sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Remover


Enquanto esperava na grande fila, ereto e definitivo, o sol começava a nascer além dos prédios próximos – nuvens negras pairavam perigosamente no abismo celeste. O único som era o das pessoas que conversavam, pois se conheciam ou que conversavam pra se conhecer. Em sua mente pensamentos avulsos, desdenhosos, cansados e planos do que falar. Nada indicava a vida, parecia que as pedras frias das paredes concretadas haviam escapado e atingido os corpos humanos que ali aguardavam seu momento. Um ônibus surgiu na curva, cambaleando, cheio, transbordante. E então outro, e mais outro e diversos outros. No céu um avião pontilhava seu destino, deixando no ar um rastro de fumaça branca. Nos fios de eletricidade fitinhas de rabiola balançavam fracamente em função da brisa matinal. Mais um ônibus passava, e o espaço se movimentando acovardava o rapaz ali parado. Invertiam-se os papéis, quem era o ser vivo agora? Quem era o espaço oco? Uma triste indagação, difícil, quase impossível de se responder.
Mas ainda é verão, gosto desse tempo ameno, colorido de luz, o sol imponente. Agora eram as nuvens que se moviam, encobriam paulatinamente o calor que emanava do astro-rei. Devia ter trazido uma blusa – uma rajada forte de vento soprava e agora as fitinhas estavam ensandecidas. Devia ter ouvido mamãe e ficado em casa. Devia ter ficado dormindo até mais tarde, a cama quente. Não devia ter esquecido o guarda-chuva em cima da mesa – a chuva começava a cair – fraca, média, forte, chuva de chuveiro. Todos correram, todos abandonaram a fila. Todos foram se abrigar em algum lugar. Ele não, ele ficou ali um pouco – espaço ou pessoa? A questão emergia novamente. A porta do estabelecimento abriu-se. Acordei cedo justamente para isso, fiquei aqui, pois não sabia desistir das minhas metas. Pela primeira vez, desde que estancara ali para esperar, o jovem se moveu. Uma perna, a outra. Um passo de cada vez, tranquilo na chuva que caía. Movimento horizontal furando a cortina de água vertical. Encharcado, trêmulo, mas sempre confiante. Adentrou a porta dupla de vidro jateado. Limpei os pés no tapete, sujei o piso limpo. Encontrei quem procurava. Tocou o ombro da mulher de costas, seu olhar se encontrou com o dela. Removeria agora as pedras do caminho, poria tudo em pratos limpos. Esclareceria os maus entendidos. As pupilas dilataram; os lábios, finalmente, ganharam movimento e vida:
- Precisamos conversar...

3 comentários:

  1. eu REALMENTE gosto do jeito que você escreve *_*

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  2. Você escreve tão beeeeem! E eu fico encantada com a forma que descreves tudo.

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  3. "- Precisamos conversar..."
    ai essa frase...

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