domingo, 4 de novembro de 2012

Ainda verde


     Uma bela manhã. Mãe e filha caminhavam pela feira do bairro. Ela, por ser criança e ainda inocente, se espantava com a quantidade de frutas que havia no mundo. E aquilo não era nem metade do que existia. Um dia ela descobriria, que assim como os nomes de frutas, o amargo do limão pode ser sempre maior. Mas por hoje ela só se espantaria com o fato de haver maçãs verdes. Passou por elas e a mãe não mexeu um músculo. Queria perguntar se não iriam levar pra casa aquelas maçãs, mas sentiu que não devia. Guardava pra si a imagem das maçãs, como um assunto proibido que se torna preferido e precisa manter-se guardado para que ninguém mais possa gostar. Era a prática cruel do egoísmo. Tem uma bala pra me dar? Não tenho. Respondem com os bolsos cheios de balas cremosas, crocantes, deliciosas. Ela era tão pequena, cruelmente pequena. Ainda que não soubesse usar essa crueldade. Calava suas maçãs verdes. E seguia com a mãe que comprava bananas prata – como podia ser prata se eram amarelas? E banana maçã? E as bananas verdes, seriam na verdade bananas maçã verdes? Por que misturar as coisas que pareciam tão bem feitas separadas? E se uma banana era prata, podia-se pendurar no pescoço feito corrente ou nas orelhas feito brincos? Qual sentido da composição é o referente no mundo? E como cabiam tantos pontos de interrogação numa cabeça tão pequena? Talvez por ser pequena, ou por não se achar grande. A mente que se pensa grande, se defende e não deixa mais nada entrar, por achar que todo o resto é inútil. Como a mãe que não queria comprar maçãs verdes, pois achava que as maçãs vermelhas eram muito melhores – ainda que nunca tivesse comida as tais outras verdes.                                               

    E quando a mãe parou na barraca de maçãs vermelhas a menina não se conteve e perguntou “Pra que comprar maçãs, já temos tantas em casa, elas apodrecem” e a mãe como se precisasse explicar um mundo inteiro. Olhou com paciência de normalista. “Não é porque temos maçãs em casa, que não precisamos de mais. Você já imaginou se amanhã não existirem mais maçãs?” Era esse egoísmo que ela já experimentava ao ver maçãs verdes. Só podiam ser dela. Como quem ama e afaga, afoga e mata. Também mata-se de amor. Não por amor, mas pelo medo da perda. Mas poderia esperar, como ainda era pequena não sofreria a falta do gosto desconhecido.                                                                                                               

    Num dia repleto de descuidos, ela abriu as compras e ali estavam – prontas para o beijo da boca em sede – as suas (egoistamente suas) maçãs. Pelo resto da vida só comprou maçã verdes. Até sua filha perguntar “Não vamos levar peras?” e era preciso explicar tudo de novo. Pois ela ainda estava verde.   

- Caio Augusto Leite

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