sábado, 24 de dezembro de 2011

Cresça: vire homem!

Vestiu a calcinha vermelha e a saia curta, abotoou a blusa desbotada, calçou a bota de couro. Pegou o dinheiro que lhe fora reservado, colocou na pequena bolsa de plástico. Foi até o banheiro, ajeitou o penteado, retocou o batom no mesmo carmim arrebatador que há pouco fora arrancado pelos beijos lascivos do homem que agora repousava de bruços no cansaço pós-sexo. Deu descarga nos restos imundos que algum hóspede anterior deixara. Lavou as mãos só com água, o sabonete estava coberto de pelos (sabe-se lá de que parte do corpo). Apagou as luzes, encostou a porta e saiu em direção ao corredor estreito.
Caminhava decidida, já estava no primeiro degrau da escada quando ouviu um estampido. Ficou pálida, plácida, os olhos arregalados, o pé suspenso no ar em direção à escada. O barulho viera do quarto que acabara de deixar. Ia embora ou voltava? Decidiu voltar. Abriu a porta com receio e a cama que há pouco se enfurecera com os movimentos sensuais estava agora incrivelmente parada. Parada demais, o homem agora estava de decúbito dorsal, as pernas e braços em ângulos irregulares. No ouvido direito havia um buraco escuro onde minava o sangue viscoso que escorria pelo rosto, pela barba felpuda, e se empoçava no lençol amarelado. O revólver estava caído do lado da cama.
Olhou com desespero, não poderia ser vista ali. Sabia que sendo quem era, estando onde estava, ela seria a primeira acusada pela morte do empresário. Ficou de frente para o cadáver, os olhos ainda estavam abertos, miravam o nada ou tudo. Mirava o escuro infinito da morte através das retinas sem brilho. “Como um homem rico, bonito e saudável faria uma bobagem dessas?” pensava com seus botões, “Eu tenho motivos para me matar, levo essa vida miserável, sou tocada por homens frios, ganho tão pouco, fui rejeitada pela família – o cadáver ali deveria ser eu”.
O homem nasce de uma centelha de amor ou de um momento de descuido. Cresce feliz ou com a tristeza na alma. Vira homem ou a vida o devora. Não virar homem no sentido macho da palavra – isso a natureza faz por conta - mas homem no sentido viril. Mulher tem que virar homem também, tem que ser forte, tem que ser mais que uma máquina reprodutora. Ser homem é saber viver e saber ser feliz. É claro que na vida há percalços, ali as duas personagens frente-a-frente tornavam verdade o que acabo de dizer.
A moça ouviu passos no corredor e antes que levantasse alguma suspeita, correu para a janela e com dificuldade desceu para a rua. Machucou o tornozelo e ralou a perna. Lá do segundo andar um grito de horror se espalhou. Ela foi correndo, mancando, o ferimento ardendo. Virou a primeira esquina, foi amansando o coração que estava acelerado. Agora estava um pouco mais tranquila. Entrou num barzinho qualquer, sentou no banco alto e pediu uma dose de cachaça. Tomou num único gole e a vida simplesmente me dizia: “Essa moça era frágil, mas ainda assim forte e indomável. Essa soube virar gente, soube virar homem ”.

- Caio Augusto Leite

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