quinta-feira, 18 de novembro de 2010

A casa do monte

Da alta colina vejo o borrão estático e sem voz da cidade morta. Como um tumor em meio a natureza estonteante de matas, rios, aves e arco-íris. O barulho do ir vir dos carros é atroz como a sinfonia fúnebre da morte inesperada. Os enormes prédios encobrem o miosótis do céu, e os fios de eletricidade matam as altaneiras árvores de século que passou.
As crianças crescem sem saber do puro ar que desprende das damas da noite no findar do dia. Do espetáculo que o arrebol imprime nas nuvens, no firmamento. Enquanto lentamente as estrelas ponteiam na presença espiritual da lua. Ah! os cometas, ninguém os vêem lá de baixo e nem o som das cigarras ouviriam completamente.
Aqui posso andar descalço e transladar energia com a terra roxa, terra fértil geradora de vida. Meus abraços encobrem os troncos rugosos da mangueira. Minha boca sente o gosto da carambola nova, do pé, vinda do próprio ventre desvirginado das folhas. Parindo vida em frutos e sementes.
Ainda visito a metrópole onde, por vezes, preciso realizar tarefas que a vida natural não me permite. Fico logo irritado com tanta poeira, tanto asfalto, tanta dor. Subo na minha casinha encarapitada no fim do tempo, como um Olimpo particular. Onde ainda posso sentir a mão de Deus criando cada abelha a zunir, cada gota de orvalho. Como se as divindades usassem aquele último espacinho para jorrar toda sua criatividade de aquarela mística.
Sempre a acompanhar a cidade da pedra mais alta da encosta. Quando me canso e a noite traz os pirilampos, desço para o meu lar. Fecho as cortinas e durmo com as janelas abertas, como se fizesse parte de algo maior. Compactuando meu viver com a própria energia selvagem ao redor. Como se não houvesse mais medo, só a paz e alegria de recolher do dia a mais pura forma de existir.


Caio Augusto Leite - 18/11/2010

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