sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Com zelo, sem selo


Sob o sol quente de dezembro caminhava o carteiro, fazia as últimas entregas daquele ano. Passava pelas calçadas esburacadas e dificultosas da grande rua. No ar aquele clima de ansiedade e histeria se apossava das pessoas. Para elas o ano não poderia acabar e ao mesmo tempo o novo ano deveria chegar logo, ninguém sabia ao certo o que querer. Mas o carteiro caminhava com seu uniforme azul escuro com amarelo ovo, a roupa bem lavada e bem passada. A primeira encomenda era para Dona Zefa, a senhora de setenta anos que se não fosse pelo seu pequeno cãozinho, moraria sozinha. Passou pela casa verde, ali ele não conhecia ninguém – era o grande mistério da rua. Entregou pro Seu João, pra Marisa, pro Lucas e pra Joana. Desejava “Feliz ano novo” para cada pessoa que recebia a correspondência de suas mãos. Para aquelas que ele não encontrava em casa, deixava um pequeno cartãozinho com os mesmos votos de prosperidade para o ano que chegaria. Mais pra frente, lá pelo meio da rua, algumas crianças jogavam futebol e num chute descuidado de um dos garotos a bola voou em direção ao rapaz, este deixou a bolsa cair e muitas cartas se espalharam pelo chão. Rapidamente ele agachou-se e recolheu as preciosas cartinhas e as contas de água e luz. Levantou-se sacudiu a poeira, aprumou-se e seguiu seu caminho como se nada tivesse acontecido – era dedicado e orgulhoso com seu trabalho, todas as correspondências deveriam ser entregues, era seu dever.
Agora sim, parou diante da casa que estava em seu pensamento desde o momento em que havia acordado. O grande portão branco, o sobrado azul, a moradia que habita seus sonhos há tanto tempo. Retirou uma carta do próprio bolso, pois essa fora escrita por ele mesmo. Um envelope dobrado com delicadeza, a letra caprichada e o conteúdo pensado, repensado e desesperadamente reinventado. Páginas e mais páginas de papel amassadas, no lixo, no chão, em cima da cama. A noite inteira, a madrugada e finalmente a mensagem perfeita. A mão agora tremia ante o momento decisivo de colocar a carta na caixinha prateada, respirou fundo e com coragem consumou o ato. Pelo buraco do portão passou um pacotinho com a bijuteria que comprara alguns dias antes.
Já era noite quando a moça chegou do trabalho e ao ver o pequeno envelope se espantou: ninguém nunca tinha lhe mandado uma carta. Retirou, não achou selo e nem nome – leu a declaração de amor, mas não sabia que reação deveria ter, nem feliz nem triste. Nem azul, nem rosa – que cor teria agora? Pálida com certeza, branca como cera. Alguém no mundo sabia de sua existência, alguém no mundo queria seu bem, alguém que ela não sabia quem. Como era dolorosa essa sensação de ter e não ter – de saber e não saber. Pra que essa falsa ilusão? Pra que machucar o coração assim? Era muita maldade fazê-la de idiota, mas mesmo assim guardou a carta com carinho no bolso da blusa. Abriu o portão e percebeu o embrulho no chão e retirou uma fina corrente com um pequeno pingente em forma de envelope. A mulher sorriu, pois agora ela sabia quem havia lhe dedicado aqueles mimos. E enquanto a mulher entrava – o sorriso ainda na face - o seu remetente ia sentado num banco de ônibus para sua pequena casa. Seu olhar estava cansado e ainda assim feliz, pois carregava consigo a certeza de que tinha cumprido seu objetivo com perfeição. O homem nem imaginava, mas ele era o melhor carteiro da cidade.

- Caio Augusto Leite

3 comentários:

  1. Você é demais, sem mais.

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  2. Tudo aq é tão perfeito,tão surreal,sempre leio as coisas q posta,quanta perfeição usa quando escreve *-*

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  3. Perfeito. Parabéns! Os trechos são fascinantes...
    Um envelope dobrado com delicadeza, a letra caprichada e o conteúdo pensado, repensado e desesperadamente reinventado. Páginas e mais páginas de papel amassadas, no lixo, no chão, em cima da cama. A noite inteira, a madrugada e finalmente a mensagem perfeita.
    Alguém no mundo sabia de sua existência,

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