Madrugada, sábado, o sol nem pensa em
sair do seu lar no horizonte. Pelo chão uma sandália prateada um vestido de
lantejoulas coloridas, uma mulher nua deitada na cama. O fino lençol desenha
seu corpo curvilíneo, como as esculturas em mármore das deusas do Olimpo. A
cabelereira ruiva contrasta com o claro das roupas de cama, parece que sua
cabeça arde em chamas. Em chamas arde o
meu coração, seria amor? Ou paixão? Nobres sentimentos que não reconheço. Em
minhas mãos a taça que ainda conserva o quente dos lábios dela, a marca de
batom bordô, a lembrança do beijo nos meus lábios – também quentes, como em
febre. Tremo, tenho medo da manhã seguinte, do que será de mim.
Lembro-me
dos meus momentos antes de hoje, a solidão, a tristeza, a desesperança. Nada
era verde. Os desejos encobriam o céu, já não havia o azul. A cidade era grande
demais, os carros rápidos demais, as pessoas eram demais. E eu era pequeno demais
para todo esse mundo super-hiper-mega-moderno. Eis que surge do breu mais breu
da noite seus olhos de avelã. Ela, sem nome – por enquanto – logo descubro, mas
não digo. Eis que surge no meu caminho, que pedra o quê! Era um monolito
exalando sedução pelos poros com creme perfumado. Ela pede minha mão, quer
dançar, eu não sei, eu invento uma dança, ela gosta, ela ri, ela me abraça. Seus
cabelos também têm cheiro bom. Ela cochicha no meu ouvido “Vamos dar uma volta”
– eu me arrepio por inteiro.
Cruzamos
a porta dupla, ganhamos as calçadas, a grande noite. Andamos como dois boêmios pelos
caminhos que não levariam a lugar algum. Ela me para, eu fico atônito, sou
inseguro. Guia-me até um beco, eu suo frio. Levanta sua coxa que roça na minha,
pela primeira vez dá sinal de humanidade, de instinto, de fome. E eu que achava
que ela era um anjo. Mas de repente me disse coisas bonitas e eu recriei sua
forma de Vênus em minha mente. Eu queria continuar ali, era tão bom. Ela me
convenceu a levá-la para um lugar mais íntimo. Seguimos até minha casa, sou
amador ainda, não sei os truques e trapaças da conquista. Chegamos, beijamos,
amei, transamos. Ela adormeceu e agora aqui estou eu.
Um barulho de vidro quebrando e eu desperto de repente, cochilei, pesquei – como diz o popular. Meu olhar vaga pelo quarto e ela não está mais, o lençol apagou, o sol acendeu. Levanto e sinto uma dor aguda nos pés, era a taça que havia caído, quebrado, me acordado pra realidade. A marca de batom ficou espatifada pelo chão em mil cacos, mil beijos refletidos, mil beijos partidos, perdidos. Um ventinho frio como a morte entra pela janela, os meus lábios estão frios, estavam anestesiados. Anestesiado estava o coração, e eu ainda sou jovem, jovem demais pra entender o quanto vai doer a desilusão de uma paixão, da primeira paixão. Por enquanto estou suspenso no espanto, mas logo vem a punhalada que afundará em meu peito, pouco a pouco, no correr dos anos. Na vida, só se morre de amor, de paixão a gente sofre. Vênus foi embora, Vênus nunca esteve.
- Caio Augusto Leite
Um barulho de vidro quebrando e eu desperto de repente, cochilei, pesquei – como diz o popular. Meu olhar vaga pelo quarto e ela não está mais, o lençol apagou, o sol acendeu. Levanto e sinto uma dor aguda nos pés, era a taça que havia caído, quebrado, me acordado pra realidade. A marca de batom ficou espatifada pelo chão em mil cacos, mil beijos refletidos, mil beijos partidos, perdidos. Um ventinho frio como a morte entra pela janela, os meus lábios estão frios, estavam anestesiados. Anestesiado estava o coração, e eu ainda sou jovem, jovem demais pra entender o quanto vai doer a desilusão de uma paixão, da primeira paixão. Por enquanto estou suspenso no espanto, mas logo vem a punhalada que afundará em meu peito, pouco a pouco, no correr dos anos. Na vida, só se morre de amor, de paixão a gente sofre. Vênus foi embora, Vênus nunca esteve.
- Caio Augusto Leite
Liiindo, não devia ter parado de escrever narrativas. Vocês as faz tão bem.
ResponderExcluirNarrativa esplêndida amigo. Parabéns...!
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