domingo, 23 de outubro de 2011

O moço que conheci

Passou a mão pela barba rala enquanto caminhava pela rua, mal vendo as pessoas que passavam. A cidade gritava em seus ouvidos cansados. As luzes explodiam em suas retinas fracas. Seus pés não pareciam querer mais caminhar. E ele andava atordoado, sem rumo, sem condições de voltar para casa. Se é que teria uma casa ainda. Não podia explicar o que acontecera. De uma hora pra outra, uma palavra dita na hora inadequada e pôs tudo a perder.
Chutou uma pedrinha no caminho, e se sentiu assim como aquele pedaço de mineral. Enxotado, inútil e tratado como se não houvesse coração. E tudo por tentar se defender das agressões que por tanto tempo aceitou calado. Saberia ser forte – deveria saber – não era uma opção em todo caso. Em sua face, a marca da palma fina permanecia quente. Seus olhos permaneciam frios.
Os gritos ecoavam em sua cabeça e por um impulso decidiu voltar para resolver aquela situação. Não poderia viver assim. Com a incerteza em seu coração. Precisava consertar o sorriso que fora estilhaçado no tempo. Voltou com passos de raio. E em menos tempo do que previa chegou à frente do apartamento onde dividira aquelas infelicidades cotidianas.
Porém havia uma movimentação estranha por ali. Pessoas aglomeradas e algumas sirenes manchavam a noite escura. E manchado também estava o chão quando se aproximou e reconheceu o cadáver em suicídio (provavelmente). “Ela se matou, tinha brigado com o marido. Assim que ele saiu, se jogou” – gritava uma senhora apavorada. Em sua mente permitiu-se corrigi-la: “ela havia morrido no momento que decidiu fazer das nossas vidas um calvário”. Podia soar estranho um homem sofrer nas mãos da mulher, mas era isso que acontecia e toda sua passividade era a causa disso.
E por mais que tenha vivido com ela tanto tempo, não rolou sequer uma lágrima de caridade. Virou o rosto e caminhou com um sorriso enorme no rosto. Podia parecer maligno ou até mesmo satânico. Mas era amor próprio mesmo. Não chorou a morte dela e não choraria em nenhum momento futuro. A morte ajustou-se para que sua felicidade fosse consumada. E assim seria.
Tirou um cigarro do bolso e acendeu-o com displicência. A chuva começou a lavar as calçadas enquanto as pessoas dispersavam-se para seus lares. O sangue chegava a seus pés e com um gesto de asco seguiu na direção oposta. Iria para um hotel barato e esperaria a herança que dela viria. Pensava consigo que estava agindo certo. Estava completamente confiante que poderia ser feliz dali em diante. Esqueceria aquele passado – esqueceria não, já havia esquecido.
Continuou a caminhar pelas ruas cheias de poças, com a roupa molhada e a alma livre. O homem seguiu em frente e as olheiras aos poucos pareciam apagar-se de seu rosto. Apertou-se no agasalho com um pouco de tremedeira. Era pura chama em seu corpo e eterno riso em sua íris. Assim desapareceu na cidade escura e nunca mais o vi.

- Caio Augusto Leite

3 comentários:

  1. Você escreve muito bem. Nem acredito que tenha poucos seguidores aqui no blog, verdade. Mas com certeza irão aumentar. Você tem talento, man. Seguindo aqui. Bjo.

    http://miasodre.blogspot.com/

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