quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

O futuro da dama caída

Hoje ela percebe o tempo que perdeu tentando ser perfeita. Desde que se entendia por gente viu-se pressionada a mudar, querer o que não queria. Chorava. Gritava. Tinha medo.
Foi adaptando-se, passou a comer menos. Horas na academia. Laxantes. Foi emagrecendo e perdeu seu ego. Após isso decidiram que ela não seria tão feliz com aqueles cabelos. Mudou, tingiu, cortou. Agrediu os fios de todas as formas que se pode imaginar. Perdeu então sua genética.
O sorriso – disseram - era feio, dentes precisavam ser brancos. Brancos demais. Correu a garota para o dentista e alvoreceram ainda mais seus – já então perfeitos – dentes. Perdeu agora seus instintos. Mas sua embalagem também era necessária ser bem feita. Gastou tudo quanto podia. E perdeu sua humildade.
Para uma linda menina que se tornou era bom estar bem acompanhada. Trocou seu namoradinho por um sem-cérebro do colégio. Perdeu então o prazer do amor. Queria manter-se popular, para isso, passou por cima de tudo e de todos, foi-se embora sua honestidade.
Nunca fora rica. Para continuar seus mimos, tornou-se promíscua, atirando-se para todos que pudessem de alguma forma, continuar a bancar suas extravagâncias de falsa menina rica. Perdeu sua dignidade. Tornou-se uma dama da alta sociedade, uma importante figura e perdera por fim sua felicidade.
Mirando-se agora no espelho, se sentia como um oco de árvore. Sem espírito. Pesava como uma vida a lágrima sem sentimento que lhe rolava a face plastificada. Quanto deixou de lado? Deixou toda uma eternidade, deixou todo um passado. Mas queria ainda seu futuro.
Tirou o sapato alto e lançou-o ao espelho, partindo em milhares de cacos seu mais antigo amigo. Arrancou as jóias jogando-as num canto qualquer. A maquiagem agora lhe borrava o rosto, misturando o negro, com o rosa e o carmim. Numa sofrida aquarela, uma sombria máscara de partida.
Lançou-se porta afora, descalça, descabelada, o rosto manchado e o vestido amassado. Saiu em busca – talvez inutilmente – de um tempo que perdera há tantos anos. Como um espírito da floresta que retorna ao lugar de origem. Como uma nova a vida a ser parida, nascendo da reconstrução das próprias entranhas, como a fênix mitológica.
Despiu-se de todos os rótulos, todos os amuletos que a prendiam no mundo preconceituoso que se deixou dominar, sem nem mesmo perceber o erro que cometia. Preocupar-se-ia com seu ser interior, sua essência. Quebrou-se o frasco da dissimulação. Era tempo de viver em campo aberto. Como uma ninfa ao encontro da natureza. Como um sabiá canoro ao encontro da vegetação. Como uma rara brisa nas flores das acácias. Era tempo de liberdade. Viva!


Caio A. Leite - 04/11/2010

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