terça-feira, 5 de junho de 2012

Mariza e Heitor



     E já não somos mais o casal apaixonadinho que fomos por tanto tempo, já não usamos mais os nossos apelidos carinhosos que não passavam da primeira letra de nossos nomes. Você era M. e eu seu H., assim mesmo, na coincidência estranha que deu para Mariza e Heitor o indicativo sexual da espécie, homem e mulher. Éramos realmente feitos um pro outro, acreditei por muito tempo nisso, você também, todo mundo acreditava. Nosso papo era bom, nossas ideias batiam, tínhamos gostos parecidos e outros totalmente opostos que mantiam a balança da vida cotidiana numa medida aceitável. A transa era boa pra caralho, sério, você encaixava direitinho, o prazer minava nossos corpos de uma forma que jamais imaginei possível.                                                
     Mas agora você tem o seu engenheiro civil, seu homem importante, seu grande edificador de cidades. Talvez ele possa construir todos os sonhos de concreto, mas poderá erguer seus sonhos de flores coloridas, como eu erguia pra você? Saberá pintar suas manhãs de sorrisos, como eu pintei? Sei que parece orgulho meu, mas pense bem, haverá alguém melhor no mundo pra você, ou alguém que chegue perto disso? Não adianta, eu sei que um dia, quando cansada do sexo frágil e mal feito, suas pestanas fecharão e terão em mim, na escuridão, a figura plena de gozo.                                                                                          
     Não culpe só a mim, sua voz responde na minha cabeça, você também foi esquecendo de me dar carinhos, de enrolar meus cabelos, com os dedos, no meio da noite enquanto assistíamos um filme qualquer na televisão. Dos beijos, dos desejos, das palavras românticas, quando foi que você se tornou tão realista? Não sei explicar nossos desacertos, nossa ruína particular, nossa pequena tragédia burguesa – já não há Romeu e Julieta, de certo deveríamos ter morrido e eternizado nossos amores nos jornais que não entenderiam nada, pois nunca leram peças trágicas.  Então foi melhor assim – puta clichê – mas é a realidade. Sei que não será feliz com a magrela que arranjou, com seus dezenove anos, os seios pequenos apertados numa blusa do Piu-Piu, a voz pior que a da mulher da Top Therm e cérebro, será que ela tem?                                                                          
     Eu olho minha menina e não me apetece mais o coração e nem o corpo, digo a ela algumas palavras de despedida, há choro, há incerteza, há medo. Mas ela vai embora de mala e cuia. Não há mais possibilidades de viver esses relacionamentos bambos, que tendem a cair nos abismos do cotidiano. Do outro lado da cidade você também manda embora seu engravatado que te levava pros restaurantes mais chiques da cidade, sei que sente saudades do cachorro-quente do centro. Deito no sofá, suado, de regatas e samba-canção (toquem um samba-canção!) tô um caco. Relaxa, amor – ela invade novamente meus pensamentos – meu rímel já borrou pelo rosto, caída no chão da sala admirando o teto, a lâmpada parece que vai queimar – um fino fio de argônio, como também rebentou o nosso amor. E separados por orgulhos parecidos a solidão veste nossos corpos, contemporânea desgraça, maior que a morte, menor que a vida – o meio termo das ações onde o tédio mora e a tristeza se consagra. Com a cabeça embaralhada já nem sei se sou eu ou se é você que pensa: ainda te amo, talvez ambos. 

- Caio Augusto Leite

Um comentário:

  1. Magnifico! Um pouco confuso, mas compreendi, muito bem colocado as palavras as comparações o enredo. Só posso dizer Parabéns e obrigado por ter escrito esse belo texto.

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