sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Meu filho vai ser doutor

Motivado por uma dor de cabeça lá estava eu no posto de saúde do bairro. Aguardava minha vez com paciência – esperar era a única coisa que poderia fazer naquele momento. Via as pessoas passando de um lado para outro – crianças, idosos, pais desesperados e por vezes algum médico ou enfermeiro, não saberia precisar já que todos vestiam branco. Num dado momento uma menina passou chorando, pois levara uma injeção – achei graça e lembrei-me dos tempos de eu menino em que uma simples agulha era o maior dos meus temores. O tempo passou depressa e em meu rosto cansado a barba por fazer – puro desleixo – e as roupas amassadas pela falta de tempo para passa-las com esmero. Estava aos cacos ultimamente, acho que isso que motivou minha dor de cabeça. “Você não se alimenta direito” a voz de mamãe ecoou na minha mente, ela sempre dizia isso quando me via. Para ela eu sempre estava mais magro do que de costume. Coisas de mãe, a gente aceita.
Continuei observando a rotina do pequeno posto, a fila diminuindo, eu ia me arrastando pelo banco cada vez que alguém era atendido. Minha dor aumentava, queria sair dali logo, receber um analgésico qualquer e ir embora. Eu bem que poderia tomar sozinho o remédio, podem pensar os leitores, mas eu morro de medo de me automedicar – sabe essa coisa toda de efeitos colaterais, talvez seja um pouco de pânico. Eu sou meio covarde, desde criança sempre era o primeiro a me esconder quando um barulho estranho vinha da cozinha. Sempre fui mais sensível aos acontecimentos, talvez isso tenha feito com que esse meu lado escritor se colocasse acima do lado matemático que toda pessoa tem.
Enfim comecei a prestar atenção nas pessoas do meu lado na fila, atrás de mim havia um senhor bem corpulento de modo que eu não conseguia ver além. Talvez a fila estivesse enorme. Prestei atenção nas senhoras que conversavam do meu outro lado. Elas deveriam ter a idade da minha mãe, conversavam sobre trivialidades quando um dos assuntos chamou minha atenção.
- Me conta Maria como anda a família? – uma delas perguntou.
- Muito bem, meu filho mais velho, o Cícero está estudando medicina.
- Mas que maravilha minha amiga, que orgulho, os meus lá em casa não querem saber de nada...
- Com o tempo eles se aprumam na vida. Mas sabe, é muito orgulho pra uma mãe ter um filho doutor, eu encho a boca pra falar – “meu filho vai ser doutor. “
- Ah amiga é orgulho mesmo. Se fosse o meu também estaria feliz da vida. Mas me conta como é mesmo a receita daquele bolo de cenoura....
A conversa continuou mas eu não dei mais bola, fiquei só com aquelas palavras na cabeça. Perdido em devaneios chegou a minha vez, fui atendido. O médico fez algumas perguntas e concluiu algum diagnóstico que não prestei tanta atenção para transcrever aqui. O que importa é que peguei a receita e iria para a farmácia mais próxima resolver esse problema. Enquanto saía, vi as duas senhoras de antes no ponto de ônibus. As palavras emergiram na minha cabeça “meu filho vai ser doutor...” Eu ia caminhando com isso em mente, acendi meu cigarro e a voz de minha mãe dizendo “você devia parar de fumar filho, faz mal...”. As vozes das duas mulheres no meu cérebro me pegaram de surpresa: uma com tanto orgulho do filho que fazia medicina, a outra (a de minha mãe) me alertando sobre essa minha vida desregrada e cheia de nuances – vida de artista, ou de alguém que tentava e acreditava ser artista. Talvez eu não fosse nada. Mas sabia de uma coisa, fácil, fácil de concluir, mas que me atingiu como uma verdade triste. Murmurei baixinho enquanto baforava a fumaça do cigarro: “Minha mãe não vai ter filho doutor....”


- Caio Augusto Leite

2 comentários:

  1. Uau! Gostei! Muito legal! Belo jeito de escrever. Gosto de todos seus textos! Valeria Oliveira

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  2. Muito Bonito e bem escrito. Mais uma vez Parabéns Nobre Caio Augusto Leite.

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