sábado, 29 de outubro de 2011

Histeria no Beco das Garrafas


Batiam as dez badaladas na Little Club, com uma vista privilegiada espiava o ir e vir dos boêmios tristes. Enquanto mantinha meu olhar uma figura chamou minha atenção: olhos tristes e vazios, por certo com a mente presa a algum amor partido. Seu terno, mesmo em desalinho, impunha todo seu alto nível social. Talvez morasse no Leblon ou Copacabana. Vinha com um passo caduco, cambaleante, quase caindo no primeiro dos três finos degraus da entrada. Passou gingando por entre casais, amigos exaustos e por um político e sua amante, camuflados pela escuridão da mesa onde se abrigavam.
Dirigiu-se ao garçom com meia dúzia de palavras encolhidas. Vieram em sua direção uma, duas, três doses de um líquido âmbar - conhaque provavelmente. Desviei o olhar para o palco onde lentamente começava um samba-canção. A iluminação tornou-se escassa, a exceção da luz difusa das pequenas lamparinas que cada mesa possuía, o clima nostálgico invadia cada poro dos ali presentes.
Enquanto a música chegava a seu final “me abrace simplesmente, não fale não lembre, não chore meu bem...”, um estilhaço cortou o ar. Um copo de vidro fora arremessado com violência no breve instante que me distraí. A figura fúnebre liberava toda sua raiva nos objetos ao seu alcance. O esforço que fazia tornava rubra a sua face, gotas de suor encharcavam suas vestes e os cabelos num redemoinho de confusão.
Em seu gritar gago, embriagado, ouvia-se fragmentos como: “ela vai voltar”, “ela me ama”, “eu ainda sou dela”, e outras desvairadas declarações. Subiu na mesa, seu sapato italiano evidenciou-se quando as luzes se acenderam. Olhares assustados, os casais recuaram, as risadas abafaram e a acompanhante do tal político escafedeu-se antes que levantasse alguma suspeita.
“A polícia foi chamada”, cochichou um dos garçons. Levantei-me, fui ao balcão, o bêbado ainda fazendo seu escarcéu, paguei a conta e fui em direção à Vogue, lá o clima era sempre agradável. Antes de sair lancei um último olhar de compreensão e lembrei-me do tempo em que era eu quem estava ali berrando desesperado. No caminho as sirenes coloriram os muros e as ruas de paralelepípedos. Depois da meia-noite fui para casa.
Era agora manhã, o sol invadia sem pudor as janelas que Maria deve ter aberto. Pus o pé no piso frio e do oitavo andar vi a cidade já acordada. Cerrei as persianas e me larguei na cama quente. Hoje era sábado, e o sábado era o dia sagrado de redenção para mim, para o bêbado da Little Club e para todos que aguardam o retorno da amada. Um barulho de ambulância passou e foi ficando longe, longe, longe... E antes que desaparecesse havia adormecido novamente.

- Caio Augusto Leite

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