segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Gesso

Esta minha estatuazinha de gesso, quando nova
- O gesso muito branco, as minhas linhas muito puras -
Mal sugeria imagem da vida
(Embora a figura chorasse).
Há muitos anos tenho-a comigo.
O tempo envelheceu-a, carcomeu-a, manchou-a de
[pátina amarelo-suja.
Os meus olhos, de tanto a olharem,
Impregnaram-na de minha humanidade irônica de tísico.

Um dia mão estúpida
Inadvertidamente a derrubou e partiu.
Então ajoalhei com raiva, recolhi aqueles tristes fragmentos,
[recompus a figurinha que chorava.
E o tempo sobre as feridas escureceu ainda mais o sujo
[mordente da pátina...
Hoje este gessozinho comercial
É tocante e vive, e me fez agora refletir
Que só é verdadeiramente vivo o que já sofreu.

- Manuel Bandeira

Um comentário:

  1. É tão bom ler uma poesia do Manuel. Dois grandes poetas de nomes quase iguais que mexem comigo: Manuel e Manoel.. E sobrenomes que começam com a mesma inicial, assim como a do meu nome: B. Bandeira e Barros. E assim tem-se também Caio Fernando Abreu e Caio Augusto Leite. Dois grandes.
    Um beijo de lua.

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