sexta-feira, 27 de abril de 2012

Paixão



Madrugada, sábado, o sol nem pensa em sair do seu lar no horizonte. Pelo chão uma sandália prateada um vestido de lantejoulas coloridas, uma mulher nua deitada na cama. O fino lençol desenha seu corpo curvilíneo, como as esculturas em mármore das deusas do Olimpo. A cabelereira ruiva contrasta com o claro das roupas de cama, parece que sua cabeça arde em chamas.  Em chamas arde o meu coração, seria amor? Ou paixão? Nobres sentimentos que não reconheço. Em minhas mãos a taça que ainda conserva o quente dos lábios dela, a marca de batom bordô, a lembrança do beijo nos meus lábios – também quentes, como em febre. Tremo, tenho medo da manhã seguinte, do que será de mim.                                                                                   


Lembro-me dos meus momentos antes de hoje, a solidão, a tristeza, a desesperança. Nada era verde. Os desejos encobriam o céu, já não havia o azul. A cidade era grande demais, os carros rápidos demais, as pessoas eram demais. E eu era pequeno demais para todo esse mundo super-hiper-mega-moderno. Eis que surge do breu mais breu da noite seus olhos de avelã. Ela, sem nome – por enquanto – logo descubro, mas não digo. Eis que surge no meu caminho, que pedra o quê! Era um monolito exalando sedução pelos poros com creme perfumado. Ela pede minha mão, quer dançar, eu não sei, eu invento uma dança, ela gosta, ela ri, ela me abraça. Seus cabelos também têm cheiro bom. Ela cochicha no meu ouvido “Vamos dar uma volta” – eu me arrepio por inteiro.                

Cruzamos a porta dupla, ganhamos as calçadas, a grande noite. Andamos como dois boêmios pelos caminhos que não levariam a lugar algum. Ela me para, eu fico atônito, sou inseguro. Guia-me até um beco, eu suo frio. Levanta sua coxa que roça na minha, pela primeira vez dá sinal de humanidade, de instinto, de fome. E eu que achava que ela era um anjo. Mas de repente me disse coisas bonitas e eu recriei sua forma de Vênus em minha mente. Eu queria continuar ali, era tão bom. Ela me convenceu a levá-la para um lugar mais íntimo. Seguimos até minha casa, sou amador ainda, não sei os truques e trapaças da conquista. Chegamos, beijamos, amei, transamos. Ela adormeceu e agora aqui estou eu.                                                                                                      

Um barulho de vidro quebrando e eu desperto de repente, cochilei, pesquei – como diz o popular. Meu olhar vaga pelo quarto e ela não está mais, o lençol apagou, o sol acendeu. Levanto e sinto uma dor aguda nos pés, era a taça que havia caído, quebrado, me acordado pra realidade. A marca de batom ficou espatifada pelo chão em mil cacos, mil beijos refletidos, mil beijos partidos, perdidos. Um ventinho frio como a morte entra pela janela, os meus lábios estão frios, estavam anestesiados. Anestesiado estava o coração, e eu ainda sou jovem, jovem demais pra entender o quanto vai doer a desilusão de uma paixão, da primeira paixão. Por enquanto estou suspenso no espanto, mas logo vem a punhalada que afundará em meu peito, pouco a pouco, no correr dos anos. Na vida, só se morre de amor, de paixão a gente sofre. Vênus foi embora, Vênus nunca esteve. 



- Caio Augusto Leite

2 comentários:

  1. Liiindo, não devia ter parado de escrever narrativas. Vocês as faz tão bem.

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  2. Narrativa esplêndida amigo. Parabéns...!

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