quinta-feira, 14 de junho de 2012

Espólio

Não quero a máscara de cera
que vai eternizar meu rosto
na expressão definitiva
de indiferença ao mundo.

E nem a pedra cinza
que recita versos
de desconhecidos
para outros mais desconhecidos.

Não quero nem a terra,
me desfaçam em fogo,
me deixem no ar,
me esqueçam!

Não quero o saudosismo
dos meus descendentes fracos
e sem conhecimento de causa.
Eles que dirão com orgulho e olhos estrelados:
- Morreu cedo, mas foi poeta!
Como se isso pudesse redimir a vida que não foi.

Nem quero ser poeta,
nem quero ser,
nem quero.

É preciso solver essas coisas todas,
essas fotos antigas, esses relógios,
esses cadernos com anotações.
Demolir a casa, jogar sal, criar um deserto.

É preciso entender a ciranda,
diga logo seu versinho e vá se embora.
Não quero mais dançar, deixem meu corpo desentender do ritmo,
deixem meu canto silenciar em mudo profundo, nada mais preciso.

Não quero a máscara de cera,
e nem faço testamento.
Deixo de herança o nada:
sem vago aceno, sem dinheiro, sem lembrança.

- Caio Augusto Leite

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