domingo, 3 de junho de 2012

Faz tempo


     Eu deveria ser cronista, sentado aqui nesse mesmo de banco de ônibus todos os dias, quantas histórias não passam sem notícia? Quantos amores desenganados, amizades feitas e desfeitas, corações felizes, homens adúlteros, algumas amantes. O acento reservado pra idosos então é um prato cheio! Ali confortavelmente acomodados bumbuns que já viram bastante coisa, do tempo em que bumbum ficava escondido num maiô muito esquisito. Mulher   separada não prestava “Essa é puta” diziam entre cochichos. Se demorasse pra casar... Essa vai ficar pra Tia. Os anúncios eram feitos no rádio: sabonetes, banha, discos de vinil.                                                                                                                  
     Os homens andavam de terno e chapéu, paravam em cafés sociais para colocar os assuntos de homem em dia, Bandeira me contou. As crianças não podiam ficar até tarde na rua, não. Algumas começavam a trabalhar bem cedo, ainda nem existia essa coisa de trabalho infantil. Tem muita lei moderna hoje em dia. Eu acho que naquele tempo era bem melhor, não se falava de crime, crime era roubar galinha no quintal da vizinha, assassinato? Uma vez por ano e olhe lá. Homem tinha pé no chão, não ficava criando engenhoca maluca pra querer pisar na Lua, eu não acredito muito nisso, acho que é plano pra enganar o povo, nas estrelas quem mora é Deus.                                                                               
     E os jovens de hoje então? Falam tudo errado, essas coisas de celular, de computa... sei lá quê, eu não entendo nada disso. Ah, pra que tanta parafernália? Uma máquina de escrever dava conta de tudo isso, as coisas importantes ficaram perdidas em algum lugar. Quem quer tirar foto de pomba voando? Filmar uma mulher caindo na rua? Nem nossos tombos mais são poupados. Se cair não adianta sacudir a poeira e fingir que ninguém viu, vai ter um malandrinho atrás de uma moitinha registrando tudo. Falta de educação! Ai se no meu tempo tivesse isso, meu pai comia de cinta, ajoelhava no milho, não tinha essa moleza não!                                                                                                            
     Mas veja só, meu ponto chegou. Ah, eu queria ser cronista, mas fico tanto tempo pensando na vida que me esqueço de viver, acho que no meu tempo era melhor viu, hoje em dia tem muita doença de memória, deve ser culpa da poluição. Ah, deixa pra lá viu, o jeito é ir pegar minha aposentadoria, porque esse negócio de arte não enche barriga não e já faz muito tempo.   

- Caio Augusto Leite        

Um comentário:

  1. Nossa Caio, muito bom. Adorei, super gostoso de ler =D

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