quinta-feira, 29 de novembro de 2012

O amor


Como prometido, vou falar de cebolas. Não é que encontrei uma humanidade nesses vegetais? Estava cortando algumas para colocar nos bifes e como sempre chorei. Mas dessa vez eu entendia o choro de outra maneira. Sabe quando você convive tantos anos com uma coisa e não percebe, de fato, como ela é? Pois foi isso o que me aconteceu. Depois de anos chorando sobre cebolas que eu consegui tirar algum proveito e aprendizado disso. As cebolas tinham essa pureza impossível, que tão lastimosa, me fazia chorar quando as cortava. Eu estava depredando o que havia de mais puro no mundo. Estava fazendo em fatias o próprio amor de Deus, que ao criar as cebolas deu a elas essa sabedoria de se envolver em milhares de camadas para não revelar o núcleo fundamental da vida. Mas quando eu, mão agressiva, resolvia despetalar esse segredo, caía em lágrimas. Chorava, pois encontrava o Amor. Mas não o encontrava mais pulsante e renovador. Quando eu abro uma cebola, com faca afiada, quando eu estraçalho esse legume ou raiz, ou sei lá a que gênero pertença (nunca fui bom em botânica), é que me encontro com o mais cruel de mim mesmo. E isso me assusta. Pois eu, na ânsia de descobrir o ponto máximo da existência. O grão da felicidade, por precisar tanto encontrar esse dom escondido eu acabava o destruindo. Eu assassinava o bem inocente. Eu tinha uma garra afiada, garras de águia, mão de facínora. Não saberia nunca acariciar o que era feito de beleza sem machucar. Porque eu era feio, era feio não no sentido estético grego da coisa, eu era feio na alma. Na verdade eu me tornava feio cada vez que abria uma cebola. E as fritava, e as comia. Comer as cebolas era a pior parte do crime. O contato dela com meus dentes ferozes fazia um barulho de trituração que me era impossível de aturar. Nesse momento eu chorava mais do que quando as retalhava. Pois o barulho era a prova final da minha animalidade. Não animalidade dos bichos, porque esses são sagrados e feitos de material quente. Vindos diretamente do forno da Criação. Não, era uma animalidade própria dos humanos. Bestialidade, se preferir.  O fato é que estava acabando com as cebolas de uma vez e elas não tiveram chance de se proteger. Elas apenas existiam com esse grande amor que, por puro ato de burrice, resolveram mostrar a mim. E eu não sabia lidar com tamanha grandeza. No fim do jantar eu estava sozinho e ponderava, olhando meu passado, a quantidade de cebolas que eu já tinha mastigado. 

- Caio Augusto Leite 

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