sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Angústia em dia de festa

Não tem muita coisa sobre a mesa, uns salgados, uns sanduíches, refrigerantes baratos e um bolo com duas modestas velinhas azuis. É dia de festa, não festança. É dia de festa por força do hábito da data, mas festa mesmo não é – não por causa das poucas coisas ou das poucas pessoas – não é dia de festa, pois não há motivo para se sentir contente. De repente tudo ficou em câmera lenta – tão lento que parece que estou numa fotografia. Daqui a pouco a luz se apagará, as pessoas baterão palmas, cantarão a canção de sempre – nunca mudam o disco. Vão fazer umas brincadeiras sem graça, eu cortarei o bolo de baixo para cima, como reza a tradição.
Mas nesse momento de suspensão temporal comecei a ver cenas de meu passado com nitidez – ali estava eu brincando na grama verde, depois indo para o primeiro dia de aula, os primeiros colegas, o primeiro beijo, a primeira tentativa de fugir de casa, o primeiro porre. Tudo passando pela minha visão como imagens penduradas num varal, rápidas, cada vez mais rápidas. E eu me perguntando, valeu a pena? Valeu a pena? E só me veio Pessoa na cabeça. Vai saber se valeu a pena ou não, se fiz está feito. Passavam agora cenas mais recentes, mais recentes, mais recentes, eram agora cenas desconhecidas. Cenas de futuro? Ótimo futuro – faculdade, carro novo, apartamento, emprego, mulher, casamento, filhos...
Neste instante temi pelo que iria ver, e se por acaso chegasse ao fim? E se eu visse o meu fim? Eu não quero, desespero, queria sair logo daqui. Tento fechar os olhos, mas as imagens não são físicas e continuam a passar pela minha mente. Agora não eram coisas agradáveis de ver – brigas, assalto, mais brigas, divórcio, guarda dos filhos, velório de algum parente, perda do emprego, choro, álcool, praia deserta, vertigem. Passado, presente e futuro tudo passando muito rápido, um carro, uma avenida, 120 km/h, um cachorro na pista, um poste, uma batida, um clarão – a luz se apagando uma canção de aniversário.
São meus 18 anos e desgraçadamente sei tudo que vai acontecer, não quero, não posso. Num ímpeto de raiva viro a mesa, voa tudo para todos os lados. Olhares espantados, abro a porta e corro para a rua. Ligo o carro recém-comprado - uma avenida, 120 km/h, um cachorro na pista, um poste, uma batida, um clarão. A ordem estava invertida – o momento final era o momento próximo e nada estava acabado, pois o futuro era agora. E por incrível que pareça não lembro mais nada do dia do meu aniversário – o que virá permanecia oculto por uma cortina pesada e a morte é ainda o meu maior mistério.

- Caio Augusto Leite

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