sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Atualmente

Me parece que o mal gosto atual advém, não só da péssima qualidade de produção. Da falta de matéria de poesia, de exigência. Mas sobretudo da capacidade instantânea de se emocionar. O ser humano nem sabe mais controlar suas próprias emoções, qualquer frase melosa já aflora uma sensação emotiva incontrolável. Mas pra mim não, eu que não me contento com o baixo nível de intenção, só chego as vias de fato, de chorar, de sorrir, quando alcanço o extremo que a emoção suporta. Poucas coisas são dignas de sentimentos eternos como amor, alegria e esperança. E eu mais do que renegando vender minha alma, renego também ser tão barato. Me desculpem os de senso crítico vazio, mas eu só me entrego a coisas verdadeiras e eternas. Para as outras, deixo que a efemeridade de suas durações respondam por si só a sua pequenez perante aos grandes e eternos artistas, fazedores de arte e não vendedores da mesma.

Caio Leite - 01/01/2011

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

O futuro da dama caída

Hoje ela percebe o tempo que perdeu tentando ser perfeita. Desde que se entendia por gente viu-se pressionada a mudar, querer o que não queria. Chorava. Gritava. Tinha medo.
Foi adaptando-se, passou a comer menos. Horas na academia. Laxantes. Foi emagrecendo e perdeu seu ego. Após isso decidiram que ela não seria tão feliz com aqueles cabelos. Mudou, tingiu, cortou. Agrediu os fios de todas as formas que se pode imaginar. Perdeu então sua genética.
O sorriso – disseram - era feio, dentes precisavam ser brancos. Brancos demais. Correu a garota para o dentista e alvoreceram ainda mais seus – já então perfeitos – dentes. Perdeu agora seus instintos. Mas sua embalagem também era necessária ser bem feita. Gastou tudo quanto podia. E perdeu sua humildade.
Para uma linda menina que se tornou era bom estar bem acompanhada. Trocou seu namoradinho por um sem-cérebro do colégio. Perdeu então o prazer do amor. Queria manter-se popular, para isso, passou por cima de tudo e de todos, foi-se embora sua honestidade.
Nunca fora rica. Para continuar seus mimos, tornou-se promíscua, atirando-se para todos que pudessem de alguma forma, continuar a bancar suas extravagâncias de falsa menina rica. Perdeu sua dignidade. Tornou-se uma dama da alta sociedade, uma importante figura e perdera por fim sua felicidade.
Mirando-se agora no espelho, se sentia como um oco de árvore. Sem espírito. Pesava como uma vida a lágrima sem sentimento que lhe rolava a face plastificada. Quanto deixou de lado? Deixou toda uma eternidade, deixou todo um passado. Mas queria ainda seu futuro.
Tirou o sapato alto e lançou-o ao espelho, partindo em milhares de cacos seu mais antigo amigo. Arrancou as jóias jogando-as num canto qualquer. A maquiagem agora lhe borrava o rosto, misturando o negro, com o rosa e o carmim. Numa sofrida aquarela, uma sombria máscara de partida.
Lançou-se porta afora, descalça, descabelada, o rosto manchado e o vestido amassado. Saiu em busca – talvez inutilmente – de um tempo que perdera há tantos anos. Como um espírito da floresta que retorna ao lugar de origem. Como uma nova a vida a ser parida, nascendo da reconstrução das próprias entranhas, como a fênix mitológica.
Despiu-se de todos os rótulos, todos os amuletos que a prendiam no mundo preconceituoso que se deixou dominar, sem nem mesmo perceber o erro que cometia. Preocupar-se-ia com seu ser interior, sua essência. Quebrou-se o frasco da dissimulação. Era tempo de viver em campo aberto. Como uma ninfa ao encontro da natureza. Como um sabiá canoro ao encontro da vegetação. Como uma rara brisa nas flores das acácias. Era tempo de liberdade. Viva!


Caio A. Leite - 04/11/2010

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Tragédia no mar

Horizonte que me perco
e me acho e me engano.
Horizontalmente me
desfaço de mim.
Num mar que pede
para que eu me rasgue
em morte.

Num salto mortal
de acrobata que
desfecha a vida
num último movimento
perfeito e inspirado.

Caio nas rochas
doídas, manchadas
de musgo e dor.
Caio nos recifes
de coral, caio
no esquecimento.

Enquanto o veleiro
ao longe, sem saber,
invoca a paz inerente
da terra.
As gaivotas, as ondas
e o sol poente irradiavam
uma alegria serena.

E eu nu de todas
as lembranças
caía na pirueta
sangrenta de
findar.

A noite faceira
anunciava-se;
e o corpo moído
de rochas era velado
pelas vagas tristonhas
que escoavam o sangue
em suas águas.
Como que amanhecendo
antes da hora sua face,
num banho cruel de sangue
e espuma marinha.

Caio A. Leite - 07/12/2010