quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Clara ilusão

A mulher rechonchuda acabou de passar a última camiseta no ferro a carvão. Dobrou com paciência e colocou sobre o topo da pilha na cadeira. Foi até o fogão e colocou lenha para começar o preparo do almoço. Saiu pela pequena porta da casinha de madeira, o chão de terra batida, as galinhas ciscavam. Aproximou-se lentamente das pequenas aves no chão, mas elas perceberam seus passos – não tão hábeis quanto antes - e saíram para todos os lados no costumeiro semi-voo de galinha. Correu atrás de uma particularmente lenta e depois de alguns minutos de caça a pobre ave caiu nas mãos calosas da senhora. Quebrou o pescoço em um só tranco, depenou-a, preparou o tempero típico das prendadas senhoras do interior e colocou as partes picadas num panelão de aço. Preparava também o arroz e o feijão. Lembrou-se da salada, saiu mais uma vez, agora foi em direção à horta nos fundos. Enquanto sujava as mãos de terra, retirava algumas verduras frescas.
Já estava lavando as folhas quando o cachorro latiu, “Parece que tem alguém na porteira” – ela pensou ao espiar pela janela e tentando identificar de quem era o vulto ao longe, seus olhos já não enxergavam bem. Finalmente descobriu de quem se tratava. “Se chegue seu Tomás, a porteira tá aberta” – gritou da janela. O homem curvado adentrou a propriedade e pouco tempo depois já estava na soleira da porta. “Trouxe esses peixes do ribeirão, te interessa Dona Clara?” – falou o homenzinho. “Obrigada seu Tomás, vou ficar com eles sim, quanto tá custando?”. O homem disse o preço dos peixes e Dona Clara contou as notinhas gastas e depositou na mão estendida de Tomás, no mesmo instante ele passava a sacola com os peixes embrulhados no jornal. “E esse bocado de comida, alguma comemoração?” indagou o homem ao olhar a quantidade de panelas sobre o fogão. “É sim seu Tomás, hoje meu filho que mora na cidade grande vem me visitar, mandou carta e tudo – o Padre Cláudio que leu pra mim” os olhos de Dona Clara brilhavam. “Quanto tempo não vejo seu menino, deve tá um homem já” disse Tomás nostálgico. “Tá sim seu Tomás, faz tanto tempo que não vejo meu Pedrinho, ele vai trazer os filhos e a esposa – esses eu ainda nem conheço.” “Mas nossa Dona Clara, faz bastante tempo mesmo!”. “Faz uns par de anos mesmo, mas é que da última vez os filhos e a mulher não puderam vir”. “Entendi. Bom Dona Clara, agora eu preciso ir que tem muita coisa pra fazer lá na casa do Seu Manoel, um bom dia pra Senhora, manda lembrança pro menino”. “Vai com Deus seu Tomás, mando as lembranças sim, um bom dia e bom trabalho.” O homem saiu com seu passo miúdo, cruzou a porteira e desapareceu na estrada.
Dona Clara suspirou e guardou o peixe na pequena geladeira – um dos únicos objetos elétricos da casa. Não havia lâmpadas, pois essas foram pouco a pouco queimando, e ela ainda não tinha arrumado tempo para trocá-las. Mas isso nem a incomodava, uma vez que viveu grande parte de sua vida sob a luz do lampião. Energia elétrica mesmo chegou há uns dois anos. Olhou para o relógio lascado e era mais de meio-dia. Resolveu almoçar sozinha, estava morrendo de fome. Comeu, mas não parou pra descansar, logo se levantou e foi preparar um delicioso bolo. Bateu a massa e foi varrer o quintal. Pegou a vassoura de piaçava e enquanto varria a poeira subia. Depois foi dar de comer aos dois porcos no chiqueiro. Agora iria lavar roupa, bateu as peças no tanque, torceu-as e penduro-as no varal sob o sol quente da tarde. Foi seguindo sua rotina e nada do rapaz chegar. Terminou por fim de lavar a louça, enxugou as mãos no avental e ao olhar o relógio mais uma vez o dia já alcançava sua décima sétima hora. Sentou-se na cadeira de balanço, na varanda, e ficou ali esperando o filho tardio enquanto a claridade ia rapidamente se esvaindo.
Então uma buzina rasgou o ar seco e na porteira um carro surgiu da vasta estrada. Dona Clara sorriu e se levantou rapidamente para receber quem chegava. O carro estacionou e dele saíram quatro pessoas. A senhora abraçou o filho com toda a força do seu pequeno coração gigante. Também abraçou os netinhos e a bela nora - jovem e bem vestida. As crianças ficaram brincando no quintal, os outros três entraram. Colocaram as novidades em dia, riram e choraram. Eles já haviam almoçado pela estrada, ela então decidiu botar o bolo na mesa e passar um café preto bem quentinho. Era tudo tão maravilhoso e inacreditável. Ao longe uma coruja piou e a cena desapareceu como fumaça ao vento. Dona Clara acordou assustada na sua cadeira de balanço, a noite já caíra. Os pássaros voavam para suas moradas, as galinhas cochilavam nos seus poleiros. Sapos e insetos tocavam a sinfonia noturna. Algumas lâmpadas brilhavam em casas distantes. A lua plácida e prateada pairava absoluta, as estrelas ornavam todo o imenso firmamento – eram esses os grandes companheiros de Dona Clara. Qualquer corpo celeste passou riscando a noite, a velha recostou-se na cadeira e conformada voltou para o seu sono.

- Caio Augusto Leite

Um comentário:

  1. Nossa vc realmente escreve muito bem, . Da onde vc saiu hein? Hahaha Gostei muito mesmo.

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