quinta-feira, 24 de maio de 2012

Recordação


Um castelo feito de tijolos velhos,
de paredes mofadas,
de telhado caindo.
Para mim, de grande extensão
- mas um feio castelo.

Nos domínios desse reino
algumas plantas,
um limoeiro,
uma goiabeira,
uma cadela branca-e-negra.

E eu jovem cavaleiro
desbravava as terras.
Mas medroso que era,
de ratinhos fugia,
as aranhas temia,
mamãe me chamava:

- Vem tomar café menino!

Às vezes todos saíam,
eu era agora o guarda solitário
daquela moradia.
Eu e minha cachorra,
minha primeira namorada
- quanto afeto cabia em nós.

Um homem e seu bicho,
não.
Um menino e seu amigo.
sua amiga, duradoura companhia.

Nesse reino, eu era mais bobo do que príncipe.
O rei trabalhava, a rainha cozinhava,
e os outros príncipes brigavam entre si.
Eu só observava.

Quando chovia a gente corria,
a família real reunida na sala,
uma goteira caía bem no meio do tapete,
corre pegar panela pra não inundar a casa inteira.

Éramos felizes naquele sonho em névoa,
parece que foi há tanto tempo,
foi mesmo nessa vida?

Mas tudo que atinge seu ápice
tende ao declínio.

Uma tal revolução
desfez a monarquia.
Mudamos do castelo
para uma casa nova,
bem erguida pela alvenaria.

Minha cachorra passou.
Um príncipe passou.
Rainha-mãe,da Hungria, também passou.
Eu não passei, mas de fato mudei.

Já não sou mais criança.

Demolido o castelo,
no lugar dois modestos sobrados
caiados de branco, sujos de gana.

O que veio depois não preenche versos
e nem colore a poesia.
Não deixo a cidade, o presente e o futuro
macularem minha única alegria.

É o que lembro de minha infância,
é a minha Recife, minha invenção,
é o que posso recordar,
trazer de novo ao coração...

- Caio Augusto Leite

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