sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Obituário pré-morte


“- Está morto – disse.
E de fato estava, quem matou foi a palavra”.



É preciso que se esclareça que não sou um Brás Cubas da vida – e nem posso ter pretensão de o ser, Machado sabe disso – sou mesmo um narrador vivo e de carne e letras. Pretendo com esse texto confessional acabar com os clichês que irão se instaurar depois do canto do cisne. É muita injustiça não poder rebater as opiniões leigas das pessoas que vêm ao meu último adeus. Não vou deixar elas sem resposta, não vou deixar que me pintem como um diabo e nem que me glorifiquem como um anjo de candura. Vou aqui me desvendar – mas como narrador que sou não terei a neutralidade necessária para convencer a todos, irei tentar.
Olha, não sei como e nem quando vai ser o momento mais propício para a leitura dessas linhas, mas fiquem sabendo desde já que eu não era tão bom assim. É isso mesmo, não era o doce de pessoa que vão dizer que eu era, não era tão caridoso, não era assim amigável, não era feliz. Mas também não era o contrário disso. Era um pouco de cada, mas nada definido, nada que se possa definir com totalidade. Tive sonhos? Quem não os teve? Tive amores? Aos milhares. Tive vontades que não realizei, tive fomes que não matei, tive doenças que não curei. Não era muito ambicioso, mas tolo também não era – acho que esse meio termo foi o que me matou – que me matará, aliás.
Caros leitores (homens e mulheres) sei que se leram até aqui, estarão duvidando se me conheceram de verdade. Mas se nem eu me conheci e nem eu podia me autodominar, como é que vocês aí de fora da minha consciência poderiam o fazer? Fiquem tranquilos amigos do peito, vocês me fizeram menos triste, vocês me compreenderam bem, vocês foram os que mais se aproximaram de descobrir quem eu fui.
Não chora não meus amigos, não chora não. Tô bem melhor aqui, onde quer que seja o aqui. Não chora Zeca e lembre-se dos meus conselhos – creio eu que eram bons. Não chora Maria, lembre-se dos meus beijos – creio eu quero eram bons. Não chora Flora e Macabéa gostei de lê-las, vou poder encontrá-las, vou virar palavra também. Não chore ninguém, fiquem todos em paz, fiquem todos bem, fiquem todos consolados. Ah, mas que momento dolorido aonde a carne vai se desrrealizando e o conto vai virando crônica banal...

e a crônica barata vai virando poesia.
Vai virando versos de despedida.
É a hora da estrela, diria clara, Clarice.
E eu só queria uma fita amarela
para colocar no meu moinho.
É doce naufragar nesse mar - diria um poeta.
Acabou a serenata e todos os clichês de morte
foram mortos pela palavra. Descansei em paz.


- Caio Augusto Leite



3 comentários:

  1. Caio, ja venho lendo frases e textos por sua autoria a muito tempo e é preciso reconhecer, você tem talento guri, muito talento, parabéns, são realmente muito envolventes, cativantes; Sei lá, mas você tem uma complexidade fácil, se é que me entende, você faz grande o corriqueiro, o banal. Parabéns novamente!

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  2. PUTA QUE PARIU! Que texto amigo... sério, te vejo daqui a alguns anos em uma das cadeiras da ABL

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  3. Parabéns Caio. Ficou ÓTIMO!!!

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