sábado, 13 de agosto de 2011

Em sonhos

Por onde andarão as pessoas que me abandonaram por esse mundo? Eu não as vejo nas ruas, eu não as mais vejo nas salas, eu não vejo as pessoas em lugar algum. Onde elas estarão? Desgraças cortam os ares e mancham de sangue as nuvens – grande desastre aéreo. Pelos tempos em que passei fora de mim não vi que as grandes e largas avenidas foram paulatinamente ficando mais vazias. Tão sozinhas exibindo a carne crua e mutilada do asfalto tão açoitado de outrora. Pelas madrugadas o neon brilha incógnito e sem motivo – puro em expressão sem conteúdo.
Saberia eu onde encontrar todas essas pessoas amigas, inimigas, transeuntes anônimos de minha vida? Saberia eu reconhecer todas essas pessoas se por um acaso elas reaparecessem no mundo? Eu vivo em dúvida. Não sei como são as feições humanas, não sei como podem ser os olhos e nem os cabelos. Não tenho coragem de olhar no espelho e não me saber humano. Tenho medo de ter sido transformado pela ação da solidão amarga – sozinho eu já não me realizo.
Mas disse que aqui não estava, explico, numa dessas andanças pelo mundo acidentei-me, e quebrei os ossos e também o coração. Fui feito em tantos pedaços e devido ao grande choque o coma me abarcou. Vivi num mundo de anestésicos e flutuações etéreas. Quando despertei por intervenção de forças divinas, talvez, percebi a situação descontinuada do mundo. Era assim que eu definia o mundo – descontínuo. Pois desde que os olhos pararam de mirar o corpo vizinho o fluxo de existência foi interrompido e logicamente perdeu sua continuidade de vida-rio que flui em linhas sinuosas para desenhar os campos da realidade – a suposta por nós que tão repentinamente foi percebida repleta de iniquidade.
Foi então que vasculhando a velha casa eu encontrei meus parentes. Ali naqueles cômodos de sonho eles se refugiaram, as pessoas dormiam. Elas estavam ali, sorrindo como se caminhassem por alamedas de felicidade. Fizeram de quarto a casa, e do amor o devaneio. Senti-me triste e lembrei-me dela e de sua viva substância. Mas por perto não se ouviu galo cantar e nem o Livro eu encontrei – perdi a fé. Num outro cômodo havia uma pequena anotação numa folha rasgada caída pelo piso de taco: “Onde estão todas as pessoas?” e num relance de poesia Banderiana exclamei: “Estão todos dormindo/ estão todos deitados/ Dormindo/ Profundamente.” E o eco de minha voz cambaleou pela casa vazia, pelo mundo vazio, pela alma vazia. A vida não podia mais se refazer e eu não fazia sentido estando aqui neste quarto vazio: repousei meu corpo sobre um colchão e a cabeça sobre um travesseiro e compartilhei com todos os meus semelhantes o sono da vida que desfaz a morte real.


Caio Augusto Leite

2 comentários:

  1. Poeta, estrangeiro de lugar allgum, lugar nenhum.
    Fora de seu tempo, além, sozinho. Ser leve e alado, benção e amaldiçoado.

    Foi bem isso que senti ao ler esse teu texto.
    Muito bom ^^

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  2. Perfeito. Parabéns Caio!!!

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