quarta-feira, 11 de julho de 2012

Novo amor




     Duas horas depois, dois ônibus depois. Eis que chega ao ponto de encontro. Ele ainda não está. É preciso esperar mais, como se já não tivesse esperado a vida toda. E cada um que passa é seu rosto marcado de miragem, todo mundo é ele, mas ninguém o é. Os carros que passam não causam espanto e nem preocupação, ele vem de ônibus também. Ainda é cedo, nem sete horas. O céu cheio de tensão, entre o cinza da madrugada e o rosa-púrpura da alvorada. É o primeiro encontro, a barriga borboleteia e os pés estão agitados. Fecha os olhos e respira, tenta se acalmar, mas parece que piora. Vem uma vertigem, talvez pelo excesso de ansiedade, pelo frio da manhã ou pela fome que agora resolve aparecer. Abre os olhos novamente e parece que nada mudou. Talvez ele tenha esquecido, desistido, tenha sido assaltado, sequestrado, atropelado por uma carroça. Tanta coisa pode atrasar o amor, os pensamentos são os piores. Pensar no amor é dilui-lo em dúvidas rasteiras, em preocupações sem cabimento, em obstáculos que não existem. Não pensem.                                                                           

     Mas parece que ele vem vindo ali, não tem certeza, pois nunca o viu em carne e osso. Mas ele se aproxima, a conhece melhor, a ama há muito tempo. Como se tempo fosse medida para falar de amor. Todo tempo do mundo com tantas pessoas e não as ama. Tão pouco com ele e tanta saudade. Quem pode explicar essas contas impossíveis que o sentimento lança no vento? Essas incógnitas que possuem valor indeterminado. Um mais outro e o resultado pode ser qualquer coisa: ódio, indiferença, amizade, dor. Raramente: amor. Levanta, ajeita a roupa, tira a poeira do coração e abre os braços para um complexo abraço, os braços ainda se confundem, pois não se acostumaram uns aos outros e por isso não sabem o espaço que devem ocupar. Abraço embaraçado. Soltam-se cheios de vergonha, sentam no banco e olham a rua como se o outro não existisse. Ele põe a mão sobre seu ombro, ela cora. Ele tira. Ela olha com interesse. Os dois se conversam. Palavras nulas, vento no cabelo, olhos dicionarizados.                                                                                                     


     
Agora precisa falar, não pra transmitir conteúdos importantíssimos. Mas só para poder descobrir o timbre do outro, os maneirismos, as gírias, o hálito em forma de fumaça colidindo no rosto cheio de frio. Fala do clima, do dia anterior, da vida, dos planos de futuro, das pedras na rua. Distraidamente as mãos já se tocam, ganham certas intimidades, trocam temperatura. As palavras cansam e um silêncio cheio de proposta contamina o ar. Alguém precisa se mexer. Ele tenta, hesita. Ela tenta, hesita. Os dois tentam, hesitam. Parece difícil romper o laço da amizade. Uma borboleta vem voando, o rosto dele se aproxima, bate as asas com tranquilidade, a boca vermelha, vem chegando no canteiro, tudo tão perto, a flor amarela, milímetros de distância, a borboleta pousa na flor.                                                                                                                              

     Tudo certo, tudo bom, todo o tempo escorrendo pelas mãos suadas. O bem-estar acelera os ponteiros e já é hora de partir. Ela vai pra lá, ele pra cá. Um último aceno, tão tímido que quem os viu de longe jamais poderia imaginar que se queriam tanto. Ele sobe no seu ônibus e a vê caminhando tranquila e mais leve do que nunca. Ele vai sorrindo pelo caminho, cheio de esperança e lembranças do que acabara de viver. O perfume dela em sua roupa sairia logo, mas a doce fragrância do amor novinho em folha ficaria em sua pele, em sua alma e em suas palavras um pouco mais – talvez pra sempre.   

- Caio Augusto Leite

Um comentário:

  1. Com licença, mas terás de excluir esse poema perfeito. Pois ele contradiz uma realidade que diz nada é perfeito. Parabéns.

    ResponderExcluir