sábado, 11 de fevereiro de 2012

Descomplicada


O sol quedava no horizonte e no lado oposto do firmamento a noite já tecia sua longa túnica negra. Pontilhados de estrelas pipocavam no céu grande e aberto, livre da poluição urbana. Pessoas festejavam, rodavam, cantavam. A felicidade era antitética uma vez que o motivo de tal comemoração era o enterro de um ente querido. Mas faziam festa, para que o corpo descansasse e a alma pudesse encontrar o destino celestial que as pessoas ali acreditavam. Os animais também participavam, cães ladravam, aves piavam, lagartos passavam de um lado para outro com pressa. Era a plena consumação de um ritual de passagem. Quem via tal rito de longe, não entendia o motivo de tanta cantoria. Em outros locais só haveria o choro e o luto, como uma grande falsidade pelas pessoas que mentiam seu bem-querer para a pessoa que ao morrer instantaneamente se tornava uma espécie de ser sagrado e livre de erros terrenos.
Mas ali naquele perdido de mundo a felicidade se acentuava a cada instante que a noite avançava. A lua já pairava resoluta e rubra no breu, era uma joia flutuante no centro do universo em expansão. Risos, gritos, uma fogueira crepitante. Rodavam e cantavam com mais intensidade. Talvez o motivo da festança já tivesse evaporado e sumido junto da fumaça da grande fogueira, talvez a morte não desse tanto medo assim nessas pessoas. O que se sabe é que a vida sobressaía, por entre crânios apodrecendo sob a terra e aves de arribação pairando os céus na procura de algum cadáver descuidado, a vida persistia. No tempo e no vento a voz de quem ainda vive e sorri. Na terra paralisada a morte quase esquecida. A noite acabava e o corpo envolto no solo maternal começava a esfriar – era hora de entrar e descansar o corpo, cessou a cantoria. Para toda essa gente ficava a doida vida e nenhuma preocupação com o que virá. Como é indecifrável os motivos da vida, como é pequena a certeza da morte.


- Caio Augusto Leite

Nenhum comentário:

Postar um comentário