terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Morte na casa grande

Sinto cheiro de chuva e mais uma vez sozinho escuto incessante os pingos que ricocheteiam na vidraça. A lareira me assusta com tua boca de flamas mal aconchegadas. Os relógios continuam o tic-tac invariável, a floresta se fecha e inunda, a lâmpada pisca fracamente ao lampejo que risca o ar. Levanto-me, abro a gaveta e preparo, já na ânsia da escuridão, uma vela e um isqueiro, nada mais que parafina e óleo em combustão. De repente como que já com sobreaviso o breu me invade. Giro o isqueiro e da faísca produzida leve chama atravessa o pavio, trazendo, mesmo que curta, uma luz de esperança para meus joelhos fracos.
Caminho até a poltrona de outrora, me sento e percebo as pequenas gotas fixadas no vidro sujo. Elas que pareciam tão firmes, não mais que um sopro, vindo da própria existência as enxugam e desaparecem para o esquecimento. Outro luzir de raios, as mãos fraquejam enquanto seguro a vela, o grito do Titã me arrepia e arrepia toda a moradia. Ouço passos pelo corredor, me ilumina a face um sorriso de incerteza. Vou até a porta e devagar, como se precisasse demorar uma vida para me decidir, empurrei-a baixinho.
Mas o que minhas vistas cansadas viram não foram as coloridas saias, nem as blusas e nem o batom, foi apenas o vulto sereno da morte. E com uma mão metálica, que só eu sentia, meu peito foi ficando cada vez mais apertado, meu corpo desfaleceu triste na queda, enquanto a vela e sua fina chama, rodopiaram numa dança ritmada, lenta e final. O tapete mofado ganhou tons de Estrela Mor e o fogo foi trilhando um caminho lento até a porta. Ao longe pela claridade alguém pense ,talvez, nas fogueiras de São João, nas cantigas e na quadrilha. E nem mesmo a tempestade ,naquela hora, ousou tocar nas labaredas. E amanhã, ou talvez nunca, encontrarão apenas um isqueiro chamuscado em meio a um mar de massa gris.

- Caio Augusto Leite (2009)

Nenhum comentário:

Postar um comentário