto, do salto, para ver as formigas no chão. Para ver-se a si. E ventava. E as linhas tão demoradas de ser construir foram caindo pelas calçadas. Despenteada, ela era ela. E o mundo, ela descobriu, não estava grávido. Não precisaria mais esperar, agora estava misturada. Contornos? Esse mundo é mesmo muito misturado. Agora não haveria jeito. Não tinha, ela, alguém que lhe tirasse do perigo de viver. Saberia não se unir às rosas? Bobagem, elas não falam. O perigo é ouvi-las. Precisava ser a vacilante lâmpada que não se apaga, mas que também não se acende para o pleno vazio. Realmente, ela estava imersa nesse perigo de viver. E, imitando Rosa, só posso dizer que viver é muito perigozo.
- Caio Augusto Leite
domingo, 4 de novembro de 2012
Ainda verde
Uma bela manhã. Mãe e filha caminhavam pela feira do bairro. Ela, por ser criança e ainda inocente, se espantava com a quantidade de frutas que havia no mundo. E aquilo não era nem metade do que existia. Um dia ela descobriria, que assim como os nomes de frutas, o amargo do limão pode ser sempre maior. Mas por hoje ela só se espantaria com o fato de haver maçãs verdes. Passou por elas e a mãe não mexeu um músculo. Queria perguntar se não iriam levar pra casa aquelas maçãs, mas sentiu que não devia. Guardava pra si a imagem das maçãs, como um assunto proibido que se torna preferido e precisa manter-se guardado para que ninguém mais possa gostar. Era a prática cruel do egoísmo. Tem uma bala pra me dar? Não tenho. Respondem com os bolsos cheios de balas cremosas, crocantes, deliciosas. Ela era tão pequena, cruelmente pequena. Ainda que não soubesse usar essa crueldade. Calava suas maçãs verdes. E seguia com a mãe que comprava bananas prata – como podia ser prata se eram amarelas? E banana maçã? E as bananas verdes, seriam na verdade bananas maçã verdes? Por que misturar as coisas que pareciam tão bem feitas separadas? E se uma banana era prata, podia-se pendurar no pescoço feito corrente ou nas orelhas feito brincos? Qual sentido da composição é o referente no mundo? E como cabiam tantos pontos de interrogação numa cabeça tão pequena? Talvez por ser pequena, ou por não se achar grande. A mente que se pensa grande, se defende e não deixa mais nada entrar, por achar que todo o resto é inútil. Como a mãe que não queria comprar maçãs verdes, pois achava que as maçãs vermelhas eram muito melhores – ainda que nunca tivesse comida as tais outras verdes.
E quando a mãe parou na barraca de maçãs vermelhas a menina não se conteve e perguntou “Pra que comprar maçãs, já temos tantas em casa, elas apodrecem” e a mãe como se precisasse explicar um mundo inteiro. Olhou com paciência de normalista. “Não é porque temos maçãs em casa, que não precisamos de mais. Você já imaginou se amanhã não existirem mais maçãs?” Era esse egoísmo que ela já experimentava ao ver maçãs verdes. Só podiam ser dela. Como quem ama e afaga, afoga e mata. Também mata-se de amor. Não por amor, mas pelo medo da perda. Mas poderia esperar, como ainda era pequena não sofreria a falta do gosto desconhecido.
Num dia repleto de descuidos, ela abriu as compras e ali estavam – prontas para o beijo da boca em sede – as suas (egoistamente suas) maçãs. Pelo resto da vida só comprou maçã verdes. Até sua filha perguntar “Não vamos levar peras?” e era preciso explicar tudo de novo. Pois ela ainda estava verde.
- Caio Augusto Leite
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