sexta-feira, 25 de maio de 2012

O último homem no mundo


Três moedas no meu chapéu,
as cartomantes querem ler meu destino,
a estátua de um homem histórico,
e eu caminhando no meio desse monte de gente.

Às seis horas da tarde e eu no caminho de ir,
meu ombro esbarra com força no contra-fluxo.
Vou arrastando esse fiapo de corpo,
esse arremedo de alma, hei de vencer.

Deixo que todos sigam,
que obedeçam seus homens de branco,
que tomem seus metrôs, seus ônibus cheios.
Que se tumultuem nos túneis engarrafados.

Passo por passo, não tenho pressa.
Tenho paciência e planos.
Espero coisas, penso em futuro,
não me prendi na rotina dos outros.

Paro um instante na frente da grande igreja,
no marco-zero da edificação da metrópole.
Faço uma oração com fé e peço pelos meus irmãos,
mas eles já não têm mais salvação.

Os peixes menores já foram embora,
a noite é de tubarão.
Festa no teatro municipal,
eu deito no alpendre, há música ali dentro.

                 *

Um doente mental, um maníaco, que seja.
Me banha de álcool
e me acende o corpo
feito tocha de balão.

E eu num último ato,
no meu grande ato,
arregaço as portas do teatro
e me vou queimando entre as finas mulheres
e os gloriosos varões.

Minha carne queima,
acre cheiro nas narinas.
A música parou,
tudo parou.

Fulminação total,
clímax improvável,
corpo combustível,
as cinzas no chão.

Um vento sopra,
vento de Deus ex machina.
E carrega minha alma carbonizada
para todos os lugares.

Impregno a cidade de mim,
cubro as águas, as comidas,
os monumentos e as bandeiras,
impregno o país.

Agora todos sabem quem sou,
até quando quiser o jornal.
Às seis do outro dia tudo repousa.
Minhas moedas alguém já roubou.

As cinzas, a chuva lavou.
Os operários seguem,
os trens correm
e a máquina cresce. 

- Caio Augusto Leite

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