Passou a mão pela barba rala enquanto caminhava pela rua, mal vendo as pessoas que passavam. A cidade gritava em seus ouvidos cansados. As luzes explodiam em suas retinas fracas. Seus pés não pareciam querer mais caminhar. E ele andava atordoado, sem rumo, sem condições de voltar para casa. Se é que teria uma casa ainda. Não podia explicar o que acontecera. De uma hora pra outra, uma palavra dita na hora inadequada e pôs tudo a perder.
Chutou uma pedrinha no caminho, e se sentiu assim como aquele pedaço de mineral. Enxotado, inútil e tratado como se não houvesse coração. E tudo por tentar se defender das agressões que por tanto tempo aceitou calado. Saberia ser forte – deveria saber – não era uma opção em todo caso. Em sua face, a marca da palma fina permanecia quente. Seus olhos permaneciam frios.
Os gritos ecoavam em sua cabeça e por um impulso decidiu voltar para resolver aquela situação. Não poderia viver assim. Com a incerteza em seu coração. Precisava consertar o sorriso que fora estilhaçado no tempo. Voltou com passos de raio. E em menos tempo do que previa chegou à frente do apartamento onde dividira aquelas infelicidades cotidianas.
Porém havia uma movimentação estranha por ali. Pessoas aglomeradas e algumas sirenes manchavam a noite escura. E manchado também estava o chão quando se aproximou e reconheceu o cadáver em suicídio (provavelmente). “Ela se matou, tinha brigado com o marido. Assim que ele saiu, se jogou” – gritava uma senhora apavorada. Em sua mente permitiu-se corrigi-la: “ela havia morrido no momento que decidiu fazer das nossas vidas um calvário”. Podia soar estranho um homem sofrer nas mãos da mulher, mas era isso que acontecia e toda sua passividade era a causa disso.
E por mais que tenha vivido com ela tanto tempo, não rolou sequer uma lágrima de caridade. Virou o rosto e caminhou com um sorriso enorme no rosto. Podia parecer maligno ou até mesmo satânico. Mas era amor próprio mesmo. Não chorou a morte dela e não choraria em nenhum momento futuro. A morte ajustou-se para que sua felicidade fosse consumada. E assim seria.
Tirou um cigarro do bolso e acendeu-o com displicência. A chuva começou a lavar as calçadas enquanto as pessoas dispersavam-se para seus lares. O sangue chegava a seus pés e com um gesto de asco seguiu na direção oposta. Iria para um hotel barato e esperaria a herança que dela viria. Pensava consigo que estava agindo certo. Estava completamente confiante que poderia ser feliz dali em diante. Esqueceria aquele passado – esqueceria não, já havia esquecido.
Continuou a caminhar pelas ruas cheias de poças, com a roupa molhada e a alma livre. O homem seguiu em frente e as olheiras aos poucos pareciam apagar-se de seu rosto. Apertou-se no agasalho com um pouco de tremedeira. Era pura chama em seu corpo e eterno riso em sua íris. Assim desapareceu na cidade escura e nunca mais o vi.
Chutou uma pedrinha no caminho, e se sentiu assim como aquele pedaço de mineral. Enxotado, inútil e tratado como se não houvesse coração. E tudo por tentar se defender das agressões que por tanto tempo aceitou calado. Saberia ser forte – deveria saber – não era uma opção em todo caso. Em sua face, a marca da palma fina permanecia quente. Seus olhos permaneciam frios.
Os gritos ecoavam em sua cabeça e por um impulso decidiu voltar para resolver aquela situação. Não poderia viver assim. Com a incerteza em seu coração. Precisava consertar o sorriso que fora estilhaçado no tempo. Voltou com passos de raio. E em menos tempo do que previa chegou à frente do apartamento onde dividira aquelas infelicidades cotidianas.
Porém havia uma movimentação estranha por ali. Pessoas aglomeradas e algumas sirenes manchavam a noite escura. E manchado também estava o chão quando se aproximou e reconheceu o cadáver em suicídio (provavelmente). “Ela se matou, tinha brigado com o marido. Assim que ele saiu, se jogou” – gritava uma senhora apavorada. Em sua mente permitiu-se corrigi-la: “ela havia morrido no momento que decidiu fazer das nossas vidas um calvário”. Podia soar estranho um homem sofrer nas mãos da mulher, mas era isso que acontecia e toda sua passividade era a causa disso.
E por mais que tenha vivido com ela tanto tempo, não rolou sequer uma lágrima de caridade. Virou o rosto e caminhou com um sorriso enorme no rosto. Podia parecer maligno ou até mesmo satânico. Mas era amor próprio mesmo. Não chorou a morte dela e não choraria em nenhum momento futuro. A morte ajustou-se para que sua felicidade fosse consumada. E assim seria.
Tirou um cigarro do bolso e acendeu-o com displicência. A chuva começou a lavar as calçadas enquanto as pessoas dispersavam-se para seus lares. O sangue chegava a seus pés e com um gesto de asco seguiu na direção oposta. Iria para um hotel barato e esperaria a herança que dela viria. Pensava consigo que estava agindo certo. Estava completamente confiante que poderia ser feliz dali em diante. Esqueceria aquele passado – esqueceria não, já havia esquecido.
Continuou a caminhar pelas ruas cheias de poças, com a roupa molhada e a alma livre. O homem seguiu em frente e as olheiras aos poucos pareciam apagar-se de seu rosto. Apertou-se no agasalho com um pouco de tremedeira. Era pura chama em seu corpo e eterno riso em sua íris. Assim desapareceu na cidade escura e nunca mais o vi.
- Caio Augusto Leite
Meu, muito lindo!
ResponderExcluirQue leitura deliciosa
ResponderExcluirVocê escreve muito bem. Nem acredito que tenha poucos seguidores aqui no blog, verdade. Mas com certeza irão aumentar. Você tem talento, man. Seguindo aqui. Bjo.
ResponderExcluirhttp://miasodre.blogspot.com/