sábado, 30 de junho de 2012

Na roda sou turista


Música, te respeito.
Te respiro,
me inspiro,
mas o que lanço
não é mais do que um gemido.

Canção não faço,
e preso no poema de papel
fico frustrado.

Meu violão é de concreto
meu piano congelado,
minha melodia, som diáfano.

Notas, como atingi-las?
Talvez não possa
e a inveja come-come meus versinhos
que ouvem caladinhos o violão do mestre Rosa.

- Caio Augusto Leite

Queria ser você


Luminosa alma, colorida,
espelhada de estrelas.
Tudo que sai de você
é só reflexo do seu
interior de bela imagem.

E não é necessário tecer versos,
pintar telas, esculpir pedras.
Basta existir para que tudo
ao seu redor se consagre em arte.

- Caio Augusto Leite

Frágil nó


Parece nó firme de corda, marinheiro,
mas é frouxo truque de mágica
que só falseia um sentimento
que nunca nos uniu.

Vai soltar, vai largar, vai sumir.

E eu sempre quis te avisar,
mas você achou que era grande navegante.
Taí o resultado, seu navio indo embora
e eu aqui largado no mar pra me afogar.

- Caio Augusto Leite

Impedimento


Meu amor, eu lamento
mas existe um motivo
um triste defeito
um grande impedimento.

Sozinhos de nós seremos,
você terá um novo carinho.
E eu impedido de ser feliz
viverei no meu cantinho.

Nas sombras,
nas sobras
que Deus meu deu,
nunca um amor de meu.

Meu amor eu lamento
mas vivo um dilema,
é preciso romper agora
e evitar o constrangimento.

Existe sim,
aqui em mim,
um grande impedimento.

- Caio Augusto Leite

Épica


Primeiro decomponha a palavra em verbo e substantivo.
Depois pegue-a, sugue-a, salive sobre.
Faça movimentos pra frente e pra trás.
Guerreie com ela, embate entre gruta e espada.

Mas ninguém vencerá,
morrerão os dois na arena de lençóis
e o sangue aos pouco vai esfriando
agora que findou a vil batalha.

Decai o herói e as musas cantarão
seus feitos e suas virtudes
sobre a carne que se abre
pra receber o prazer maior
que só vem depois da dor da guerra...

- Caio Augusto Leite

Tarde de junho


Te juro, tarde de junho,
que o vento frio soprando
não é nada quando caminho
lado a lado com o meu grande carinho.

Quando abro a janela e vejo o verde
verdejando sob a luz do falso sol de inverno,
quando os pássaros passam cantando
saudosos de primavera, eu te ignoro tarde de junho.

Encontro o amor sempre num repente,
dentro daqueles olhos onde me reconheço.
É sempre o amor de novo,
sempre um amor novo pela tarde de junho.

E o nosso adeus é vacilante,
há risco no abraço, há medo no beijo.
Amor em segredo. Sagrado? Não sei.

E amanhã já é julho, fico na dúvida
se vai durar o sentimento
que juntou vento de maio com a manhã de setembro.

Se eu pudesse parava o mundo,
que fique o amor quente
como se fosses tu pra sempre
tarde de junho...

- Caio Augusto Leite

Mamoeiro de verdade


No meio do mato, distante de fato
de toda população de homens-deus
uma fruta caída, aberta, pronta
para o milagre de se refazer.

Além da indecisa casca,
no côncavo laranja do fruto doce
habitam centenas ou milhares
de pequenas sementinhas.

Teimosas, resistem aos tempos
de abominação ao verde,
ao lúcido, ao natural modo
de existência.

Não há crise de identidade,
sem misturas, sem biogenéticas metamorfoses.
Nada de mamera, mamaçã, mamelão.
Seu nome, ainda, mamão.

E todos os humanos sentem inveja do inocente fruto,
que nu de todas as expectativas de melhora de cultivo
consegue se enterrar na terra e providenciar
novo mamoeiro que rompe a mata, a morte e finca no céu seu ápice.

Nós aqui comendo tomate ácido,
vestindo pêlos que não são nossos,
existindo em função das outras
coisas que nos protegem, já nem somos.

Límpida chuva rasga o sol,
eu acho um tédio.
E a árvore se anima com a vida prodigiosa que vem caindo,
é que ela não parece, é. É mamoeiro, mamoeiro de verdade.

- Caio Augusto Leite

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Urgência


Mas me deu um 3x4 pra eu matar a saudade
que se abate sobre meu corpo
no meio da noite acendo meu abajur
e encontro o mini-retrato
amor condensado e enrolado
nos dias que se sucedem
quando te verei de novo
não há tempo pra pontos
vírgulas ou regras de sintaxe
quando se tem um amor
quando é raro vê-lo
é preciso agarrar pelo cabelo
fundar um beijo e proclamar
estado unido em corpo e alma
ditadura de ciúmes
anarquia de toques
partido nacional dos incuráveis amorosos
viaja em luz o pensamento
mas quando me percebo
é só seu 3x4 no escuro pleno

- Caio Augusto Leite

Fulminação

Rua.
Casa.
Cama.
Beijo.
Boca.
Mãos.
Olhos.
Corpo.
Tremor.
Palavras,
pra quê?
É tarde.
Adeus.
Saudade
grande.
E agora?
E agora?
E agora?
Agora?
Só se for agora!
Ninguém,
colega,
amigo,
amante.
Tudo,
denso,
ligeiro
instante
fulminante.
Ufa!

Nosso amor é poema, mas queria tanto que fosse romance.

- Caio Augusto Leite

Fogueteando

Rompem fogos na noite negra,
pontilham a vastidão,
momentâneo clarão
de alegria festiva,
logo desvanecem, viram nostalgia.

Teus beijos estalados fogueteiam,
estrelas nascem no meu peito,
no teu e parece que a noite
vai em mim amanhecer.

Mas logo é hora de ir-se  embora,
saudade que sinto, morte que vem
todo dia, todo dia com mais energia.
Morte felina, morte rotina.

A fogueira no centro da festa ilumina pouco
e por pouco eu não te perco pelo breu.
Brasil, proteja meu amor no São João.

Balões, façam guia.
Bandeirinhas, façam vigília.
Sol da manhã, venha com calma,
não fira os olhos do meu amor.

O amor é essa grande ilusão
de pontinhos coloridos
que faíscam pelos nosso corpos
e chamuscam o coração.

Se é preciso explodir
pro amor consumar,
então vamos estalar foguetes,
vamos logo nos queimar!

- Caio Augusto Leite

O grande amor


Pra que transformar tudo em lírica amorosa,
se tudo já está no plano da verdade?
É inútil versificar o beijo sem metro,
as palavras sem rima, os toques sem roteiro.

Pra que prender o momento nesse tormento
que é o poema, só pra me fazer sofrer
da lembrança de não te ter agora?

Deixe que tudo se eternize na memória,
com seus detalhes inventados,
com a felicidade da perfeição.

Pra que transformar tudo em lírica amorosa,
se o meu nome saiu da tua boca e se eu senti
teu coração batendo forte no peito?
Se a gente é mais amor que toda palavra amor,
maior que esse AMOR, amor em caixa alta.

- Caio Augusto Leite

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Perdi o nome


Te procuro em listas telefônicas,
em obituários, em anúncios de jornal
e o seu nome não surge mais
sob as minhas vistas que, fatigadas,
vasculham o caminho por onde acho que você saiu.

Procuro teu nome dentro de conchas,
na linha das estrelas,
nos cartões postais,
em alianças alheias, será que casou?

Quanto mais te busco,
mais te perco, mais te perco.
E parco o desejo vai ficando.
Dura o amor, durará quanto?

Procuro teu nome completo, teu CPF, tua impressão digital.
E ainda assim não encontro registro,
trabalho de uma vida, a vida tá passando:
cadê teu nome, como some?

Te procuro no brincar das nuvens,
no rodopiar das folhas,
no sussurro do vento,
no qualquer lugar, na utopia, na ré da reta do tempo.

E penso que não te acho,
pois não te achei nunca.
Você que vive no meu futuro,
te busco e te perco, pois não sei seu nome.
Só sei que a felicidade aqui em mim
depende de você, mas quem é você?

Qual seu nome?

- Caio Augusto Leite

quarta-feira, 27 de junho de 2012

É necessário...

..amar e estudar francês

Se je t'aime
tu tem que aimer moi aussi.
E já nem importa esse mon français
caduco, esquisito e anti-romântico.

Minha língua dentro da sua é só confusão,
convulsão de sentimentos, de signos e de sentidos.
Só sei que não posso te oublier. Jamais!

Très amor, pra pouco tu.
Meu peito inintelegível, d'or no coração:
- Il est minha tradução.

- Caio Augusto Leite

Chão de vidro


Cacos de vidro pelo chão,
caminhão bateu,
dois feridos, um morreu.

Quem descalço passou
soube das dores da vida,
entendeu o amor e suas feridas.

Quem veio de sapato, passou em branco.
Não soube do sangue, do medo
e da esperança.

Refletido meu rosto, mil cores,
mil olhares tristes.
Pisando em cacos afiados, insisto.

Insisto no amor que dói,
que perfura, que rasga a pele
enquanto caminho pela rua.

Beijo os cacos, como teu reflexo
e os milhares de pedaços
caem no estômago, me arde o plexo.

O suco gástrico te digere
e o amor acaba,
o que sugere?

- Que espere, que espere outro caminhão bater...

- Caio Augusto Leite

D I S T A N T E


O coração preso em processos acadêmicos,
em livros, em teses, em fichamentos.

O tempo todo do mundo
e pra mim nem um segundo.

Já não existe esse amor sozinho,
como seguirei agora?

Os temas científicos te prendem
e eu fugi da escola.

Enquanto você vira bacharel,
nosso amor vai virando história.

- Caio Augusto Leite

terça-feira, 26 de junho de 2012

História de amor


E por mais que a força passionatriz
mova meu coração feito moenda antiga,
não consegue o amor romper as barreiras
do impossível, saudade é meu melaço.

Que gruda na boca,
escorre na garganta
e enjoa o peito do gosto.

E o gosto do amor nunca fica muito tempo,
bala de menta que cai da tua língua na minha,
no fim do dia fico à míngua.

Não sei se é falta de amor,
talvez seja só falta de tempo
pra bater cartão, amor-patrão.

Encontrar você assim de vez em quando,
sem muito contrato, não dará pé:
e quem fica de pé cansa de esperar,
o amor que espera, feito vela, só queima pra findar.

Infinito enquanto dure?
Duro é o enquanto infinito
que ainda nos divide.

E por mais que a força passionatriz
mova meu coração feito moenda antiga,
não consegue nosso destino se cruzar
sonho, choro, amo e não hei de te alcançar.

- Caio Augusto Leite

domingo, 24 de junho de 2012

Amando pela janela (do MSN)


Eu te amo daqui
do lado contrário
desse aparelho...

Digo coisas bonitas
e você diz que ri,
será que ri mesmo?

Ah meu Deus,
como decifrar
esses sentimentos ocultos
e tão distantes?

Eu só queria te tocar:
ser sua carne, seu corpo,
sua alma e descobrir
todos os prazeres além-máquina.

- Eu preciso de você aqui.

- Caio Augusto Leite

Desejos de transcendência num fim de domingo


Eu queria a imensidão azul e líquida
de todo o oceano, mais que oceano, de universos plenos.
Estradas, estrelas, invenções maravilhosas
que me levem para além do negro mais distante...

Um lugar onde as orações não ecoem,
onde nada ecoe, nem cor exista.
Nem gosto, nem vento, nem eu...

Um lugar de extrema abstenção,
sem colisões, coligações, obrigações.
O branco que nenhuma religião pintou...

Onde as reticências sejam pequenas e finitas,
onde a dúvida seja um segundo
e o amor não seja sofrimento,
o amor não seja... para que não seja eu dor.

Eu queria tudo isso numa gota
que caísse de uma vez
sem remédio, sem arrependimento,
sem violência ou paz...

Um momento e o fim,
talvez a morte,
talvez a sorte,
tudo em mim e se acabar!

- Caio Augusto Leite

Aos cacos


Cristaleira encostada na parede,
todas as coisas que vovó
demorou a vida inteira pra juntar,
e quando juntas reuniam
a família em almoços dominicais:
Páscoa, Bodas, Natal.

Mas de descuido em descuido
as peças foram se perdendo.
Sendo únicas, jamais serão repostas.

E hoje a cristaleira vazia não mais nos une,
os cotovelos não se batem
na mesa cheia de confusos parentes,
que mesmo distantes se tornavam íntimos
naqueles diáfanos momentos.

Pela grande mesa sobram espaços de saudade.
Ali na ponta, sozinha, vovó supira
bebendo groselha vencida num copo de requeijão.

- Caio Augusto Leite

sábado, 23 de junho de 2012

Só se morre de vida


Não há espanto e nem susto,
morrer é a gente sendo a gente.
Sendo mais que isso,
morrendo alcanço a plena
natureza do ser, de todos os seres.

E a imortalidade que sonhei,
se transforma em nada,
como todos os outros
devaneios que a vida traz.

Certezas que temos
mas não queremos.
Temer a morte
e suprimir a vida.

Folhas secas sob o chão,
são mortes.
Rosas que lhe dou,
são mortes.

Carne que como,
suco que bebo,
saudade que tenho
também são mortes.

E nenhuma tem importância,
a única que terá,
que é a minha,
não será por mim sentida.

- Caio Augusto Leite

De alma branca


Não pode haver censura,
hesitação
ou medo na hora do poema.

Jogo essa bomba
no meio da Avenida Central
com a certeza de que matarei
todos que tentarem correr.

Mas sei também que sobreviverá aquele
que não tiver receio
de se integrar ao "boom" devastador.

Cristãos, marxistas e vegetarianos
não saberão jamais da coisa-linda
que se espalha em luz por essas linhas.

- Caio Augusto Leite 

Impossíveis amantes


Não,
você não me ama.
Ama o que não sou,
ama a imagem refletida
e denegrida que sua mente criou.

Ama a ideia fundamental,
o registro platônico
que todo apaixonado
nutre pelo ser que aspira ter.

Mas eu já não sou quem era
e nunca fui aquilo que sonhara.
O amor que você tem é pelo outro,
você me trai com a minha forma digital.

E a gente nunca poderá se amar,
pois não amo nem sua verdade
e nem sua mentira, que
no espelho da alma é refletida.

- Caio Augusto Leite

Procura da vida inteira


E só de querer hei de querer mais,
não há querer maior que o meu
ou será que o seu querer
mais que o meu me quererá?

Valores próximos ou distantes?
Quantas casas nos separam
décimos, centésimos,
tantos bairros:
será que vai dar certo?

Espero eu aqui,
esperas tu dali.
De tanto esperar, a gente
não mais se encontra.
Alguém precisa se mexer.

Mas o amor descruza caminhos,
talvez a gente se mova
e de lá pra cá tu vás
cá pra lá eu vou
e mais um vez a gente
se desencontrou.

Namoraria a ti, se tu me namorasses.
Se duas vezes o beijo ressoasse,
caindo da tua para minha.
Se as bocas cavernosas calassem
o grito mudo que me desespera.

- Ah se a gente se encontrasse...

- Caio Augusto Leite

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Demita-se


Esvazie os compromissos,
todas as tabelas diagramadas,
todos os cartões batidos,
todas as concepções de ser.

Não console o amor de outrem
e nem em público a dor lamente.
Concrete as lágrimas
e os brancos acenos de adeus.

Não vacile em dizer "não",
jamais aceite os carinhos.
Esqueça as cartas de cobrança
e os bilhetes de amor.

Parta as vidraça da tua casa,
deixe a porta aberta para que o irmão saia,
para que o tempo e o ladrão entrem.

Não inveje, não lembre, não saiba.
Ensurdeça a língua e cale os ouvidos,
e é só isso que se pode fazer para que não sofra:
Enfim, morra.

- Caio Augusto Leite

Tudo


E é por saber tão pouco
que sou tão livre
e tão aberto ao futuro
que me estende a mão.

Não há correntes me prendendo
ao muro das antigas convicções.
Não há vestimentas que me destaquem
no meio dos cristãos.

E eu estou aqui para ouvir,
às vezes de trás da porta,
mas procurando não ser
o juiz do tribunal.

Se é preciso escolher
entre o azul
e o vermelho,
eu me pinto de dourado.

Se há discussões
entre a noite e o dia
eu me cubro de madrugada
e viro boêmia.

E é por saber tão pouco
que o poema não acha
a ponta do círculo
e mantem-se na proposta...

é por saber tão pouco, que tudo que digo tem a possibilidade infinita de uma linha reta...

- Caio Augusto Leite

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Desassossego


Infinito mar vermelho
na noite paulista,
onde andará Moisés
para abri-lo?

Para curar o tédio vou pensando em você,
no amor rosa e puro, em todas as coisas boas da vida.
Do sabor, do calor, da praia.

De olhos fechados penso num mundo melhor,
meu coração se enche de paz
e tudo é repouso, a dor é serena.

Mas aquela moto está com pressa,
passa e leva meu retrovisor.
A epifania quebra-se também:

- Filho da puta! - é o que dá tempo de gritar.

Como não amar essa cidade?

- Caio Augusto Leite

Menino brincando de quebra-cabeça


Não comunico meus poemas em cartas burocráticas,
pois não existem meus poemas,
que certificado de propriedade é esse
que vocês usam?

Não sou dono das palavras,
elas sempre estiveram aí
prontas para criarem os poemas
ou seria apenas para revelá-los?

Larga o orgulho de lado,
não há maestria e nem genialidade.
As palavras só foram bondosas
ao exibirem, para você, a nudez fundamental.

Poeta! Vê se pode tamanha ousadia.
Pateta é a medida certa e única que lhe veste.
Patético ser que acredita que as vertigens do estômago
são as belezas que ao papel dedica, mas é tudo obra da palavra
e da escandalizada forma que permanece fugitiva.

- Caio Augusto Leite

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Cantar para lembrar


Mais que todas as coisas,
é preciso de amor.
Se for cantado
muito melhor.

Que as canções de amor
são silêncios de metano,
flor aberta em megatons,
murros em ponta de faca.

Coroa de espinhos,
martírio do espírito.
Dor que veio de outro
para que eu lembre de ti.

E dentro de todas as canções
tu te multiplicas em versos.
E indefeso, eu só posso cantar-te
para que não sumas nunca mais de mim.

- Caio Augusto Leite

Canção resumida


Onde vai o homem com a vitrola na mão?
Está vendendo o aparelho,
mas quem quererá inútil máquina?

Os discos são riscos no tempo,
o tempo que leva para um disco rodar
consome os compromissos que tenho.

Não posso parar pra ouvir chiados gostosos
e nem vozes orquestradas por finos
e dignos instrumentos de hipnotização.

Condenso tudo que preciso em arquivos,
mas não há arrepio e nem tremores
vindos da experiência extra-sensorial.

O homem vai embora, devia ir atrás dele,
mas começa uma música disfarçada de Chico
e eu quase acredito no que ouço, quase.

- Caio Augusto Leite

terça-feira, 19 de junho de 2012

História


Palavra de capa sibilante,
que se abre tônica:
revela o céu, a língua, o som
e se esvai em riso átono.

- Caio Augusto Leite

Sempre menos


As horas que passam não sei se ajudam
ou atrapalham o andamento do nosso amor.
Por um lado falta pouco pra te ver
e isso por si só é alegria condensada.

Mas por outro, essas horas
que vão passando são horas menos
que posso estar contigo.
Minutos que dançam
uma marcha-rancho em ré...

E preso nessas ideias,
passado e futuro
são só azias...

... de tanto pensar,
você chegou e o presente
que escorre feito cachoeira
só faz o nosso tempo ficar mais antiquado.

- Caio Augusto Leite

Os meninos maiores


E enquanto os meninos maiores
correm atrás da suas meninas,
com sede nos olhos
e dureza no sexo,

eu planto flores por todos os cantos,
no vão do muro, entre as pedras,
no telhado, na estrada de barro
e na de cimento escuro.

Semeio pequenos momentos de felicidade,
de aquarela misteriosa e de perfume implagiável.
De profundo silêncio, quem precisa de som
diante desse milagre maravilhoso?

Os meninos maiores precisam,
precisam do som vacilante
que num sussurro quase mudo
transporta o pensamento para o amor em fatos.

E só conseguem quando dão a elas
a bonita flor que brotou do impossível sonho.
Flor que plantei com muito zelo e luta,
mas que que só serve para que as meninas se apaixonem
pelos meninos maiores.


- Caio Augusto Leite

Historiador

Não saiba da minha história,
não vasculhe meu passado.
Finque os pés no presente
e mire no futuro.

As palavras sobre os livros
não dizem nada,
deixa a boca beijar
e o corpo solucionar
os enigmas da carne.

Inscreva os dados da tua pesquisa,
da tua longa jornada,
nos pelos arrepiados
e nos dentes trementes
de querer, de te querer.

Não conte nossa história a outrem,
que fique tudo em segredo faraônico,
em tumbas, em ouros, em pragas:
se for bom, for ruim, o que importa é existir.

- Caio Augusto Leite

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Encontro


Te encontrei, enfim, velho amigo.
Mas entre nós não há espanto,
choro ou distenção de sorriso.

Talvez nem me reconheça mais,
nem lembre dos dias,
das horas, das conversas cúmplices
que trocávamos entre as pausas da normalista.

Ou quem sabe você só esteja fingindo,
assim como eu.
Já que as pedras que pisamos
foram enrijecendo nossa palavra,
que não mais se entende e nem mais se precisa.

- Caio Augusto Leite

domingo, 17 de junho de 2012

Ressuscita-me


Talvez eu morra,
não sei bem como funciona.
Nem sei se vivo,
será que morro?

Será a vida já acontecendo?
Mas calma, ninguém avisou.
Isso não é justo!
Quem foi que deu a largada?

Talvez eu ame,
não sei bem como é.
Talvez amar seja morrer também.

Como se de repente depois da morte
daquele eu que nunca soube
andar pelas calçadas,
este novo Eu, cheio de amor,
começasse a viver.

- Caio Augusto Leite

Aconselho


Mostre-me o poema,
dispa os teus versos
da gaveta que os ampara.

Não amarre os versos
que insistem na libertação
de voar, de voar, voar!

Voe, veja, vibre:
versos gostam de coragem
e espaço pra cantar.

O poema que emudece
se transforma em pedra,
em podre maçã, em cal.

Não há dilema, não há receita,
apenas cale o medo
e cante o teu poema.

Que poema pode não ser,
mas vai que é.
Mas poema jamais será
se você não o disser.

- Caio Augusto Leite

Uma coisa só


Não sou coisa,
mas se chega alguém
que não conheço,
que não tenho assunto
ou que me chateia,
eu logo me reifico
e parado feito pedra
me calo ao som natural
dos pensamentos que voam
por paragens bem mais interessantes.

- Caio Augusto Leite

Jardim dos dias


Não decoro datas históricas
e nem aniversário de mãe,
nem quando terá show do Caetano
nem o dia da prova de química.

Pra mim os dias são só flores
vindas do mesmo buquê de tempo,
onde pétala por pétala se refletem
na outra e na outra e na outra...

E alterada, a abelha não sabe mais
onde pegar pólen e por isso morre de fome.
E morrer também não é nenhum mistério
nesse ar pesado de domingo concretado.

Viver é preciso, tão urgente questão
que não sei nem como começar a resolver.
Quinto dia útil do mês, será hoje
que recebo meu salário?

Não sei, os dias só florescem
com a finalidade de cobrir meu corpo
que caminha entre os traços da igualdade
sem nunca perceber-se morto.

- Caio Augusto Leite

sábado, 16 de junho de 2012

Fraternal


É mais precioso esse querer inocente
que nos liga por inquietantes frases
do que todo o amor do mundo dos casais
que se dilaceram em camas desconhecidas.

É preciso esse nosso entendimento através
da palavra, que toca e vai mais fundo
que qualquer mão, qualquer boca,
qualquer língua ou sexo.

É divinal, orgia virginal que nos acolhe
no leito dos prazeres metafísicos,
os milhares de verbetes que juntos
não nos classificam.

Que grande confluência temos:
eu choro por dentro e poetiso,
você por fora e derrama sal
sobre a camisa.

O sal me comove, escrevo de novo
e juntos criamos um ciclo
onde poesia e humanidade se dissolvem
na primeira letra da nossa amizade.

- Caio Augusto Leite

Indecisão


Montanha de vento,
grande miragem
no horizonte vacilante.

É isso que sinto
nas noites de perturbação,
quando o sono se esvai de mim.

E o sonho começa a virar realidade,
mas realidade feita de névoa
que não se toca por mais que alcance.

E se alcançasse um dia, não seria amor,
seria apenas tentativa, pois não se ama mais
num mundo de esquecimentos e de rosas murchas.

Quando chega o sono, não tem mais sonho.
Descansa, mas não satisfaz o corpo
que, frágil em doença, cambaleia

pelas ruas largas e cheias de cinza.
O sol que surge só vem para cegar as retinas,
que mortas de insônia por ti, em vão, reclamam.

- Caio Augusto Leite

Tolos tontos todos


Tontos somos todos,
todos tolos,
amor com dolo,
refri e bolo
- é um convite, bobo.

Todos somos tontos,
que o munda gira,
a luz ponteia,
coração que ama,
corpo tonteia.

Tolos todos tontos, somos?
Somos, que a paz fraqueja
que o peito até encolhe
no grito falho que no vácuo
não se propaga quando a paixão me escolhe.

Tontos somos todos,
todos feios
quando somos,
todos belos
e felizes
quando amamos,

quando amamos
mil vezes tolos
todos somos.

- Caio Augusto Leite

Em nós o nós


É sobre a pele de você que encontro o outro
que já se foi no tempo das antigas.
Que a morte não separa mais ninguém,
teus átomos se trocaram, tuas mãos,
teu ar respirou o do poeta que conhecer não pude.

A linha é tênue, mas real e inquebrável.
Amarra na minha a sua alma em laço firme
e o conheço um pouco agora.

Mas é só um sentimento de egoísmo
e isso não é de fato importante:
leio seus poemas, perpetuo seu nome
e anulo a morte absoluta que talvez buscasse.

Encontro um novo alguém, pessoa que surge do nada
e que amanhã dirá:
- Eu o conheci,
mesmo que eu já nem seja a figura de antes,
- Eu a conheci,
mesmo que você também não seja mais o meu amor...

Tudo dentro do peito,
quantas pessoas
trazemos dentro
de nós e quantos
nós nos carregam por aí?

- Caio Augusto Leite

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Urgente amor de agora


Amo-te agora, tão urgente agora,
depois não sei, existe depois?
Te amo pelo momento que escrevo,
preciso não finalizar, não arrematar,
preciso colocar mais versos,
mais e mais, para que te ame por mais tempo.

Amo, oma, mao, mão,
mão que não deixa o poema
se findar, mas que não consegue
pois a fadiga do peito começa
pelas extremidades onde o amor não toca.

E de repente, nesse desespero de nunca terminar,
o pensamento dá uma volta pelos sagrados moldes
cristalizados da língua e nada acha para suprir
a deficiência física de se perder no ponto final,
mesmo que um ponto triplo de incompreendidas reticências...

nada disso resolveu, mas

Amo-te agora, tão urgente agora,

- Caio Augusto Leite

Enoturnecer


Fiquei sozinho no cortinado de chuva
que desaba na noite mais que noite,
até o sol é negro - supranoite.

Girassol perdeu o fio do pensamento,
pra onde ir agora, que lado?
Quanta desorientação!

São claras as dúvidas
e todas as certezas
estão cobertas de veludo:

encerradas em conchas,
entre as coxas da mulher,
no brando sussurro da fé,
restou alguma?

Chove noite pelo dia
e tudo vai se enegrecendo
de breu absoluto.

Nem estrelas ficaram,
tudo é constatação de perda
nesse negrume mais negro que o medo,

medo que vai entrando no gelado corpo,
corpo que vira sombra na integração
do todo com o nada, que o rapta e o dissolve.

- Caio Augusto Leite

Impossível jornada


Que meus pés não se lembram de nada
quando passeiam por folhas secas
de árvores que nem são mangueiras,
são de espécies desconhecidas, logo menores,
já está na consciência de todos.

Que o coração tenta abrigar todas as imagens
que teimam em fugir, no voo dessas pombas cinzas
e sujas da cidade, para o estranho mundo simbólico
onde se consuma a realidade,
é o que não sabem.

Apenas tento, mas é como abraçar a água
que cai em cachoeira dos olhos magoados da amada,
que inconsolável não permite que meu toque atinja-a.
Ou como agachar para recolher e colar os cacos
daquele cristal que se quebrou por descuido alheio.

Não basta olhar, os olhos não sabem ver.
Não basta ouvir, não há som que se produza.
Como então alcançar esses vultos que passam
acenando e dilacerando o peito caçador?

Não há como e é por isso que eu continuo tentando,
pois é essa gana pelo nunca conseguir que me mantém
longe dos espectros da noite, dos pensamentos de fraqueza,
de mim, enfim, pois é preciso ser o outro, buscar a outra coisa
para que não se desgaste o Eu numa exposição pura e desnecessária.

E se um dia essas pombas pousarem no meu quintal
eu chego de mansinho e num grito desvairado
espanto essas bobas e desgovernadas aves
que irão mais uma vez esconder de mim
a verdade que não pode nunca ser verdade.

- Caio Augusto Leite

Iluminai

Amar é uma questão de deixar o sol brilhar,
de se iluminar enquanto pode.
Ah meu bem, chega de bode, chega de noite.
Chegue de noite e verte o sol interno que te habita
no leito dos poemas que estão ainda por fazer.

Vem brilhar em mim, me consome, me destrói, me resolve, me ilumina!

- Caio Augusto Leite

Roma refletida


Deve ser assim mesmo,
como a nuvem fofa
que se espalha e cobre o sol
da mais bela tarde de setembro.

Como o sorvete que derrete
no momento de distração do teu passar,
ou do pão que cai no chão
com a manteiga virada pra baixo.

Como a verde folha que se desprende
e o vento a carrega para o sempre,
longe dali servirá de adubo
para batatas do McDonald's.

Acho que é assim que se define
esse querer que não se controla,
que vem perfumado de sorrisos e se vai
com o brilho mais autêntico daquela lua nova.

- Caio Augusto Leite

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Desencantado


E agora ninguém me deixa cantar
e sem cantar, meu amor,
os males insistem em ficar.

- Caio Augusto Leite

Espólio

Não quero a máscara de cera
que vai eternizar meu rosto
na expressão definitiva
de indiferença ao mundo.

E nem a pedra cinza
que recita versos
de desconhecidos
para outros mais desconhecidos.

Não quero nem a terra,
me desfaçam em fogo,
me deixem no ar,
me esqueçam!

Não quero o saudosismo
dos meus descendentes fracos
e sem conhecimento de causa.
Eles que dirão com orgulho e olhos estrelados:
- Morreu cedo, mas foi poeta!
Como se isso pudesse redimir a vida que não foi.

Nem quero ser poeta,
nem quero ser,
nem quero.

É preciso solver essas coisas todas,
essas fotos antigas, esses relógios,
esses cadernos com anotações.
Demolir a casa, jogar sal, criar um deserto.

É preciso entender a ciranda,
diga logo seu versinho e vá se embora.
Não quero mais dançar, deixem meu corpo desentender do ritmo,
deixem meu canto silenciar em mudo profundo, nada mais preciso.

Não quero a máscara de cera,
e nem faço testamento.
Deixo de herança o nada:
sem vago aceno, sem dinheiro, sem lembrança.

- Caio Augusto Leite

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Brilhou


A arte não está mais nos livros,
nem nos quadros, nem nos discos.
A arte se impregnou de coisa viva e foi
pelos rios, pelos mios do gato no meio da noite.

Virou sorriso de lua, beijo de puta,
cama de motel, virou saudade e medo da guerra.
A arte não encontra mais moradia nas mãos humanas,
pois essas não podem abrigar duas mortes e meia vida.

E a arte se vem pela metade se conflita,
cai no chão feito semente de rojão:
brota, explode, brilha e finda.

- Caio Augusto Leite

Impossível ser flor


Deixem em paz a flor,
parem de escandalizar
esse ser divino
que é o seio da paz.

Não cortem a flor,
não matem a flor em buquê.
Não amem a flor,
esqueçam dela se possível.

Não fragmentem a flor
em caule, pétala,
cor ou botão,
evitem essa dor.

Não adianta qualificar,
codificar, simbolizar
essa coisa que sabe ser
sem precisar de você,
a flor não parece, a flor é.

- Caio Augusto Leite

terça-feira, 12 de junho de 2012

Wall


Deus pintado de spray na parede,
um homem copulando,
uma mulher de perna aberta,
uma criança chorando
um cão mijando...

Anarquistas, comunistas,
punk, funk, arco-íris.
Madonna, Maria, Clarice.
Seios apalpem, cruzes, anti-abortos...

Agitam a lata, capricham - só que não,
e da ponta, e do jato, e na tinta
saio e caio nesse muro maluco e
desorganizado, bem no Brasil
o mais denso mosaico...

E tudo cabe nessa parede,
mesmo que por vezes a polícia venha
e tente prender os artistas e as coristas,
mas não dá tempo, quanto mais apagam
mais corações surgem para pichar esses puristas.

- Caio Augusto Leite


E aquela antiga blusa desfiando,
desafiando o tempo, mas também morrendo.
Não sei qual durará mais, ela ou eu.

Se for eu, que tristeza será.
Uma igual, outra mão
não pode costurar e sozinho no frio
o eu se perderá.

Mas se for ela, façam um favor:
me enterrem com ela,
me cremem com ela,
só me deixem com ela,
é que sem ela não sou mais eu.

- Minha alma é ela,
minha alma em uma blusa velha.

- Caio Augusto Leite

Os poetas


O poema se encaixa na vida,
a vida não se encaixa no poema.

Os poetas me traduzem,
mas nenhum me entende.

- Caio Augusto Leite

Usineiro


A usina ganha todo dia mais matéria,
carvão, toras, animais, pessoas.
A usina vai colhendo tudo,
agasalhando o mundo.

Vapor, vapor, vapor,
come, come, come.
E tudo vai sumindo
da planície da terra.

E logo as estrelas,
os planetas, os cometas.
Logo o tudo, e em tudo a usina
o vácuo resta...

Resta a insatisfação,
o cansaço da procura.
E no intervalo das batidas mecânicas
o silêncio aflito.

Aflita vastidão,
maior que o universo.
Não cabe nem no verso o
coração.

- Caio Augusto Leite

Papel amassado


Amasso o relatório,
o fracasso cotidiano.
Faço uma bolinha,
jogo e ela voa...

Sem rumo, sem porquê,
sem vontade própria.
Vai, pois a gravidade manda.

Uma hora cai, atrito do ar,
coisas que não conheço.
Mas cai fora do cesto,
um erro total.

As pessoas que passam
perguntam o que é a vida
e eu digo vagamente:

- Uma bolinha de papel.

- Caio Augusto Leite

Neutro


Hoje eu requento o café
da semana passada,
eu leio romances cor-de-rosa
e acho o máximo.

Hoje eu compro qualquer marca,
eu falto em toda festa,
eu volto na hora exata.

Durmo cedo, nem me cubro.
Acordo atrasado, nem me espanto.
Levo bronca, nem ligo.

E se cruzo uma ponte,
se estou no décimo andar,
se tenho veneno, nada faço.

O tempo cuida de mim,
a vida acaba um dia,
pra que gastar energia
fazendo falsos planos suicidas?

- Caio Augusto Leite

Crossing-over


Vim do norte, do sul,
do vento da morte.
Do canto do índio,
Pirama, sou forte.

Vim dos povos fugidos
que em terras distantes,
um oceano de margem,
acharam abrigo.

Vim do Tejo louvado,
de vermelhas touradas.
Da Europa sem roupa
que da Hungria saía.

O Flor do Rio
com a Carmim Paulistana,
O dia na noite,
aurora criança.

De quiasma em quiasma,
língua por língua,
o daqui com o de lá.

Da corda da vida
e do laço da terra
o amor me criou.

- Caio Augusto Leite

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Já foi


A natureza é be
O amor é gra
o sol vai na
o beij
o sonh
a vid
tud
é
efêm

- Caio Augusto Leite

Propagar


Uma erva se emaranha na terra
e com profundas raízes vai se eternizando,
em pouco tempo já tomou a plantação.

Uma gota de nanquim cai no papel toalha
e a tinta negra vai se esparramando
em pouco tempo tudo é breu.

Um boato em boca de Matilde
e as coisas vão ficando distorcidas
em pouco tempo acabam com meu nome.

Uma célula desgovernada se multiplica errada
e a metástase vai corroendo os órgãos
em pouco tempo a notícia final.

Mas pior é aquele sentimento que do nada vem
e num duplo gume me faz chorar, me faz querer
em pouco tempo espalha, o corpo treme, a alma falha.

- Caio Augusto Leite

Só eu impossível


Preciso me alegrar,
tomar chá de sol,
colocar colar de coral,
vestir nuvem, vento e folhas verdes.

Preciso me apaixonar,
queimar o círio dos desejos,
tirar o coração da concha,
deixar brilhar a madrepérola.

Preciso me encontrar,
além da poça, da prata,
do espelho.
Além das esferas tangíveis.

Preciso te contar
histórias que ainda não conheces,
mas que envolvem teu nome
enlaçado no meu em rumo futuro.

Ah se fossem possíveis esses precisares,
mas neste caldo subjetivo
só me entornam os pesares.

- Caio Augusto Leite

No espelho


Transparência falsa,
minha voz, minha luz,
meu bom-humor, tudo é prisma refletido.

No meu corpo opaco,
não há fundo,
nem medo,
nem fraco.

Abro meus braços expulsando,
beijo renegando,
renego o que quero.

Sou o outro que se faz do Eu,
sou reflexo na vida,
mas em mim o Eu é outro,
é o avesso do outro que sou.

E se quebram o espelho
não sei qual alma fica,
se a externa ou a interna:
qual delas é a minha?

- Caio Augusto Leite

domingo, 10 de junho de 2012

Abandono


Zéfiro soprou a última brisa sobre a Terra,
de repente tudo paralisou,
todos os deuses viraram as costas,
tudo secou...

A apoteótica bomba atômica congelou no momento da colisão,
para sempre a figura enquadrada de uma rosa sem devastação...

As balas pairam no céu feito chuva de morte,
sua água não transbordará mais sangue...

O assassino estancou antes de vitimar mais um,
a faca ainda na mão...

A suicida de vestido branco estende o braços ao infinito,
trinta metros de altura e parece uma saltadora olímpica,
parece um anjo de redenção...

Os apaixonados corriam para um abraço,
estão tão perto agora, mas jamais vão se encontrar...

Zéfiro soprou a última brisa sobre a Terra,
aquela carambola ameaçou cair, mas também paralisou,
a vida não existe mais.

- Caio Augusto Leite

Meu querer


Mais que os ardores da carne vermelha,
mais do que as mãos quentes,
mais do que as palavras.

Quero o sentimento acima do sentimento,
a impossibilidade do ser,
o amor imponderável dos deuses.

Quero mais que o néctar,
quero a flor,
quero o beija-flor,
quero a natureza por inteira.

Já não satisfaz meu peito
os amores de folhetim,
os amores de bordel,
os amores de anel e de papel passado.

O que preciso,
o que procuro,
e o que não acho
é o amor estado palavra pura,
independente e preso.

O fim dos sonhos,
o fim do frio,
o fim da carência.

Eu não busco nada que seja menor que tudo,
eu quero é o absoluto.

- Caio Augusto Leite

sábado, 9 de junho de 2012

O silêncio da flor


O tempo é de grande discursos,
de infinitas receitas,
de muitas morais.

O tempo é de gritos vãos,
de bombas lexicais,
da falta de papas na língua.

O tempo é do som,
dos auto-falantes,
de correrias na corda-bamba-vocal.

No tempo das histerias
eu calo, eu resisto no silêncio.
Eu protesto no vácuo, no deserto, no cacto.

E enquanto os berros batem no muro
e caem cansados, o barulho do meu nada
corrói com paciência a grande parede
que os generais ergueram.

E a flor do cacto abrindo-se na madrugada
une com uma pétala o outro e eu
numa ponte que aparenta o frágil,
mas que suporta o mundo na sua mudez tão rosa.

- Caio Augusto Leite

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Outro caminho


Se a vida não rima,
não chora.
Faça dela
uma branca, moderna e livre poesia.

- Caio Augusto Leite

photo0003.jpg


Perdida nos cafundós das pastas mais ocultas,
moldura de estrelas,
nossos nomes em comic sans
num vermelho biscate.

Corações aleatórios,
você me abraçando no parque,
eu mordendo sua orelha.

Era muito especial,
uma das doze fotos
que no orkut cabia.

Não acredito que achei isso!

Meu deus, como éramos ridículos.
Meu deus, como o amor é ridículo.

- Caio Augusto Leite

Post mortem


Se morro hoje, morro feliz.
Sei que não escrevi tudo o que queria,
mas escrevi tudo o que podia.

Seria preciso tempo, não serei canônico
e já nem almejo isso.
Se fiz, fiz, se foi bom se foi ruim
quem poderá mudar, se cheguei ao fim?

Se morro hoje, morro sem dor.
Sei que faltou coisa,
mas nunca fui completo.

Fico pelo vácuo, venço pela ausência.

- Caio Augusto Leite

Solúvel


Por onde ando vou sem capa,
quero ver quem vai poder me rejeitar
sem ler...

Por onde sigo vou sem rótulos,
quero ver quem vai me rejeitar
sem me provar...

Por onde vivo vou sem bula,
quero ver quem vai me receitar
sem viciar...

Por onde não sei onde.
Quero ver quem vai escapar de mim
e do meu amor vagão de bonde.

Mas eu passo e não deixo rastro,
eu canso fácil, eu engano muito.
Eu já fui, não vou voltar
é que me deu uma vontade de mudar.

- Caio Augusto Leite

Concreção abstrata


Viscosa mistura que da betoneira
vai caindo lentamente em minha boca,
chega no peito, nos ossos, na alma enfim.

Tudo paralisa, os olhos,
a língua, o coração.
As palavras, os beijos
e até os sentimentos...

Isso é a cidade,
a grande cidade cinza
que me faz engolir prédios,
carros e avenidas.

E parado na Praça da Sé
eu vou me tornando monumento público.
Pousem pombas, caguem pombas, me corroam as fezes...

No centro da maior cidade da América do Sul
eu não existo mais, sou só a lembrança,
o passado, a saudade dos bons tempos...

De pé, com um livro na mão,
estou concretado.
E ninguém me vê,
eu sou um absurdo,
eu sou abstrato.

- Caio Augusto Leite

Coceira


Minha pele coça,
de amor, de palavra,
de música, ela coça.

E quanto mais coço,
mais a vontade de coçar.
Por baixo das unhas
a pele morta, cheia de
corações, de sílabas e notas.

Minha pele coça,
de arte coça.
Coço, coço, coço,
faço feridas.

E não paro, não paro, não posso.
Quanto mais amo, quanto mais falo,
quanto mais canto,
mais coço.

           *

Minha alma coça,
de saudade coça,
de tristeza coça.

E só tua mão
e só tua voz
vão calar o comichão.

- Caio Augusto Leite 

Canta, ó Musa...


A minha lírica
anda tão calada,
tão sozinha.

Precisa de harmonia,
de som,
de voz,
de melodia.

A minha lírica
não importa o quão bonita,
não há tempo de abrir o livro na avenida.

Precisa planar no espaço aéreo da emoção
onde o ouvido capta e o sentimento
e o entendimento ultrapassam o coração.

A minha lírica está grudada em papeis avulsos
e ninguém nunca saberá
das coisas lindas, das coisas eternas
que eu queria te falar.

A minha lírica só queria se cantar,
pra te encantar,
nos encontrar.

- Caio Augusto Leite

Res-surgir amada


Onde está a coisa amada?

Você sumiu da minha semana,
dos meus dias,
do meu todo-dia.

Não há explicação pra isso,
um lugar vago no teu banco,
e no meu coração
um verso em rima, mas parece branco.

A solidão está tão cinza, meu amor,
você se foi, você foi
e todos o seus verbos são passados.

E há tantas coisas girando,
do pião ao globo.
Quando você volta a ser é,
quando você volta a existir de novo?

- Caio Augusto Leite

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Seus olhos de manhã


Você acordou tão linda,
parece que passou amor nos olhos,
mas a verdade é que nem lavou a cara,
nem penteou o cabelo.

Foi pra rua como uma doida,
como uma louca,
como se fosse eu.

Eu te amo,
eu te amo
e você é doida.

Talvez por isso te ame,
por ser mais louco
do que o amor que tenho.

Ou talvez o amor seja assim mesmo,
como o brilho nos olhos
em ramela do rosto que não foi lavado
e do cabelo armado ao vento...

O amor é esse cotidiano sem tédio.

- Caio Augusto Leite

A coisa arte


Macarrão com amor,
Corpo com molho,
Sexo doce,
Algodão frágil.

Carro cheio de estradas,
estrelas me observando.
Saudade do amanhã,
ansiedade pelo passado.

Uma flor pro ditador,
um obus pro teu amor.
Pizza de feijoada,
feijão com sorvete.

E tantas outras distorções
que seguem regidas
pelo termo pronto:
c  o  n  t  e  m  p  o  r a  n  e  i  d  a  d  e.

Será arte?

- Caio Augusto Leite

Nós um


Porque eu sou o seu outro necessário,
sua invenção de sujeito,
a sua única chance de existir
e emitir opinião.

Eu sou o contra-argumento da sua solidão,
do seu amor ferido e de todas as suas palavras
que teimam em querer me renegar.

Mas não te culpo, é preciso afastar-se,
é precio guerrear comigo,
me ferir mortalmente
e depois estender a mão, hesitante.

O outro que te persegue nas noites insones,
na madrugada nebulosa e fria,
no meio da Avenida Central.
Dentro de você.

Mas você não sabe,
pois nunca me aceitou,
nem nunca me entendeu.

Como me acusa, me aponta defeitos,
me odeia de verdade.
Mas ainda precisa de mim,
porque eu triste não sou você
e você feliz não sabe quem é.

Mas eu sei,
sou eu.

- Caio Augusto Leite

Antena quebrada


Os chuviscos da TV
têm muito mais sentido
do que a programação com antena.

Sinto nos chuviscos
o embaraço da minha alma
agitada e desesperada.

De minha alma solitária:
preta, cinza e branca,
embaralhada.

Nos chuviscos da TV
eu me encontro,
eu me entendo.,
mas não me resolvo,
pois a antena está quebrada.

- Caio Augusto Leite

Devoção


Ajoelhados no frio da manhã
os homens começam seu trabalho.
Serragem por serragem,
grão por grão
o tapete se estende pelo chão
de asfalto ateu.

Do nublado céu o sol surge
para abençoar as cores
de sangue, suor e laboriosas lágrimas.

E nem mesmo o vento que vem de longe,
para levar as palavras e motivos,
desamina essa gente.
Pelo contrário, só ajuda a espalhar
essa luz por outros povos.

O dia acaba,
mas amanhã recomeçam
com o mesmo ritmo,
com a mesma alegria,
a fé permanece.

- Caio Augusto Leite

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Pensando em você


Não fique triste,
tenho um pacote de alpiste,
vamos alimentar os passarinhos no parque?

Vamos retroceder aqueles ponteiros
que passaram tão ligeiros
e te levaram do meu caminho?

E se de repente meu caminho
se cruza no teu e o teu
faz cruz no meu amor ateu?

O que era impossível, amor,
por descuido do destino acontece,
seria bom aproveitar.

Um passeio, um filme, um abraço em pôr-do-sol
enquanto a treva vai furtando as luzes
do dia e cobrindo o céu de noite.

Se só sobra a noite, dormiremos.
E acordaremos com se ainda não,
pensaremos ser ainda sonho.

E por todo o sal que surja,
te protejo, te adoço,
só peço: não fique triste.

- Caio Augusto Leite

Apenas


Acabou o tempo dos poemas,
agora é tempo de penas.
Não daquelas que revestem aves
que as protegem do frio
e mantêm seu alto voo em asas plenas.

É tempo de duras penas,
aquelas que me prendem ao chão,
que corroem o ânimo geral
e que invertem a parábola do sorriso
em desenho triste.

Acabou o tempo,
o relógio não se move,
o futuro é um replay do ontem
e o ontem é a plenitude desse tédio.

É uma pena, mas acabaram as penas.
As aves já não voam,
não há céu para tanto.

E o que ficou
foi a ilusão de ser poema,
apenas.

- Caio Augusto Leite

Além do som


E o que me importa essa tua prosódia eloquente,
essa marcação certeira do ritmo,
das palavras, de cada plural acertado.

De que vale todo esse jogo de cena,
essa esparramação de timbres alucinados,
essa impostação,
esse drama.

O que vale tudo isso,
se não lê o poema,
se não sabe o poema,
se não capta o poema
que transmuta-se numa borboleta
transeunte das estrelas
e que voa longe do teu alcance,
da tua voz de atriz de bordel,
de bordel barato,
bordel nu de todo lirismo.

- Caio Augusto Leite

terça-feira, 5 de junho de 2012

Mariza e Heitor



     E já não somos mais o casal apaixonadinho que fomos por tanto tempo, já não usamos mais os nossos apelidos carinhosos que não passavam da primeira letra de nossos nomes. Você era M. e eu seu H., assim mesmo, na coincidência estranha que deu para Mariza e Heitor o indicativo sexual da espécie, homem e mulher. Éramos realmente feitos um pro outro, acreditei por muito tempo nisso, você também, todo mundo acreditava. Nosso papo era bom, nossas ideias batiam, tínhamos gostos parecidos e outros totalmente opostos que mantiam a balança da vida cotidiana numa medida aceitável. A transa era boa pra caralho, sério, você encaixava direitinho, o prazer minava nossos corpos de uma forma que jamais imaginei possível.                                                
     Mas agora você tem o seu engenheiro civil, seu homem importante, seu grande edificador de cidades. Talvez ele possa construir todos os sonhos de concreto, mas poderá erguer seus sonhos de flores coloridas, como eu erguia pra você? Saberá pintar suas manhãs de sorrisos, como eu pintei? Sei que parece orgulho meu, mas pense bem, haverá alguém melhor no mundo pra você, ou alguém que chegue perto disso? Não adianta, eu sei que um dia, quando cansada do sexo frágil e mal feito, suas pestanas fecharão e terão em mim, na escuridão, a figura plena de gozo.                                                                                          
     Não culpe só a mim, sua voz responde na minha cabeça, você também foi esquecendo de me dar carinhos, de enrolar meus cabelos, com os dedos, no meio da noite enquanto assistíamos um filme qualquer na televisão. Dos beijos, dos desejos, das palavras românticas, quando foi que você se tornou tão realista? Não sei explicar nossos desacertos, nossa ruína particular, nossa pequena tragédia burguesa – já não há Romeu e Julieta, de certo deveríamos ter morrido e eternizado nossos amores nos jornais que não entenderiam nada, pois nunca leram peças trágicas.  Então foi melhor assim – puta clichê – mas é a realidade. Sei que não será feliz com a magrela que arranjou, com seus dezenove anos, os seios pequenos apertados numa blusa do Piu-Piu, a voz pior que a da mulher da Top Therm e cérebro, será que ela tem?                                                                          
     Eu olho minha menina e não me apetece mais o coração e nem o corpo, digo a ela algumas palavras de despedida, há choro, há incerteza, há medo. Mas ela vai embora de mala e cuia. Não há mais possibilidades de viver esses relacionamentos bambos, que tendem a cair nos abismos do cotidiano. Do outro lado da cidade você também manda embora seu engravatado que te levava pros restaurantes mais chiques da cidade, sei que sente saudades do cachorro-quente do centro. Deito no sofá, suado, de regatas e samba-canção (toquem um samba-canção!) tô um caco. Relaxa, amor – ela invade novamente meus pensamentos – meu rímel já borrou pelo rosto, caída no chão da sala admirando o teto, a lâmpada parece que vai queimar – um fino fio de argônio, como também rebentou o nosso amor. E separados por orgulhos parecidos a solidão veste nossos corpos, contemporânea desgraça, maior que a morte, menor que a vida – o meio termo das ações onde o tédio mora e a tristeza se consagra. Com a cabeça embaralhada já nem sei se sou eu ou se é você que pensa: ainda te amo, talvez ambos. 

- Caio Augusto Leite

Adeus borboletas


Eu te amava, sim, não há dúvidas.
Em meu estômago asinhas batiam
com a vontade grande de te encontrar.

Mas você desistiu,
o amor amargou na garganta,
a barriga doeu:
caguei borboletas.

- Caio Augusto Leite

Culto ao homem


E no fim dessa fila interminável de formigas
que carregam nas costas a verde primavera,
na sua improvável sobrevivência escapando da chuva,
do sol e de tantos outros intempéries,

Há quilômetros de distância, profundamente escondido
nas estranhas entranhas labirínticas,
que o homem desconhece, desse formigueiro,
habita um segredo.

Em uma câmara especial reservada às formigas sábias,
erguido com o mais puro barro da criação,
com as deformidades artísticas de um artesão rupestre
que imita as feições humanas, há um grande totem.

As formigas se reúnem em círculo,
dizem palavras de fé, se cumprimentam,
erguem suas antenas aos céus e agradecem a vida,
antes de sair para a superfície perigosa.

E quando eu pulo essa linha de insetos
poupando suas vidas, deixando que alimentem
seus pequenos filhos, elas param, fazem reverência
e murmuram baixinho:
- Deus seja louvado.

- Caio Augusto Leite

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Muito mundo


De outras vidas, tantas vidas
eu tenho certeza
que viemos.

Juntos, de mãos dadas pelas estrelas,
pelos véus da eternidade
que se cruza para reaprender
coisas esquecidas.

É preciso plantar o amor aqui,
é preciso morrer de amor aqui,
para rebrotarmos no cosmo
cheios de evolução interna.

Mais que nunca é preciso se aproximar,
se apaixonar, se reencontrar
nesse deserto de concreto
e espelhar as almas que são idênticas.

Mas onde foi que se perdeu
meu gêmeo amor?
Ou fui eu que me perdi
e não notei?

É esse exagero de planeta
que perturba a ordem natural das coisas.
Há tanta terra, tantas pessoas
que já não sei como encontrar minh'alma esposa.

- Caio Augusto Leite

Inadiável


Não morreremos,
morremos.
Pelos dias que correm
e arrancam folhas
do nosso calendário.

E depois de um dia de trabalho,
cansado e com dor de cabeça
tu te diriges ao médico:

- Tudo ok aqui, vai viver mais cem anos.

Sem anos, sem tempo,
tropeças numa pedra drummondiana
e batendo a cabeça na guia
só dás o ponto de arremate
na costura do destino.

Um pano de treva cai sobre teu corpo,
o rabecão apaga tua identidade
e feito indigente és enterrado numa cova clandestina.

E pelo céu as nuvens brincavam de passar,
pelo chão as pedrinhas brincavam de ficar
e entre céu e terra a vida brincava de enganar a gente
com as suas mais de mil vãs filosofias.

- Caio Augusto Leite 

Não leia


Leia esse poema como se tivesse sido feito amanhã,
para que fique renovado em seus versos
o presente que não poderá ser se for lido
como expressão do ontem.

Atrase todas essas palavras,
elas não estão aqui,
é só um presságio do poema
que ainda irá nascer.

Não se engane com ele,
não existem fatos,
histórias,
medos,
nada existe,
o poema inexiste.

Mas ele pulsa nas ideias factíveis,
para entendê-lo é preciso que se leia amanhã
ou depois.
Leia mês que vem, ano que vem, em outra vida,
melhor ainda: não o leia.

- Caio Augusto Leite

domingo, 3 de junho de 2012

Faz tempo


     Eu deveria ser cronista, sentado aqui nesse mesmo de banco de ônibus todos os dias, quantas histórias não passam sem notícia? Quantos amores desenganados, amizades feitas e desfeitas, corações felizes, homens adúlteros, algumas amantes. O acento reservado pra idosos então é um prato cheio! Ali confortavelmente acomodados bumbuns que já viram bastante coisa, do tempo em que bumbum ficava escondido num maiô muito esquisito. Mulher   separada não prestava “Essa é puta” diziam entre cochichos. Se demorasse pra casar... Essa vai ficar pra Tia. Os anúncios eram feitos no rádio: sabonetes, banha, discos de vinil.                                                                                                                  
     Os homens andavam de terno e chapéu, paravam em cafés sociais para colocar os assuntos de homem em dia, Bandeira me contou. As crianças não podiam ficar até tarde na rua, não. Algumas começavam a trabalhar bem cedo, ainda nem existia essa coisa de trabalho infantil. Tem muita lei moderna hoje em dia. Eu acho que naquele tempo era bem melhor, não se falava de crime, crime era roubar galinha no quintal da vizinha, assassinato? Uma vez por ano e olhe lá. Homem tinha pé no chão, não ficava criando engenhoca maluca pra querer pisar na Lua, eu não acredito muito nisso, acho que é plano pra enganar o povo, nas estrelas quem mora é Deus.                                                                               
     E os jovens de hoje então? Falam tudo errado, essas coisas de celular, de computa... sei lá quê, eu não entendo nada disso. Ah, pra que tanta parafernália? Uma máquina de escrever dava conta de tudo isso, as coisas importantes ficaram perdidas em algum lugar. Quem quer tirar foto de pomba voando? Filmar uma mulher caindo na rua? Nem nossos tombos mais são poupados. Se cair não adianta sacudir a poeira e fingir que ninguém viu, vai ter um malandrinho atrás de uma moitinha registrando tudo. Falta de educação! Ai se no meu tempo tivesse isso, meu pai comia de cinta, ajoelhava no milho, não tinha essa moleza não!                                                                                                            
     Mas veja só, meu ponto chegou. Ah, eu queria ser cronista, mas fico tanto tempo pensando na vida que me esqueço de viver, acho que no meu tempo era melhor viu, hoje em dia tem muita doença de memória, deve ser culpa da poluição. Ah, deixa pra lá viu, o jeito é ir pegar minha aposentadoria, porque esse negócio de arte não enche barriga não e já faz muito tempo.   

- Caio Augusto Leite        

Um dia de domingo


Esses dias pensei em ser feliz,
comprei balões,
decorei a sala,
troquei de roupa
e te esperei de banho tomado,
de cabelo escovado
na varanda de casa.

As horas não te trouxeram,
que tristes estrelas assinam no céu
a minha sentença de solidão.

Um casalzinho passa cheio de libido,
dois gatos passam se enroscando,
uma nuvem beija a outra,

e eu cheio de dor-de-cotovelo
rolo os olhos com indiferença,
ligo a TV e assisto o Faustão.

- Caio Augusto Leite

Cartas na mesa

Carrego minhas cartas ocultas,
como se pudesse vencer o jogo a qualquer momento.
Meu olhar de esfinge, meus bolsos vazios.

Mas todas as esperanças são inúteis,
não adianta apostar as fichas em mim
e nem cobrar os prejuízos de depois.

Saiba que o coringa não mora na minha manga,
nem possuo a sequência vencedora,
ah meus amigos, não vou mentir...

trago três cartas,
uma de amor que não enviei,
outra de dor que nem abri
e a última em branco onde deixarei o meu legado:

um soneto clássico,
que tão bom será,
que pensarão ser de Camões
e nesse mar da vida
eu transbordo de ilusões.


- Caio Augusto Leite

O terceiro corpo


E se seu vestido não agradar,
se seu perfume não seduzir,
se em eu cabelo não reparar,
ela já não se importa...

Pois sabe que depois de rondas noturnas,
de horas aflitas, de lágrimas lavando a louça
ele voltará sorridente como sempre.

Pegará na sua cintura,
dará beijos no pescoço,
apalpará seus seios rijos
e dirá:
- Eu te amo.

E tudo ficará bem,
dormirão no chão da sala
separados por um terceiro corpo
de nome Maria Soledad ou simplesmente solidão...


- Caio Augusto Leite

Maternal


Pegou a mala sobre a cama
e contendo seus tremores
entrou na sala.

O filho olhava pela janela,
como estava alto, forte,
maduro...

A decisão era final,
irreversível,
ela sabia que ia ser assim.

- Filho... - a voz fraquejou.

O rapaz virou-se, deu um sorriso
como se tentasse atenuar o momento
que se não era trágico, feliz também não era.

Caminhou na direção da mulher,
abraçou-a, a mala caiu no chão
e se abriu espalhando coisas por toda parte.

Agacharam e com os olhos nos olhos
e com as mãos nas mãos,
iam aos poucos se despedindo.

Tudo ajeitado, a porta, o beijo no rosto
e a estrada engoliu o homem
que buscaria seu destino.

Ela voltou para a casa vazia,
sentou no sofá e enquanto bordava um sapatinho
esperaria a volta do seu menino,
na esperança de um outro menininho
que teria o nome do marido, do pai, do avô...

Uma chuvinha começava a cair
e ela se perguntou preocupada:
- Será que ele levou o casaco?

- Caio Augusto Leite

sábado, 2 de junho de 2012

Lápide


E se eu morrer antes de escolher um epitáfio?
Pelo amor de Deus, não vão colocar o Carpe Diem de Horácio!

- Caio Augusto Leite

Cantos pra depois da guerra


Não construirei muralhas de versos
para barrar o inimigo distante
e nem farei canhões de rimas
para matar o traidor da pátria.

Cantarei o amor, a flor, a banana-da-terra.
Vai, diz que eu sou alienado ao mundo,
mas me diz, de que serve salvar o mundo deles
se não poderemos salvar o mundo de nós?

Deixarei a terra macia,
para plantar os mortos
- nossos e deles -
e para que cresçam
árvores sadias
para matar a nossa fome
pós-guerra.

Cantarei a casa, a mãe, o cachorro,
tudo que estará vos esperando,
soldados da paz, para reconstruir
o mundo mais uma vez,
em cada varão um Adão
e em todas as mulheres, Eva
- sem maçã, é claro.

Não cantarei a guerra,
guardarei minha voz para o branco futuro
que juntos vamos escrever.

- Caio Augusto Leite


O caminho da montanha


Esses meus braços que agora andam pensos
já levaram um enorme buquê
de rosas vermelhas e olorosas.

Cada flor era uma paixão ardente,
no peito fixadas alimentavam
os sinceros desejos dessa vida.

Quanto mais andava, mais arenoso
meu seguir, mais difícil, mais estéril.
O culpado disso tudo é o tempo.

Ah tempo, você que passou a mão
com tanta violência pelas flores
que nos meus braços fracos habitavam.

E aquelas pétalas não resistindo
foram morrendo e desenhando um rubro
rastro por esse triste chão de sal.

Uma montanha surge, se agiganta
com a sua sombra totalizante.
E dentro dela nós somos ninguém.

Nela encontro meus tristes semelhantes,
mas eles não me reconhecem mais
já não existe flor, nem coração.

Eu sento no chão e me uno ao nada,
meus olhos fecham, minha boca seca
e se apagam todos os meus desejos.

Meus braços estão pensos nesse vácuo
e os pensamentos moídos em pó
são a prova da vida decadente.

Vida? Ainda existe essa palavra?
Aqui na sombra o tempo não permite
que essa coisa som seja produzida.

E lá no começo desse caminho
meu filhinho nasce num mar de rosas
- berrando a vida com seus pulmões novos.

Mas mal nasceu já começa a dar passos
nessa sinuosa e truncada estrada
que o levará direto pra montanha.

- Caio Augusto Leite

Festa


Numa folha em branco desenho uma linha
e penduro nela mil bandeirinhas,
ponho fogueiras,
estrelas,
morenas...

Um garoa fina,
balões,
canções,
quadrilhas...

E nesse desenho eu me pinto de sorriso infactível.
Só assim sei ser feliz,
no silêncio dum desenho
ou na emoção contida de uns poucos versos.

- Caio Augusto Leite

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Lição noturna


A cortina treme fracamente
como se o soprar de um moribundo
a empurrasse nesse fantasmagórico movimento.

A escuridão é de tal ordem
que a noite ficou sólida,
não existe ninguém pra lá
dessa janelinha...

Tenho sono e medo de dormir,
que irmão ficará de vigília ao meu lado
enquanto tento sonhar mais uma vez?

Mas a treva a cada instante é mais espessa,
comprime a cidade, a casa, meu corpo...

Aquele menino sentado no banco da escola não tem amigos,
seus pés não alcançam o chão e ficam balançando no vácuo,
mais vácuo é seu coração, que pensamentos o corroem?

As outras crianças correm, brincam, comem os lanches
preparados com deliciosa delicadeza pelas mães:
maçãs embrulhadas em papel filme, pão integral e iogurte de morango.

O sinal toca e o menino, de cabeça baixa, segue para a classe.
A aula é de matemática, a exatidão desses números nunca serviu de nada.
- Responda, qual é o resultado? - a professora se dirigia ao menino,
que ainda de cabeça baixa, não fazia ideia da resposta, não fazia ideia de nada.

- Anda menino! - pouco pedagógica essa mulher.
O menino levantou o olhar sem nenhuma pressa
e todos na sala se assustaram,
sobre os olhos do garoto tremiam duas cortinas...

... duas cortinas na janela, na mais densa noite,
como eu odeio matemática.

E dentro da solidão maior rememorava as lembranças de outrora,
fazia uma revisão da própria vida
e não concluía nada,
sabia tanto da vida
quanto do problema de matemática da sua longínqua quinta série...

- Caio Augusto Leite

A bolinha azul


Como parece grande esse mundo,
como acreditamos que somos especiais.
Esses alpes, esses montes,
esses desertos, essas fossas abissais.

Mas de repente o homem
constrói um foguete
voa pro espaço cósmico
e descobre que toda essa magnitude
não passava de inflação do ego...

E vista assim
no vago do universo,
a majestosa Terra
é só uma bolinha azul.

- Caio Augusto Leite

Da vida


A vida é só perda,

a gente perde anos,
a gente perde dente,
a gente perde cabelo,
a gente perde parente.

A gente perde dinheiro,
a gente perde a fé,
a gente perde o sono.

Por fim,
a gente perde a gente.

A vida é uma mulher da vida,
a vida é uma perdida.

 - Caio Augusto Leite

Em busca de derrotas


Não lutarei as lutas pra vencer,
de minha boca não sairão hinos de consagração.
Quero brigar pelas coisas inexistentes,
pela existência de tudo que existe.

Quero lutar e manter aceso o ânimo da vida,
mesmo na mais profunda desilusão
terei ainda qualquer força para caminhar.

Não lutarei com vocês, que ao vencerem
a batalha almejada se sentam e repousam
no doce vento da tranquilidade e do egoísmo
das disfarçadas necessidades coletivas.

Antes buscarei as ondas em mares lunares,
o filho perdido da virgem, que não é Maria.
Pularei na frente da flecha não lançada
e darei a volta ao mundo a pé,
descalço, sem ter nem mesmo uma simples alpargata
para amaciar essas pedras afiadas que se estendem no horizonte.

E com a linha do horizonte farei um laço
para aprisionar o cometa que vem passando
pela noite densa e darei-o para a minha
mais completa amada, que ainda não conheço
e que nem hei de conhecer...

Não lutarei com vocês,
é triste, mas serei sozinho.
E nessa peregrinação impossível
vou lutando...

Vou lutando e me perdendo
e perdendo todas as lutas
que entrar,

- Eu quero perder até as lutas que ganhar!

- Caio Augusto Leite